Disputa acirrada

Pressões movimentam bastidores do Judiciário para escolha do novo ministro do STJ

Conversas, negociações, notas oficiais, lembrança de julgamentos passados e até supostos ‘pactos’ se destacam nas conversas de gabinetes dos TRFs. Expectativa é que decisão saia no início de março

Jorge Campos / STJ

Sede do STJ: colegiado é formado por 33 ministros; novo ministro será indicado pela presidenta Dilma Rousseff

Brasília – Não é somente no Legislativo e no Executivo que o início de 2016 está sendo marcado por reuniões e acertos para definição de novos nomes. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo tribunal mais importante do país e maior em termos de colegiado (é formado por 33 ministros), aguarda-se para o início de março, no mais tardar, a indicação pela presidenta Dilma Rousseff de novo ministro a partir de um dos nomes da lista tríplice já encaminhada a ela. O escolhido ocupará a vaga deixada pelo ex-ministro e ex-corregedor nacional de Justiça Gilson Dipp, aposentado no ano passado. Mas a escolha está permeada de “senões” e até mesmo sendo definida por “pressões diversas” nos comentários feitos em reservado em várias esferas da magistratura.

Os indicados são os magistrados José Marcos Lunardelli, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, João Batista Moreira, do TRF da 1ª Região, e Joel Paciornik, do TRF da 4ª Região. As preocupações para a escolha por um nome enfrentam duas questões distintas: primeiro, o fato de o escolhido vir a ocupar a 5ª Turma do STJ.

Trata-se da turma que julga os réus em processos referentes à Operação Lava Jato. O governo espera indicar alguém que não faça uso do cargo para politizar questões de mérito, desfavorecendo réus de um partido em detrimento de outro, conforme conduta que vários integrantes do PT e parlamentares de outras legendas acusam, até hoje, ter sido observado no julgamento do chamado mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – a Ação Penal 470. Em segundo lugar, há os acordos implícitos que ninguém assume publicamente mas que costumam ser feitos em relação a outros processos e pendências de ordem política, existentes nestes TRFs.

O TRF 1, por exemplo, é o tribunal que julga atualmente as ações da Operação Zelotes. Foi esta Corte que tirou da vara em que estava, em novembro passado, a juíza Célia Regina Ody Bernardes da relatoria do caso. Ela estava no cargo interinamente em substituição ao titular (que tinha sido designado como juiz auxiliar do STJ e chamado para reocupar suas funções no TRF). Célia Regina foi quem determinou o pedido de busca e apreensão nas empresas do filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Luís Cláudio Lula da Silva.

A posição da juíza foi criticada tecnicamente em decisão da desembargadora Neuza Alves, também do TRF 1, que chamou a autorização da busca e apreensão na empresa de Luiz Cláudio como ato baseado em uma “ilação”. Segundo ela, “o caso estaria sendo analisado não quanto à sua razoabilidade, mas apenas pelo fato de ter sido a ‘ilação’ o único fundamento apresentado para requerer a efetivação de uma devassa em empresas que, até então, não eram objeto de investigação alguma, nem mesmo como desdobramento do procedimento que até então avançava em curso firme, sem titubeios nem tentativas de evasão de informações”.

Mas sabe-se que, por ser um tribunal cuja jurisdição abrange o Distrito Federal e 13 estados, não é apenas o rumo da Zelotes que está em jogo. O TRF 1 é um dos mais prestigiados pelo Executivo na escolha dos ministros para o STJ não apenas pelas causas sob jurisdição da Corte, como também pela boa atuação dos seus integrantes. Foi de lá que saíram, por exemplo, a ex-ministra Eliana Calmon – hoje aposentada – e a atual ministra Assusete Magalhães.

Outras causas que chamaram a atenção nos últimos tempos, no TRF 1, foram as ações de desaposentação (cujos julgamentos resultam sempre em fortes impactos para a Previdência Social), o julgamento de ações referentes à Operação Monte Carlo – que levou à prisão do bicheiro Carlinhos Cachoeira, cuja repercussão também contribuiu para a cassação do então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) por envolvimento com o caso. E, ainda, decisões sobre legalidade de grampos judiciais e sobre embargos e continuidade de obras da hidrelétrica de Belo Monte.

Há, segundo um magistrado que hoje atua no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pediu para não ser identificado, rumores de que decanos do tribunal procuraram ministros do Executivo para argumentar que gostariam de receber uma contrapartida por parte do governo, diante do empenho que tiveram para evitar politizações nos julgamentos dos últimos anos. Eles teriam destacado a postura equilibrada que tem sido praticada pela corte e lembrado, até mesmo, a forma rápida como agiram no caso envolvendo o filho de Lula. Deixando claro, por conta disso, que gostariam de emplacar mais um ministro no STJ.

Quadros bem preparados

“Se isso aconteceu, é chantagem pura. Não acho que possa ter acontecido, até porque se trata de um tribunal que se destaca por possuir alguns dos quadros mais preparados do Judiciário nacional”, contestou um ministro aposentado do STF, ao ouvir a história – que tem sido uma das mais comentadas das últimas semanas no Judiciário Federal.

As especulações, no entanto, não circulam apenas em relação ao TRF 1. O TRF 4 – que abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – é o tribunal que conduz os processos da Operação Lava Jato. E a escolha de um indicado de lá também está sendo estudada com olhos de lince pelo Palácio do Planalto. O indicado desta corte para o STJ, o juiz Joel Paciornik, atua em Porto Alegre (RS).

Parcionick venceu uma lista de 13 nomes do TRF 4 selecionados para o cargo e o que se comenta é que existe, hoje, neste regional, uma divisão dos desembargadores entre os que acatam e os que contestam de forma veemente as decisões e iniciativas do juiz federal Sérgio Moro. Inclusive, indo de encontro a vários dos seus pedidos de prisão preventiva.

Em agosto passado, por exemplo, o desembargador João Pedro Gebran Neto mudou decisão de Moro e determinou ao juiz que repensasse a data fixada para alegações finais em um dos processos envolvendo o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, cuja defesa queria inserir nos autos novas provas. O desembargador, ao dar sua decisão num recurso apresentado pela defesa de Duque, afirmou que a conduta de Moro, ao reconsiderar decisão anterior, “tem aptidão para gerar razoável instabilidade processual” no atual estágio do processo.

Nem todos os magistrados do mesmo tribunal pensam assim, mas diante de anos seguidos de turbulência em julgamentos polêmicos, o Executivo trabalha para colocar no STJ uma pessoa que possua “postura o mais equilibrada possível” na condução destes casos, conforme destacou em off uma liderança do PT com cargo no governo.

Equilíbrio entre TRFs

Na terceira e última frente dessa disputa, está o juiz federal José Marcos Lunardelli, do TRF 3. Ele conta com o apoio de uma das principais entidades da magistratura – a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp) – que reivindica sua indicação ao STJ para que haja “maior equilíbrio” no Judiciário. “A 3ª  Região do Judiciário Federal é uma das maiores em volume de processos, mas conta com apenas um representante na Corte Superior. Essa distorção há muito é sentida e merece ser corrigida”, assinala a entidade.

Nos bastidores do TRF 3, o que se comenta é que Lunardelli conta com a simpatia de setores do PT e é apoiado pelos ministros do STJ Ricardo Villas-Bôas Cueva, Herman Benjamin, Maria Thereza de Assis Moura e Regina Helena Costa. No Executivo, estariam atuando na definição de um nome que consiga solucionar essa equação sem criar atritos no Judiciário, os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Jaques Wagner (Casa Civil) e o ex-ministro da Defesa e ex-presidente do STF, Nelson Jobim.

Esse tipo de disputa, no âmbito dos tribunais superiores, não costuma ser novidade para quem circula pelo Judiciário. A composição do STJ costuma ser formada por um terço de ministros saídos dos desembargadores dos Tribunais de Justiça, um terço dos juízes dos TRFs (caso de agora) e um terço, em partes iguais, de listas indicadas entre advogados e membros do Ministério Público alternadamente.

No ano passado, a ex-ministra Eliana Calmon sugeriu, em matéria veiculada pelo jornal Folha de São Paulo, que teria sido feito um acordo informal entre o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coelho, e o atual presidente do STJ, Francisco Falcão, pelo apoio ao desembargador Kassio Marques, do TRF 1 para este cargo.

Marques acabou ficando fora da lista tríplice e o acordo foi negado por todas as partes mencionadas. Mas segundo as informações divulgadas, teria como objetivo fazer com que, em troca, quando fosse aberta uma vaga proveniente da advocacia, o indicado fosse o advogado Djaci Falcão Neto, que é filho de Francisco Falcão. Também as presidências dos três TRFs foram procuradas para esta matéria, mas não se pronunciaram a respeito.

Com a recente aprovação da Emenda Constitucional da Bengala, que elevou a aposentadoria compulsória dos ministros do Judiciário de 70 para 75 anos, caso eles queiram ficar no cargo até o final, a próxima formação de lista tríplice para uma vaga de ministro do STJ por parte de um representante da Justiça Federal no STJ ocorrerá apenas em 2020, com a aposentadoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Daí o motivo de tanta pressão. Mas não se sabe se estes magistrados, que já estavam programando suas aposentadorias, vão querer continuar suas atividades.

O que se tem de certo é que a disputa para substituição de Gilson Dipp é pesada. E as articulações em curso dão a entender que, apesar do horário reduzido de atendimentos nos serviços dos tribunais e no expediente dos servidores neste mês de janeiro, a movimentação nos gabinetes tem sido bem maior do que aparenta. O que se tem feito tem sido muito menos avaliação técnica e muito mais política.