Usando bastões, indígenas colombianos resistem contra guerrilha e governo

A etnia Nasa, no Vale do Cauca colombiano, usa uma 'guarda' própria para defender o território do conflito interno

Bogotá – “Esse bastão é como uma esposa: preciso levá-lo comigo e respeitá-lo”, explica Gabriel, enquanto segura nas mãos o objeto, polido e adornado. Com a voz abafada por uma bandana vermelha e verde com o símbolo do Conselho Regional Indígena de Cauca (CRIC), o jovem indígena explica que controla o acesso ao Centro de Educação, Formação e Pesquisa para o Desenvolvimento Integral da Comunidade (CECIDIC, na sigla em espanhol), entre os municípios de Toribío e São Francisco, nas montanhas do estado colombiano de Cauca.

Armados apenas com esses bastões, os indígenas da etnia Nasa expulsaram no mês passado militares do monte Berlín – lugar sagrado para eles –, em uma cena que captou atenção mundial, principalmente pela ousadia. Nessa localidade, o exército construiu torres de transmissão e uma base, além de destruir as trincheiras da polícia e capturar guerrilheiros. Cansados do conflito, os Nasa decidiram agir por conta própria.

As Guardas Indígenas, onde atua Gabriel, são uma tradição ancestral que os Nasa retomaram há mais de 10 anos. Homens, mulheres, crianças e idosos prestam o serviço à comunidade, vigiando e protegendo-a, principalmente quando a guerra chega aos povos indígenas e há necessidade de evacuar a população, algo que, infelizmente, acontece com frequência em Cauca.

O “Projeto Nasa”, provavelmente a primeira organização indígena do continente, nasceu nos nove municípios do norte de Cauca, no início dos anos 1970. Até aquele momento, os indígenas matavam uns aos outros por pertencerem ao partido conservador ou liberal, mas, sob a orientação do sacerdote indígena Álvaro Ulcué, começaram a se identificar como parte de um povo ancestral, abandonaram a luta armada e construíram um projeto de paz, rejeitando, desde o princípio, a presença de atores armados em seus territórios.

A Constituição colombiana reconhece a existência das comunidades indígenas como propriedade privada coletiva, portanto, os quarteis no território Nasa são uma violação do direito de propriedade privada. Há ainda a Lei 21 da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalh), que prevê a realização de uma consulta prévia para a execução de obras que afetem a cultura indígena, incluindo a criação de bases militares.

No entanto, nem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), muito menos o governo, respeitam esses direitos. O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, afirmou que o exército e a polícia vão permanecer. Timochenko, líder do secretariado das FARC, disse, por sua vez, que “se o exército, a polícia e os paramilitares deixarem Cauca, caso encerrem sua guerra contra os indígenas, camponeses, mineradores e a população em geral, nós não teremos problemas em sair também”.

Toribío, o coração do projeto Nasa, é o centro dos combates e dos protestos. Em 2004, as FARC atacaram um posto policial e com isso destruíram várias casas e tiraram a vida de uma criança. Durante sua administração, o ex-presidente Álvaro Uribe, alegando “segurança democrática”, construiu, atrás da praça principal, um imenso bunker de concreto que serve como posto policial, em flagrante violação do Direito Humano Internacional.

Dos ataques que se seguiram, o mais terrível foi no ano passado, quando um caminhão-bomba explodiu em frente ao bunker, matando três pessoas e destruindo dezenas de casas. Hoje, entre as ruínas, os militares montam barracos e fazem fogueiras para se aquecer, fora das trincheiras destruídas pelos indígenas e a poucos passos do imenso bunker crivado de balas, que se ergue como uma fortaleza fantasmagórica.

“Às vezes, nos avisam para sair”, conta Dora, da Rádio Nasa. “Em outras, como no ano passado, plantam bombas e não se importam com ninguém”, diz. A rádio faz parte de uma rede de rádios comunitárias dos povos indígenas do Vale do Cauca – o teto com isolamento acústico voou pelos ares. “Mas o importante é que podemos continuar transmitindo”, completa Dora. Essas rádios são a única forma que os indígenas têm de combater o poder dos meios de comunicação de Bogotá.

“Todos os jornais estamparam em suas capas o rosto de um policial chorando, enquanto o carregávamos para fora da base”, conta Trino, da mesma rádio. “Mas não mostraram todo o vídeo, não mostraram quando os militares dispararam e os desarmamos, nem mesmo no dia seguinte, quando um indígena foi morto pelo exército em Caldono”.

De fato, a abordagem do protesto indígena na grande mídia tem sido parcial, com os veículos tentando despertar sentimentos de rejeição ao Nasa e de apoio às forças armadas. Em Toribío, alguns jornalistas de redes nacionais, que preferiram falar sem serem identificados, relataram que o material enviado às sedes em Bogotá é manipulado, descontextualizado, com o áudio original suprimido para que o significado das imagens seja alterado.

Chicotadas

É por isso que Gabriel controla quais jornalistas podem entrar no CECIDIC. As autoridades indígenas decidiram monitorar a informação e o trabalho da mídia no dia do julgamento dos guerrilheiros capturados em seu território, enquanto preparavam um ataque ao exército. Quem determina a cura (pena) é a assembleia dos indígenas, que vota por 30 chicotadas para cada guerrilheiro e 10 para um jovem menor de idade, capturado por eles.

Durante a execução da sentença, chegam cerca de 300 pessoas de 15 organizações sociais, que foram a Toribío para se solidarizar com o movimento indígena. Entre eles, o diretor do instituto Indepaz, Camilo Gonzalez Posso. “A mensagem transmitida pelos indígenas tem um grande significado para a Colômbia. Frases como ‘não queremos a guerra em nossas casas’ ou ‘desarmar a guerra’ são expressões radicais de pacifismo. Estamos vendo pessoas sem armas, apenas com bastões e a palavra, afastando a guerra de suas casas e de seu território. É uma grande lição que estão nos dando: somente a indignação daqueles que não têm armas é capaz de superá-la”.