Uruguai mantém lei de anistia a militares

Anistia Internacional diz que país sul-americano perdeu oportunidade histórica ao não anular Lei de Caducidade

A governante Frente Ampla não conseguiu a maioria necessária de 50 votos (Foto: Divulgação/Arquivo do Parlamento Uruguaio)

São Paulo – A Anistia Internacional considerou nesta sexta-feira (20) que o Uruguai “perdeu uma oportunidade histórica” ao não revogar a Lei de Caducidade, que impede o julgamento dos oficiais acusados de violação dos direitos humanos durante a ditadura militar do país (1973-1985). Um projeto para anular uma lei que evitou investigações foi rejeitado na madrugada desta sexta, depois que a governante Frente Ampla não conseguiu a maioria necessária de 50 votos. 

“Os uruguaios perderam a ocasião de eliminar uma norma que coloca os torturadores acima do sistema legal, violando assim o princípio de igualdade perante a lei”, concluiu Guadalupe Morengo, diretora do programa da América na Anistia Internacional. Para ela, o Uruguai tem “uma obrigação moral e legal” de amparar os que sofreram torturas em vez de “proteger os torturadores”. A anulação da lei teria representado um “passo adiante para as vítimas de abusos da ditadura”, já que “protege pessoas que abusaram dos direitos humanos e vai contra a legislação internacional”. 

Após meses de debates e de uma sessão parlamentar de mais de 14 horas, a votação terminou com um empate de 49 a 49. O deputado governista Víctor Semproni defendeu sua posição contra o projeto e se retirou do Parlamento antes da votação, o que impediu a FA de obter maioria.  Semproni, um ex-guerrilheiro de 74 anos que sofreu torturas durante a ditadura, disse estar “totalmente de acordo e de pé na luta para apagar definitivamente a Lei de Caducidade do sistema legal uruguaio”, mas considerou também a iniciativa “pouco segura” e “geradora de maiores dificuldades”.

A legislação, aprovada em 1986 pelo governo de Julio María Sanguinetti, democraticamente eleito após o final da ditadura, permite ao governante decidir quais crimes de abusos contra os direitos humanos podem ser investigados. Sem seus efeitos anulados, os quase sete mil presos políticos que denunciarem torturas e abusos durante a ditadura não poderão iniciar processos para buscar justiça.

Se o projeto prosperasse, dezenas de policiais e militares que cometeram violações aos direitos humanos durante a ditadura poderiam ser julgados. No entanto, a maioria dos analistas consultados pelo Parlamento tinham advertido também que se a nova lei tivesse passado teria sido declarada inconstitucional pela Suprema Corte de Justiça.

A proposta que fracassou abriu uma grave crise interna no seio do FA e do governo esquerdista, cujos integrantes impulsionaram os dois referendos e os perderam, o segundo de forma mais dolorosa pois já estavam no poder. Legisladores governistas consideraram inconstitucional o projeto de lei e contrário à soberania popular, mas o apoiaram com seu voto por disciplina partidária, enquanto o presidente, José Mujica, expressou sua rejeição à medida, embora tenha anunciado depois que não a vetaria se fosse aprovada.

Referendos promovidos em 1989 e 2009 mantiveram a Lei de Caducidade em vigor, mas a Suprema Corte uruguaia a declarou inconstitucional em várias ocasiões por violar as obrigações internacionais do país latino-americano, além de sua Constituição. Em 24 de março, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu um auto no qual considerava o Uruguai responsável pelo desaparecimento de María Claudia García, nora do poeta argentino Juan Gelman, em 1976, e por ter oculto a identidade de sua filha Macarena Gelman.

Fonte: OperaMundi

Edição: Anselmo Massad