Sindicatos convocam marcha contra congelamento de preços na Argentina

Opositores acreditam que retenção serve como camuflagem da inflação real e limitação de reajustes salariais

São Paulo – As duas principais centrais sindicais argentinas, ambas de oposição, convocaram dois protestos para os dias 8 e 14 de março, com o objetivo de pedir mais planos de ajuda social e o direito de negociar aumentos salariais “sem teto”.

A decisão da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA) foi anunciada na mesma semana em que o governo fecha acordos de congelamento de preços, por dois meses, com algumas redes de supermercados, lojas de eletrodomésticos e eletrônicos, postos de gasolina e lojas de conveniência.

Para os sindicalistas, o congelamento é uma medida para camuflar a inflação real e limitar os reajustes salariais. Os sindicatos informaram que pedirão ajustes salariais muito acima da inflação calculada pelo governo, que foi 10,8% em 2012. “Concordamos com a sugestão do governo de negociar o aumento salarial pelo prazo de um ano, mas levando em conta a inflação do carrinho de supermercado e do nosso próprio índice de preços”, disse Antonio Caló, da União Operária Metalúrgica (OUM), que estima que a inflação de 2012 foi 25%.

O secretário-geral da CGT, Hugo Moyano, informou na terça-feira (5) que os sindicatos da agremiação pedirão ajustes de “30% porque a inflação está meio descontrolada”. Até recentemente um dos principais aliados do governo, também disse que com o congelamento de preços por 60 dias o governo tem a intenção de colocar um teto aos pedidos de aumento salarial. “Isso nós vamos rejeitar”, afirmou.

Ontem (6), os supermercados chineses – que são menores, mas cada vez mais numerosos – anunciaram adesão à proposta do secretário do Interior, Guillermo Moreno, de manter os preços fixos até 1° de abril. Existem 10 mil supermercados chineses em toda a Argentina e eles têm até cartão de crédito próprio para competir com as grandes cadeias. O congelamento de preços temporário é voluntário, mas quem não aderir corre o risco de perder fatias do mercado.

A subsecretária de Defesa do Consumidor, Maria Lucila Colombo, recomendou aos consumidores argentinos que guardem os comprovantes de compras e denunciem aumentos abusivos. Segundo ela, o congelamento temporário de preços foi proposto para ajudar a “economia familiar”.

Em discurso recente, a presidente Cristina Kirchner disse que “já está demonstrado com a história que obrigar a negociar preços não dá certo”.

Salários e escola

Na Argentina, os reajustes salariais são decididos nas chamadas “paritárias” – acordos negociados entre trabalhadores e empresários que precisam ser ratificados pelo Ministério do Trabalho. Apesar de a inflação oficial girar em torno de 10% ao ano, o governo tem concedido aumentos superiores. “Ao fazer isso está, de certa forma, reconhecendo que a inflação real é maior que a oficial”, disse o ex-ministro da Economia (de Nestor e Cristina Kirchner), Roberto Lavagna.

Apesar disso, este ano, o governo não quer conceder aumentos superiores a 20% e os sindicatos, baseando-se no que chamam “índice do supermercado”, pediam mais.

O congelamento de preços temporário também coincide com a volta às aulas, no fim deste mês. É o momento em que as famílias argentinas mais sentem o peso da inflação: terminadas as férias, é hora de fazer matrícula e comprar material escolar. “Mudei minha filha de creche porque, no ano passado, a mensalidade praticamente duplicou e as vagas no sistema público, além de escassas, são difíceis de conseguir. Tive de colocá-la em uma creche privada para poder trabalhar”, disse a empregada doméstica Nancy Garcia.

“O congelamento para frear a inflação só serve se vier acompanhado por uma mudança confiável na política econômica para torná-la consistente. Acho que esse não é o caso argentino hoje. Até o momento, os sindicalistas não moderaram seus pedidos salariais depois do anúncio do congelamento”, disse o economista Matias Carugati, da consultoria Management&Fit. “A crise no setor de construção, no setor de compra e venda de imóveis, e a inflação, palavra tabu para o governo, fazem parte dos motivos da desconfiança dos argentinos, o que reflete na alta do dólar no paralelo”, acrescentou o economista.

Dólares e turismo

Para escapar da inflação, os argentinos voltaram ao antigo hábito de poupar em dólar. No entanto, no ano passado, o governo impôs controles de câmbio: quem quiser comprar moeda estrangeira precisa pedir aprovação da Afip (Receita Federal argentina). O governo também bloqueou saques, com cartões de débito de bancos argentinos, no exterior. E impôs uma taxa adicional para quem usar o cartão de crédito fora do país.

Ainda assim, os voos para destinos como o Caribe estavam lotados em janeiro – mês em que a maioria dos argentinos foge das cidades em busca de praias de água quente. “Foi por causa da inflação e do controle ao dólar”, explica Ana Catolino, que trabalha em uma agência de viagens de Buenos Aires. “Desde que limitaram a compra de dólares, nossos clientes têm usado o cartão para comprar pacotes de turismo com tudo incluído, muitos deles em resorts no Caribe ou no México.” Os pacotes são vendidos, de forma parcelada, em pesos argentinos – ao câmbio oficial. No mercado paralelo (que surgiu com o controle de câmbio), o dólar vale quase oito pesos, enquanto no oficial, cinco.

A inflação oficial é motivo de polêmica na Argentina desde 2007 e é criticada por economistas independentes e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Este ano, o governo trocou o comando do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), que divulga o índice, e vieram à tona críticas de oposicionistas e funcionários do instituto que dizem que há manipulação dos números. O governo, porém, nega as acusações.

Com agências