política externa

Para especialistas, ida de Celso Amorim à Ucrânia recoloca Brasil em sua tradição de busca da paz

Ex-chanceler foi enviado por Lula, enfrentou arriscada viagem de avião até a Polônia e depois foi de trem por 700 quilômetros até Kiev

Presidencia da Ucrânia
Presidencia da Ucrânia
Celso Amorim conversa com membros de delegação ucraniana em sua visita ao país em guerra com a Rússia

São Paulo – A viagem de Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à Ucrânia, esta semana, foi um esforço que pode ser recompensador, na opinião de especialistas em política externa. O ex-chanceler enfrentou arriscada viagem de avião até Varsóvia, na Polônia, para depois ir à fronteira ucraniana. De lá, foi de trem por 700 quilômetros até Kiev.

O itinerário é o mesmo percorrido por outros líderes, até chegar ao encontro do presidente Volodymyr Zelensky na viagem na zona conflagrada da Europa. Os presidentes americano, Joe Biden, e francês, Emmanuel Macron, e o premiê alemão, Olaf Scholz, foram alguns que fizeram o trajeto depois de iniciada a guerra.

Na quarta-feira, Amorim foi conduzido ao encontro com Zelensky em lugar não revelado. O enviado de Lula vem afirmando que propôs ao presidente ucraniano um processo diplomático pelo qual dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, antes de um contato direto.

“Vejo como muito positivo esse movimento de Celso Amorim. Mostra a forte vontade brasileira de ter maior protagonismo internacional, e essa é a questão mais premente da política internacional hoje”, diz Thomas Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para ele, o ex-ministro das Relações Exteriores brasileiro se articula como um player para que o Brasil, de fato, para além da retórica, participe do processo de intermediação de paz.

A ideia seria que, se o Brasil, sozinho, não tem esse poder, pode fazer parte da liderança de um grupo de países que elabore uma proposta de armistício, por exemplo. Na opinião de Heye, Amorim trabalha num contexto em que as tropas russas estão exauridas, com mais de um ano de combates e de custos altíssimos, e a Ucrânia está resistindo. “Então, aí há espaço para negociação”, acredita o analista.

Novo embaixador

Nesta quinta-feira (11), como desdobramento da viagem de Amorim à Ucrânia, o Brasil anunciou a concordância oficial do governo com a nomeação do novo embaixador da Ucrânia em Brasília, o vice-chanceler da Ucrânia Andrij Melnyk, com o qual Amorim foi fotografado em sua visita àquele país na quarta-feira (10). O cargo era do encarregado de negócios Anatoli Tkach.

“O governo brasileiro tem a satisfação de informar que concedeu agrément (nome do documento) ao Senhor Andrii Melnyk como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Ucrânia no Brasil”, informou o Itamaraty em nota.

Por outro lado, apesar dos esforços, há a possibilidade de que a guerra se prolongue muito, e nesse caso o Brasil estaria fazendo um esforço em vão. No dia seguinte à reunião com Amorim, Zelensky mostrou estar irredutível. Mencionou o enconto com o brasileiro e afirmou, nas redes sociais, que “o único plano capaz de impedir a agressão russa na Ucrânia é a Fórmula da Paz Ucraniana”.

Zelensky: único plano é a Fórmula da Paz Ucraniana

Ética x política

Mesmo se o esforço brasileiro não der certo, já valeria a pena “por uma questão ética e moral”, na opinião do professor da UFF. “Com isso, saímos um pouco da lógica maquiavélica fria da politica em função da política. Agora, pode ser de novo a política em função da ética.”

Na opinião de Tatiana Berringer, professora de Relações Internacionais da UFABC, o movimento de Celso Amorim na Ucrânia não pode ser analisado como fato isolado, como tem feito a imprensa brasileira. Para ela, o esforço “está ancorado” na tradição da diplomacia brasileira de neutralidade e busca de paz.

“A posição brasileira pode soar como dúbia, mas um conflito como esse exige uma posição que trabalhe com a complexidade da situação”, avalia a professora, integrante do Observatório de Política Externa Brasileira (Opeb), vinculado à UFABC.

Para Tatiana, é preciso olhar para além do lugar comum ocidental de demonizar o presidente Vladimir Putin e a Rússia. “Apenas condenando a Rússia, sem que se revejam as causas da guerra, não se levará à paz, já que o processo de paz é uma negociação.”

A professora acredita que, mesmo que as gestões brasileiras não deem resultado imediato, o trabalho de Amorim e Lula estará correto. A construção do processo de negociação pode chegar, pelo menos, a um tratado de cessar fogo que não resolva as razões profundas da guerra, mas pelo menos interrompa os combates, na opinião da professora.