Rússia X Ucrânia

Para Celso Amorim, expansão da Otan sobre a Ucrânia ‘é absurda’, mas Rússia erra com ação militar

Há legitimidade nas preocupações do governo Putin – “porque a Otan é uma aliança em busca de um inimigo”, diz ex-chanceler. Mas não há alternativa fora do diálogo

Valter Campanatto/ABR
Valter Campanatto/ABR
Apesar das ofensas de Milei a Lula, o relacionamento de Estado entre o Brasil e a Argentina não foi abalado, segundo Amorim

São Paulo – O ex-ministro (Defesa e das Relações Exteriores) Celso Amorim classificou como um “erro” e um “ato ilícito” a operação militar anunciada na madrugada desta quinta-feira (24) pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Donbass, na Ucrânia. O ex-chanceler pondera que há legitimidade nas preocupações russas e considera um “absurdo” a expansão da Otan, a aliança militar entre Estados Unidos e Europa ocidental. Desse modo, Amorim admite que a tentativa da Otan de absorver países no Leste Europeu coloca a Rússia em posição de insegurança. Mas, por outro lado, defende que Moscou deveria agir de outra maneira, pelas vias diplomáticas. 

Em entrevista ao programa 20 minutos, do site Opera Mundi, Amorim ressaltou que o uso da força armada é um recurso que deve ser autorizado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) ou empregado em caso de legítima defesa. O que também, segundo ele, não se aplica ao governo Putin. “Os EUA, antes da guerra do Iraque, alegavam a legítima defesa preventiva e isso não existe no direito internacional. Eu condenava à época e condeno hoje. Qualquer ataque militar sem autorização das Nações Unidas, e às vezes até com autorização, não é bom. Mas sim é uma violação grave do direito internacional”, afirma o diplomata. 

Para Celso Amorim, a Rússia podia continuar reforçando as posições na fronteira e até mostrar sua disposição de utilizar a força caso fosse atacado. Além disso, ex-chanceler acredita que o próprio reconhecimento da independência das repúblicas populares separatistas de Donetsk e Luhansk, em Donbass, aprovado na terça (22) por Putin, poderia ter sido usado como uma “posição de barganha” na mesa de negociações internacionais.

Caminho para o diálogo

O presidente da Rússia acusa, no entanto, os Estados Unidos, a União Europeia e a Ucrânia de “intransigência” nas negociações diplomáticas, enquanto estariam avançando militarmente sobre as repúblicas rebeldes de Donbass, de maioria russa, além de acelerarem o armamento das tropas de Kiev. 

Com uma experiência de mais de 50 anos em relações internacionais, Amorim defende que é ainda possível dar fim a esse conflito. “Para encontrar uma solução para isso precisa terminar com essa ação militar imediatamente. Recomeçar o diálogo com base nos princípios dos direito internacional e um dos princípios mais importantes, o sacrossanto, é a integridade territorial dos estados. E nesse diálogo deve-se procurar uma solução para a região que respeite as preocupações de segurança de todos os envolvidos”, sugere o ex-ministro brasileiro. “Mas claro que isso é um roteiro. É muito mais fácil traçar um roteiro do que realizá-lo. Basta ver o caminho da paz no Oriente, em que o mapa já foi traçado mil vezes, mas não se faz”, afere. 

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3ª Guerra Mundial?

Apesar da elevada tensão, Amorim não acredita em uma “3ª Guerra Mundial”. O próprio Putin vem alegando que os ataques são uma “operação especial” para quebrar o sistema bélico ucraniano. De acordo com o ex-chanceler, uma ocupação total ou ainda que parcial da Ucrânia, como acusam os governos ocidentais, “pela lógica não seria de interesse do governo russo”. “Isso aumentaria a fragilidade (da Rússia) e aí sim propiciaria até a ocasião para uma reação não apenas econômica, mas armada contra a Rússia. Mas também não quero dizer que com uma operação especial é justificado o ato (da Rússia).”

O ex-ministro também disse ser difícil o envolvimento de tropas dos Estados Unidos para reforçar as forças ucranianas. Voz mais radical nesse conflito entre Rússia e Ucrânia, o governo Joe Biden viu nessa dualidade um “espaço eleitoral”, na visão de Amorim. Mas o diplomata brasileiro vislumbra como mais provável o fornecimento de armas e até de treinamentos, o que é mais perigoso, conforme ressalta sobre os interesses estadunidenses. “Mas acho que a ênfase será nas sanções econômicas, sobretudo se for como Putin está dizendo, que ele vai ficar ali (nas repúblicas independentes) e pode até negociar.”

Confira análise de Celso Amorim sobre operação militar da Rússia

Celso Amorim comentou ainda sobre a hipótese do envolvimento da Otan no conflito com a Ucrânia para asfixiar a Rússia, hoje principal aliada da China. Segundo ele, a Otan é uma “aliança em busca de um inimigo” que “não tem mais sentido”. “E a Rússia é o que sobra. Porque foi o Estado Islâmico, Saddam Hussein, Afeganistão… Nada disso deu certo e agora querem se manter com a Rússia”. 

A injustificativa de existência da Otan torna ainda mais absurdo, nas palavras do ex-ministro, o interesse do Brasil em ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte ainda que seja como associado. “É querer comprar brigas que não são nossas. O Brasil está tão sem rumo que ao mesmo tempo que o presidente brasileiro (Jair Bolsonaro) vai a Moscou e ainda manifesta solidariedade à Rússia. E o ministro da Defesa, que é homem de confiança dele, o general Braga Netto, diz que o Brasil continua sim querendo se associar à Otan”, ironiza Celso Amorim.

Bolsonaro vem se mantendo em silêncio sobre a operação militar da Rússia na Ucrânia. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o Brasil não está neutro sobre o confronto e que o país “não concorda com invasão do território ucraniano”.