‘Os direitos não se impõem pela força’

Em entrevista à RBA, embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, fala do cessar-fogo na Faixa de Gaza e do FSM Palestina Livre, que ocorre em Porto Alegre na próxima semana

Embaixador palestino diz esperar que trégua assinada com Israel dure ‘para sempre’ (CC/Raimundo Colombo)

São Paulo – Após mais um ciclo de violência e desigual confronto entre as forças da ultramoderna máquina de guerra de Israel e os foguetes lançados pelo grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, nova trégua passou a vigorar desde a noite de quinta-feira (22). Entre as vítimas de oito dias de confronto, 148 palestinos, a maioria civis, e cinco israelenses.

Em entrevista à RBA, o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, falou do acordo mediado pelo “novo Egito” – cujo presidente, Mohammed Morsi, é do braço político da Irmandade Muçulmana, o Partido Liberdade e Justiça (PLJ) – e de suas expectativas em relação ao reconhecimento do Estado da Palestina. Está na pauta das Nações Unidas, marcado para o próximo dia 29, o pedido de elevação da Palestina ao status de Estado não membro. “Esperamos que a comunidade internacional já vote a admissão da Palestina como Estado e a aí se comece um estágio à frente no processo de negociação”.

Alzeben falou também sobre seu encontro na terça-feira (20), com o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), de origem judia, quando conversaram sobre o Fórum Social Mundial Palestina Livre. O FSM temático ocorre em Porto Alegre (RS), entre dia 28 deste mês e 1° de dezembro. Integrantes da comunidade judaica gaúcha tentaram impedir que prédios públicos fossem usados pelo fórum. “Eles [judeus e israelenses] estão convidados a participar e levar seu ponto de vista, com muito prazer. Como parte da sociedade civil, são bem-vindos”, afirma Alzeben.

Leia a entrevista:

Qual a importância do acordo que levou ao cessar-fogo? Suas expectativas são de que seja uma trégua duradoura?

Posso falar do nosso desejo de que dure para sempre e de que seja a última agressão. A importância é que põe fim ao derramamento de sangue desnecessário. Esperamos que seja o fim das hostilidades e sirva de lição, de que foi bastante custosa, para nós, os palestinos, especialmente. Esperamos que os israelenses entendam de uma vez por todas que a paz, o diálogo e a negociação são o único caminho, porque Israel vem utilizando a força desde sua criação [em 1948] até os dias de hoje, para fazer valer o seu direito. Ou para impor um direito. Os direitos não se impõem pela força. Eles se conquistam mediante a negociação. É um processo que não pode ser postergado e esperamos sinceramente que seja uma lição e não se repita, e que voltemos à mesa de negociação sob as bases do Direito Internacional e também sob a observação, monitoramento e apoio da comunidade internacional, especialmente das Nações Unidas.

Quanto tempo o sr. acha que vai demorar para que o Estado da Palestina seja reconhecido, e, afinal, Israel e Palestina convivam pacificamente como Estados?

Esperamos que no dia 29 de novembro a comunidade internacional já vote (na ONU) a admissão da Palestina como Estado e aí se comece um estágio à frente no processo de negociação. Que Israel comece a retirar suas tropas e sua população que foi colocada no território palestino. O que esperamos imediatamente hoje é que Israel comece a pôr fim ao bloqueio contra Gaza e a permitir o fluxo de mercadorias e de pessoas, para se começar a ter uma vida normal em Gaza. Que a partir do dia 29 Israel comece a negociar com o Estado Palestino, reconhecido pelas Nações Unidas.

Num primeiro momento, como Estado não-membro…

Como estado não-membro, mas esperamos que isso vá encurtar o processo, porque já esperamos muito. É um absurdo, a Palestina, anunciada em 1947, até os dias de hoje não é reconhecida como Estado. Esperamos que este seja o próximo passo e que, em pé de igualdade, comecemos a negociar como dois Estados vizinhos, projetando uma vida de cooperação, e não de inimizade.

A intransigência de Israel vai enfim ser vencida?

Israel sempre procura pretextos. Antes, eram os guerrilheiros na Jordânia. Depois, não, já era no Líbano, em 77, 78; depois 1982, o massacre [de Sabra e Chatila, no Líbano]; depois o problema era Yasser Arafat [Israel sempre relutou em reconhecer Arafat como interlocutor e, em 1988, matou o vice do líder palestino, Khalil al-Wazir, mais conhecido como Abu Jihad, o que os próprios israelenses reconheceram no último dia 1° de novembro]. Sempre procuram pretextos, mas o problema é que existe um povo esperando justiça que quer recuperar seus direitos nacionais inalienáveis, conforme o Direito Internacional. 

Qual o papel do Egito como mediador no atual processo de cessar-fogo?

O novo Egito teve um papel fundamental para pôr fim a essa agressão contra a Palestina.

Seu encontro com o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, foi produtivo?

Foi positivo. Tarso Genro é um mandatário de visão política ampla, baseada no respeito à política brasileira e à sua gente, os gaúchos, tanto judeus quanto árabes, que convivem em paz e harmonia. É uma pessoa íntegra e um amigo de ambas as partes, e uma pessoa de muito bom senso sobre o direito à paz.

É verdade que a comunidade judaica tentou interferir e evitar a cessão de prédios públicos para a realização do Fórum Social Mundial Palestina Livre, em Porto Alegre, na semana que vem?

Desafortunadamente, eles seguem tentando. Mas eu acho que não adianta… Eles estão convidados a participar e a levar seu ponto de vista, com muito prazer. Como parte da sociedade civil, são bem-vindos. Eu costumo enfatizar e sempre dizer que palestinos e judeus convivem em paz no Brasil. Que venham participar, e que, em vez de atrapalhar, venham para ver como pensa a sociedade civil do mundo. Os israelenses e judeus do Brasil devem entender e escutar o que está dizendo a sociedade mundial, a sociedade civil. Israel não quer escutar o Direito Internacional, mas que ao menos escutem o que diz o resto da humanidade. O resto da humanidade quer paz baseada no Direito. E eles, como bons brasileiros, como brasileiros que respeitam a política de seu Estado, deveriam entender a situação e participar. Eu acho que o papel deles como brasileiros é participar deste debate. 

Como o sr. vê o papel do Brasil no contexto da luta palestina no âmbito das Nações Unidas?

O Brasil é um país amigo de ambas as partes e deve ocupar o lugar que merece como mediador e país amigo dos dois, que trabalha pela conservação da paz naquela área. O Brasil é um modelo de convivência entre as duas comunidades e esse bom exemplo dever ser seguido. O Brasil pode ter um papel muito importante [na tentativa de se chegar à paz duradoura no Oriente Médio].