Visita oficial

Lula encontra Joe Biden em Washington. ‘O Brasil voltou com tudo’, afirma pesquisadora

“Para comunidade internacional, horrores do governo encerrado em dezembro vão ficar na conta pessoal de Bolsonaro, e não do Brasil”, afirma Miriam Saraiva, da UERJ

USgov/Divulgaçao - Ricardo Stuckert/PR
USgov/Divulgaçao - Ricardo Stuckert/PR
No mesmo domingo em que Lula foi eleito, presidente Joe Biden ligou ao brasileiro para cumprimentá-lo. Laços entre os países se fortalecem com retomada do Brasil como protagonista internacional

São Paulo – O encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden nesta sexta-feira (10), em Washington, parece coroar precocemente a vitória da diplomacia brasileira com o novo governo depois de quatro anos dos horrores da política externa de Jair Bolsonaro, quando o Brasil chegou a ser chamado no mundo de “pária”. A viagem oficial do chefe do governo brasileiro – a convite do mandatário do ainda mais poderoso país do planeta – virou a página do desgaste brasileiro antes do que muitos previam.

À pergunta sobre se é correta a afirmação de que “o Brasil voltou”, que tem sido repetida por integrantes e apoiadores do governo, a pesquisadora Miriam Gomes Saraiva, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), responde de modo assertivo: “voltou com tudo”.

Costuma-se dizer que, quando a imagem de um país é abalada por políticas erradas ou agressivas, a recuperação demora anos. Para a professora da UERJ, essa situação não se aplica ao Brasil de Lula pós-Bolsonaro. “Acho que a imagem do Brasil está se refazendo com uma velocidade antes inimaginável”, diz. Mas não apenas pelo fato de ter chegado ao fim a terrível era Bolsonaro. “Imagina se, ao invés de Lula ter sido candidato, fosse, digamos, Luciano Huck. Talvez demorasse bastante. Mas Lula já tinha apoio muito grande no exterior”, avalia.

Esse apoio se refletiu em mensagens enviadas por lideranças mundiais tanto antes da eleição brasileira, diante das ameaças bolsonaristas de golpe, quanto depois, imediatamente após a vitória do atual presidente em outubro de 2022. No mesmo domingo em que Lula foi eleito, Biden ligou ao brasileiro para cumprimentá-lo.

Confira a agenda de Lula nos Estados Unidos (horário de Brasília)

  • Sexta-feira (10/2)
  • 12h30 – Encontro com senador Bernie Sanders, na Blair House
  • 13h15 – Encontro com deputados e deputadas do partido Democrata, na Blair House
  • 14h – Encontro com representantes da Federação Americana de Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO)
  • 17h30 – Encontro com presidente Joe Biden, na Casa Branca
  • Sábado (11/2)
  • 12h30 – Retorno ao Brasil

Bolsonaro: “ponto fora da curva”

“Tudo o que Bolsonaro fez na verdade descolou a imagem do Brasil da imagem dele, que ficou como um ponto fora da curva. Provavelmente, os horrores vão ficar na conta pessoal de Bolsonaro, do governo Bolsonaro, e não do Brasil”, afirma Miriam Saraiva.

Ela lembra a informação, divulgada no fim do mês passado, de que em apenas um mês de governo Lula já havia se reunido com representantes de 15 países, metade dos 31 encontros de Bolsonaro com lideranças de outras nações nos seus quatro anos de mandato. Ao embarcar para os Estados Unidos ontem, aos 40 dias de gestão, o presidente brasileiro tinha visitado Argentina e Uruguai e recebido o chanceler alemão, Olaf Scholz.

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Na quarta-feira (8), recepcionou a ministra da Europa e dos Negócios Estrangeiros da França, Catherine Colonna, no primeiro encontro ministerial entre Brasil e França em quatro anos, restabelecendo as relações entre os dois países, abaladas pela “gestão” de Bolsonaro do meio ambiente, muito criticada pelo presidente Emmanuel Macron. Mais do que isso, em atitude vulgar e machista nunca vista em meios diplomáticos, o ex-presidente brasileiro chegou a atacar a esposa de Macron, Brigitte Macron. 

A guerra: nem tudo são flores

Pesquisadora Miriam Gomes Saraiva, da Uerj/Youtube

Certamente haverá no encontro entre Biden e Lula entendimento sobre pontos cruciais na agenda, principalmente meio ambiente e defesa da democracia, gravemente atacada por fascistas apoiadores de Donald Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Intenções de reciprocidade na área econômica também são esperadas. Porém, nem tudo será objeto de concordância. O caso mais chamativo é a guerra Rússia-Ucrânia.

O presidente norte-americano deve exercer algum tipo de pressão sobre o colega brasileiro para que este manifeste qualquer forma de apoio aos ucranianos. Por seu lado, Lula já declarou, inclusive a Olaf Scholz, que o que o Brasil apoia é a paz.

No entanto, na opinião de Miriam, já passou o tempo em que os EUA consideravam o Brasil e a América do Sul como um “quintal” norte-americano. “Isso é meio antigo. Hoje, o quintal americano é mais o Norte da América do Sul. Daí para baixo, não”. Argentina, Chile, Brasil e Uruguai não estão no Norte, como se sabe.

Lula e os interesses ocidentais

Seja como for, o debate sobre a guerra pode desgastar Lula perante os interesses ocidentais. “É um debate chato para países do Sul, porque são países que não tiveram nenhuma influência na guerra, mas as sanções e a reação dos países da Otan trouxeram prejuízos financeiros reais a esses países.”

Nesse sentido, o ambiente fica menos favorável à diplomacia brasileira – que historicamente busca o equilíbrio –  pelo fato de o Brasil resistir a adotar a posição mais firme de apoiar a Ucrânia como quer o Ocidente, mesmo que esse apoio traga prejuízo econômico.

A situação não deixa de ser irônica. Como lembra a professora, aconteceram vários conflitos mundiais desde o fim da Guerra Fria. Delas, a mais emblemática foi dos EUA contra o Iraque, justificada pelas armas químicas que os norte-americanos diziam que Saddam Hussein tinha, mas que ele não tinha. “E diante dessa guerra, o que a ONU fez? Nada. Não houve sanções aos Estados Unidos, não foi aprovada no Conselho de Segurança.”

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