Inflação, insegurança e petróleo serão problemas de Chávez para eleições, diz analista

Para Edgardo Lander, o presidente venezuelano, como outros progressistas do continente, não quis pagar o preço de mudar sistema econômico dependente do setor primário, e agora pode ter resultado indesejado

Edgardo Lander acredita que nenhum dos governos progressistas assumiu o peso de propor um novo modelo de desenvolvimento. (Foto: Marcello Casal/Jr. Agência Brasil)

A chamada Revolução Bolivariana completou esta semana onze anos de existência. O aniversário de Hugo Chávez no poder certamente não foi o almejado pelo presidente. O país passa por uma crise energética que afeta a produção, recentemente anunciou medidas econômicas contestadas e que podem resultar em mais inflação, e o governo é pressionado por setores de direita e de esquerda por seus erros.

O professor do Departamento de Estudos Latino-americanos da Escola de Sociologia da Universidade Central da Venezuela Edgardo Lander avalia que a nação ingressou em uma crise econômica e política cujos resultados são imprevisíveis.

Em conversa com a Rede Brasil Atual durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o membro do Conselho Editoral da Revista Venezuelana de Economia e Ciências Sociais pontuou que a oposição de traços fascistas foi perdendo terreno, e agora Chávez precisa enfrentar uma direita com propostas políticas.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Economia

“A Venezuela está entrando em uma situação crescentemente complexa tanto do ponto de vista político quanto do econômico. Em termos econômicos, que é um pouco mais fácil de analisar, o governo terminou por confrontar um assunto de longa data, que tem a ver com o modelo petroleiro e uma moeda historicamente supervalorizada.

“Como o petróleo tem baixos custos de produção e preços garantidos no exterior, a Venezuela teve reservas suficientes para importar o que necessitava. Estabeleceu-se uma distorção na moeda, o que faz com que seja muito mais barato comprar no exterior do que produzir no país. Essa sobrevalorização faz com que os produtos venezuelanos não possam competir no mercado exterior porque os custos de produção são muito maiores.

“Então o governo estava entre o reconhecimento de que o valor da moeda era insustentável e o fato de que poderia se gerar uma força inflacionária ainda maior que os 25% atuais (ao ano). Tomou-se a decisão de desvalorizar a moeda e estabelecer uma dupla paridade. Na verdade, cria-se uma tripla paridade: uma para a compra de alimentos e remédios; outra para o resto das importações; e o mercado paralelo.”

El Niño

“Por outro lado, houve uma extraordinária seca no país, que tem a ver com o fenômeno El Niño. O impacto foi extremamente severo. A maioria da energia é gerada por hidrelétricas e a principal represa está em um nível crítico. O governo tem a opção de seguir gerando eletricidade até que se acabe ou estabelecer um regime de racionamento.

“E isso de forma um pouco improvisada, porque não estava nos planos que isso ocorresse. Fixou-se, por exemplo, que as repartições públicas trabalhem cinco horas ao dia. As indústrias devem baixar em 20% seu consumo elétrico, o que em muitos casos significa fechar um turno de produção. Isso cria situações que têm efeito multiplicador sobre toda a atividade econômica. Se você tem uma empresa do Estado que produz menos, compra-se menos dos fornecedores e aí se vai por uma cadeia que ainda não sabemos os efeitos.”

Racionamento e Política

“As interpretações disso, obviamente, são desencontradas. A do governo é que havia uma relação inadequada entre oferta e demanda de eletricidade, e que o El Niño deste ano foi particularmente severo e essa é a principal causa. A oposição diz o contrário: que houve um descuido da manutenção das instalações elétricas, não houve o investimento previsto em termelétricas, tudo como consequência da estatização da indústria elétrica e por aí vai.

“Suspeito que de alguma maneira os dois tenham razão. Ou seja, é certo que a diminuição de geração de eletricidade foi grave, mas é igualmente certo que não houve uma previsão adequada em termos das tendências da economia venezuelana.

“Tudo isso afeta simultaneamente tanto a vida cotidiana das pessoas quanto a produção industrial e o comércio. É o tipo de coisa que gera na população a sensação de que o governo não está fazendo o que deveria ter sido feito. Independentemente de ser um governo de esquerda ou de direita. Para o eleitor, o governo tem a culpa. E não é alguém que acaba de chegar. Está aí há mais de dez anos, não pode dizer que é problema da gestão anterior.”

Eleições legislativas

“Em um contexto em que há eleições em setembro, em que é bastante provável que a oposição atue unitariamente, tudo vai depender de como o governo maneje três questões: insegurança, que é um problema crescente; eletricidade e ausência de água, que são um incômodo que se acumula; e inflação. Acho que estes problemas não poderão ser compensados por transferências de renda. Ainda mais porque insegurança, eletricidade e inflação não têm solução imediata.”

Crise civilizatória apenas no discurso

“Há um problema, que é comum a diversos governos da América Latina, que é a relação entre um discurso de crise civilizatória e um desenvolvimento muito fortemente continuado. Se analisamos as cifras dos governos progressistas da América Latina, veremos que a exportação de bens primários não diminuiu, e em alguns casos inclusive aumentou. No Brasil há uma dependência crescente de agrocombustíveis, soja e minerais, ou seja, é um padrão que absolutamente não apresenta questionamentos.

“A força dessa lógica desenvolvimentista, aliada à necessidade de ter recursos para investir em educação e saúde, termina adiando indefinidamente a alteração de modelo em troca da sobrevivência política. Se o governo venezuelano declarasse neste momento que vai cortar pela metade a produção petroleira e o gasto público igualmente, porque a Venezuela não quer contribuir para as mudanças climáticas, que este modelo de civilização é uma loucura, estaria tudo muito bonito, mas perderia as eleições de maneira arrasadora.”

Oposição

“A confrontação de interesses na Venezuela é real. Se alguém quer um projeto que tenha continuidade com o tempo, precisa ter um projeto nessa direção. Não é sustentável uma sociedade em que 40 ou 45% da sociedade seja de uma oposição radical. Uma oposição que, se alguém disser que quer matar Chávez, vai achar bom. Isso é insustentável com o tempo. Como já disse Fidel Castro, não se pode dizer que 40% dos venezuelanos são oligarcas.”