EUA vetam resolução do Brasil por corredor humanitário na Faixa de Gaza e aprofundam crise
O texto brasileiro conseguiu 12 votos de apoio no Conselho de Segurança da ONU, três a mais do que o necessário. Mas o poder de veto dos Estados Unidos foi suficiente para derrubar a proposta. Principal aliado de Israel, governo Biden é acusado de ter as mãos “sujas de sangue”
Publicado 18/10/2023 - 14h45
São Paulo – Os Estados Unidos exerceram seu poder de veto no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e derrubaram, nesta quarta-feira (18), a resolução costurada pelo Brasil que pedia cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário na Faixa de Gaza, na Palestina. O objetivo era permitir a saída de civis estrangeiros do território para o Egito. Além de garantir a entrada de suprimentos para a população local, que há 11 dias vem sendo bombardeada por Israel.
Na busca pela aprovação, o Brasil, que neste mês preside o Conselho de Segurança, reforçava no documento o alerta de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Cruz Vermelha, sobre o risco de uma tragédia humanitária sem precedentes na Palestina. Ao final do processo de negociação, o país conseguiu 12 votos entre os 15 integrantes do órgão da ONU. Três a mais do que mínimo necessário. Votaram pela medida: Brasil, França, Malta, Japão, Gana, Gabão, Suíça, Moçambique, Equador, China, Albânia e Emirados Árabes. Rússia e Reino Unido se abstiveram.
Apesar da maioria, o regime prevê que o projeto não pode contar com nenhum veto dos membros permanentes, como EUA, Reino Unido, França, Rússia e China. Por isso o poder dos estadunidenses foi suficiente para derrubar o texto.
Brasil lamenta veto
“Tristemente, muito tristemente, o silêncio e inação prevalecem”, lamentou o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese, em entrevista ao jornalista Jamil Chade do UOL. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, também destacou ao g1 que o Brasil fez “todo o esforço possível” para que a resolução fosse aprovada. A votação chegou a ser adiada em duas ocasiões, na esperança de que um consenso pudesse ser negociado. O texto também ficou sob consulta de todos os membros desde sexta-feira (13).
“Fizemos todo o esforço possível para que cessassem as hostilidades e que se parassem com os sacrifícios humanos. E que se pudesse dar algum tipo de assistência às populações locais, aos brasileiros que estão na Faixa de Gaza. A nossa preocupação sempre foi a questão humanitária neste momento, e cada país terá sua inspiração própria”, afirmou Vieira.
O Conselho de Segurança da ONU já havia se reunido em três ocasiões desde o começo da nova fase do conflito entre Israel e o grupo armado Hamas, no dia 7 de outubro. Por exigência dos estadunidenses, os encontros ocorreram a portas fechadas. Mas não houve nenhum entendido, sequer para pedir o fim da violência que já matou mais de 4 mil pessoas, de ambos os lados, principalmente na Palestina. A avaliação, de acordo com Chade, é que o bloqueio aprofunda a crise política e humanitária, e escancara a incapacidade das potências de chegar a um entendimento para frear o massacre palestino.
Justificativa dos EUA é repudiada
Por meio de sua embaixadora na ONU, o governo de Joe Biden justificou seu veto devido ao texto não fazer referência ao direito de autodefesa de Israel. A postura é a mesma adotada pelo presidente dos EUA que realiza visita oficial a Israel. Nessa terça (17), mesmo diante do bombardeio de um hospital em Gaza, que deixou cerca de 500 pessoas mortas, Biden fez defesa irrestrita do aliado e reproduziu a versão do país, que nega as acusações sobre a autoria do massacre e culpa o grupo Jihad Islâmica, uma organização islâmica que atua em Gaza e também nega qualquer envolvimento no bombardeio.
A posição de Biden vem sendo alvo de protestos pelo mundo e no próprio EUA, onde ele é acusado de ter “as mãos sujas de sangue” e ser responsável pelo genocídio palestino.
Happening NOW in NYC:
— The People's Forum (@PeoplesForumNYC) October 17, 2023
It’s time to cut the 3.8 Billion in U.S. funding that sponsor Israel’s war crimes and acts of genocide against Palestinians. Biden is complicit in today’s bombing of a Gaza Hospital by Israel.
Lift the siege of Gaza! #FreePalestine pic.twitter.com/VxYXIhABoK
O veto também foi repudiado pelo embaixador da Rússia na ONU, Vassily Nebenzia. “Somos testemunhas da hipocrisia dos Estados Unidos. Eles não queriam uma solução aqui”. A China também declarou estar em “choque” com o comportamento do governo Biden.
Risco de genocídio na Palestina
A delegação de Pequim destacou ao UOL que a resolução costurada pelo Brasil era a “visão da comunidade internacional”. “Esperávamos que iriam votar a favor”. Há sete anos o Conselho de Segurança da ONU não chega a um consenso sobre a questão entre Israel e Palestina.
O risco, contudo, é que o ataque sem precedentes que vem sendo perpetrado pelo governo de Benjamin Netanyahu promova uma nova “limpeza étnica em massa” do povo palestino. Como a ocorrida na catástrofe de Nakba, em 1948, com a criação do Estado de Israel, que obrigou quase 700 mil palestinos a deixarem suas casas, indo para a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e outros países da região, como a Síria.
O alerta foi feito pela própria relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, a italiana Francesca Albanese. “A reação de Israel aos crimes horrendos cometidos pelo Hamas vai muito além do que é razoável e proporcional. Está se tornando uma operação militar interminável. Israel gerou uma catástrofe dentro da catástrofe. E a resposta da comunidade internacional é repugnante. A situação saiu do controle, e, se não for interrompida, veremos o terceiro e maior deslocamento forçado de palestinos de suas terras”, denunciou.
Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima