Brasil na ONU

Lula orienta diplomatas a não aceitar ‘adiamento indefinido’ em votação por corredor humanitário em Gaza

Presidido neste mês pelo Brasil, Conselho de Segurança da ONU se reúne na noite desta terça para votar resolução brasileira sobre a guerra entre Israel e Hamas. Para o governo, o conflito tende a se agravar e adiar votação pioraria o cenário

Agência Wafa
Agência Wafa
O exército sionista fala em "ilhas humanitárias". A ONU, em contrapartida, vê um cenário "apocalíptico"

São Paulo – O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), presidido neste mês pelo Brasil, realiza na noite desta terça-feira (17) reunião para votar projeto de resolução que pedirá cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário na Faixa de Gaza. O objetivo é permitir a saída de civis estrangeiros do território palestino para o Egito. E a entrada de suprimentos para a população local, que há 10 dias vem sendo bombardeada por Israel (leia a íntegra da resolução no final desta reportagem).

A votação do texto estava inicialmente prevista para ontem (16). Mas foi adiada depois que 13 dos 15 membros do Conselho de Segurança pediram para que a resolução fosse analisada hoje. Aos diplomatas brasileiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem orientado a não aceitar “ficar adiando indefinidamente” a votação.

Segundo informações do portal g1, Lula avalia que a situação tende a se agravar e o adiamento da resolução pode contribuir para a piora do cenário. O temor do Brasil é que a falta de celeridade seja usada por países aliados de Israel para permitir que o governo de Benjamin Netanyahu faça a invasão por terra de Gaza, antes de qualquer condenação oficial e determinação de criação de um corredor diplomático.

Desafios

O governo Lula considera, contudo, “viável” aprovar a resolução. Segundo diplomatas ao Blog de Valdo Cruz, o adiamento deu tempo para novas negociações, principalmente com a Rússia que se mostra mais crítica à atuação de Israel que, por sua vez, tem apoio dos Estados Unidos. Além de conseguir pelo menos 9 votos entre os 15 integrantes do conselho, o Brasil terá como desafio evitar que Moscou exerça seu poder de veto sobre a resolução. Os russos têm essa prerrogativa por serem membros permanentes, como EUA, Reino Unido, França e China.

Na busca pela aprovação, o Brasil reforça no documento o alerta de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Cruz Vermelha, sobre o risco de uma tragédia humanitária sem precedentes na região. Um assessor de Lula alertou ao g1 que “a Faixa de Gaza pode se transformar em um grande cemitério a céu aberto com a falta de alimentos, medicamentos, combustível e energia para hospitais”.

Na madrugada desta terça (no horário local), as Forças Armadas israelenses bombardearam as cidades de Rafah e Khan Yunis, no sul de Gaza, onde estão 28 brasileiros aguardando serem repatriados pelo governo. A ameaça levou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, a reunir um gabinete de crise para acompanhar a situação. De acordo com o Ministério do Interior da Faixa de Gaza, a ofensiva de Israel matou mais de 80 pessoas. Ao todo, mais de 2,8 mil palestinos já foram mortos nos bombardeios.

Brasileiros em Gaza

Os ataques também ocorreram dias após o governo de Israel ordenar os moradores do norte de Gaza a deixarem suas casas e seguirem para o sul. O que provocou um deslocamento forçado de 1,1 milhão de palestinos. No caso, de Rafah, que faz fronteira com o Egito, o grupo de brasileiros aguarda o cessar fogo para cruzar a fronteira e ser resgatado.

A gestão Lula já conseguiu repatriar mais de 900 cidadãos que viviam em Israel desde que o conflito se acirrou, no dia 7 de outubro. No país, mais de 1,4 mil pessoas foram mortas após o grupo armado Hamas atacar Israel de surpresa. No entanto, a reação prevista do país vem dificultando a saída dos brasileiros e de milhares de estrangeiros que vivem em Gaza.

O embaixador brasileiro na Palestina, Alessandro Candeas, confirmou hoje que ainda não há qualquer previsão da saída dos brasileiros do território. O governo Lula também foi avisado de que o Egito reivindica a chegada de suprimentos à região para poder abrir sua fronteira a refugiados. Ainda nesta segunda, foram enviados 40 purificadores de água, dois kits de medicamentos e insumos de saúde para a Faixa de Gaza. A OMS alertou que os hospitais na Palestina estão enfrentando escassez de medicamentos e há interrupção no fornecimento de água e eletricidade para a população.

Israel promove ‘limpeza étnica’

Também nesta segunda, a relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, a italiana Francesca Albanese, chamou de “repugnante” a reação da comunidade internacional à guerra na Faixa de Gaza. “A reação de Israel aos crimes horrendos cometidos pelo Hamas vai muito além do que é razoável e proporcional. Está se tornando uma operação militar interminável. Israel gerou uma catástrofe dentro da catástrofe. E a resposta da comunidade internacional é repugnante. A situação saiu do controle, e, se não for interrompida, veremos o terceiro e maior deslocamento forçado de palestinos de suas terras”, disse ao jornal Folha de S.Paulo.

Na entrevista, reproduzida pela RBA, a relatora destacou a urgência de um cessar fogo e disse ter esperança de que o Brasil na presidência rotativa ajude a mudar a situação. De acordo com Albanese, Israel está promovendo uma nova “limpeza étnica em massa”. Ela lembrou a catástrofe de Nakba, na qual, em 1948, com a criação do Estado de Israel, obrigou quase 700 mil palestinos a deixarem suas casas, indo para a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e outros países da região, como a Síria.

“Israel manteve por 56 anos uma ocupação militar que tem sido, de fato, um modelo colonizador. E os palestinos estão completamente indefesos. A colonização de povoamento aprisiona tanto os palestinos quanto os israelenses. Claro, com responsabilidades diferentes”, observou.

Confira a íntegra da resolução:

O Conselho de Segurança,

Guiado pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas;

Relembrando as resoluções 242 (1967), 338 (1973), 446 (1979), 452 (1979), 465 (1980), 476 (1980), 478 (1980), 1397 (2002), 1515 (2003), e 1850 (2008) e 2334 (2016);

Reafirmando que quaisquer atos de terrorismo são criminosos e injustificáveis, independentemente de suas motivações, quando e por quem quer que sejam cometidos;

Expressando profunda preocupação com a escalada da violência e a deterioração da situação na região, em particular as consequentes pesadas vítimas civis, enfatizando que civis em Israel e nos territórios palestinos ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, devem ser protegidos, de acordo com o direito internacional humanitário;

Expressando profunda preocupação com a situação humanitária em Gaza e seus graves efeitos sobre a população civil, em grande parte composta por crianças, destacando a necessidade de acesso humanitário completo, rápido, seguro e sem obstáculos;

Reiterando sua visão de uma região onde dois Estados democráticos, Israel e Palestina, vivam lado a lado em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas;

Relembrando que uma solução duradoura para o conflito israelense-palestino só pode ser alcançada por meios pacíficos, com base em suas resoluções pertinentes.

  1. Condena veementemente toda violência e hostilidades contra civis e todos os atos de terrorismo;
  2. Rejeita inequivocamente e condena os ataques terroristas atrozes do Hamas que ocorreram em Israel a partir de 7 de outubro de 2023 e a tomada de reféns civis;
  3. Exige a imediata e incondicional libertação de todos os reféns civis, demandando por sua segurança, bem-estar e tratamento humano em conformidade com o direito internacional;
  4. Insta todas as partes a cumprirem integralmente suas obrigações nos termos do direito internacional, incluindo o direito internacional dos direitos humanos e o direito internacional humanitário, incluindo aqueles relacionados à conduta das hostilidades, incluindo a proteção de civis e infraestruturas civis, bem como trabalhadores e ativos humanitários e permitir e facilitar o acesso humanitário a suprimentos e serviços essenciais para aqueles necessitados;
  5. Insta fortemente a contínua, suficiente e sem impedimentos provisão de bens e serviços essenciais para civis, incluindo eletricidade, água, combustível, alimentos e suprimentos médicos, enfatizando o imperativo, de acordo com o direito internacional humanitário, de garantir que civis não sejam privados de objetos indispensáveis à sua sobrevivência;
  6. Insta à imediata revogação da ordem para que civis e pessoal da ONU evacuem todas as áreas ao norte de Wadi Gaza e se reloquem no sul de Gaza;
  7. Pede pausas humanitárias para permitir acesso humanitário total, rápido, seguro e sem obstáculos para agências humanitárias das Nações Unidas e seus parceiros implementadores, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e outras organizações humanitárias imparciais, e incentiva o estabelecimento de corredores humanitários e outras iniciativas para a entrega de ajuda humanitária a civis;
  8. Enfatiza a importância de um mecanismo de notificação humanitária para proteger instalações da ONU e todos os locais humanitários, e garantir o movimento de comboios de ajuda;
  9. Pede o respeito e proteção, de acordo com o direito internacional humanitário, de todo o pessoal médico e pessoal humanitário exclusivamente envolvido em tarefas médicas, seus meios de transporte e equipamentos, bem como hospitais e outras instalações médicas;
  10. Enfatiza a importância de prevenir a expansão na região e, a esse respeito, pede a todas as partes que exerçam o máximo de contenção e a todos aqueles com influência sobre elas que trabalhem para esse objetivo;
  11. Decide continuar a se ocupar do assunto.

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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