Ambiente é tenso

Eleições na Colômbia: ‘Petro deve vencer, mas votos precisam chegar nas urnas’, diz observador internacional

Eleição na Colômbia é marcada por amplo favoritismo de Gustavo Petro, do Pacto Histórico, e por memória de fraude e terrorismo eleitoral nas eleições legislativas de março

Alberto Acero/Twitter/Reprodução
Alberto Acero/Twitter/Reprodução
Das gigantescas manifestações de 2019 às eleições de 2022, Colômbia se movimenta por uma mudança inédita em seu rumo político

São Paulo – A Colômbia teve 15 mil mesários investigados por fraude nas eleições legislativas de março, em que o campo progressista cresceu e a direita encolheu. Para se ter ideia, das 110 mil urnas utilizadas para colher votos em todo o país, em 35 mil não havia zero voto em candidatos do campo progressista. Desse modo, a oposição acionou a autoridade eleitoral a auditar as milhares de urnas suspeitas. Com a recontagem, os partidos do centro a esquerda, – como Pacto Histórico, Polo Democrático, Pacto Esperança e Verde – recuperaram cerca de 500 mil votos que havia sido “apagados” das urnas.

Esse é um dos fatores de desconfiança que deixam em alerta os observadores internacionais que acompanharão as eleições na Colômbia até a apuração terminar. Um deles é o diretor regional para a América do Sul da UNI Américas, Marcio Monzane, braço de uma das mais importantes centrais do mundo, a UNI Global Union. À RBA, Monzane disse que o favoritismo de Petro é inquestionável. “Tem votos para ganhar no primeiro turno? Tem. Mas não será fácil esses votos conseguirem chegar nas urnas”, avalia.

Por isso, como ele relata, as centrais sindicais – da indústria, da educação, bancários, serviços – fazem uma mobilização sem precedentes em todo o país. O próprio Gustavo Petro tem aprimorado o tratamento de questões relacionadas ao mundo do trabalho, como direito a representação e estímulo a negociações coletivas.


Voto jovem será decisivo na eleição da Colômbia

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Ato pró Gustavo Petro em Cartagena marcou reta final da campanha (Reprodução/Twitter)

Além disso, elites empresariais e seus abraços armados em milícias armadas, tentam de tudo para criar um ambiente de terror nas eleições da Colômbia. Em muitas regiões, brigadas paramilitares têm presença ostensiva e chegam a controlar deslocamentos. Qualquer semelhança com setores do Rio de Janeiro e de algumas periferias do país não é mera coincidência. Criados anos 1980 a pretexto de “proteger” empresários e suas famílias de ações da guerrilha, os grupos paramilitares praticamente se institucionalizaram. E protagonizam perseguições, agressões, desaparecimentos e mortes de lideranças populares como forma de blindar os governos de direita que se sucedem a décadas

“Todos sabem que, uma vez assegurada a eleição e confirmada a vitória, não tem volta. “Não existe no cenário internacional ambiente favorável, nem nos Estados Unidos, a tolerar desrespeito à democracia”, ele avalia.

A insatisfação da população colombiana com a situação do país se escancarou em grandes manifestações desde 2019. E agora se respira no ar e se expões em todas as pesquisas, agora proibidas desde a semana passada. Assim como os atos de campanha. Petro encerrou a sua com grandes manifestações populares no dia 14 em Cartagena e no último fim de semana, na Praça Bolivar, centro histórico de Bogotá.

O país tem 51 milhões de habitantes, sendo 39 milhões aptos a votar. Desses, 9 milhões são jovens com menos de 28 anos e os mais afetados pela crise. O subemprego e a informalidade da Colômbia que ruma para suas eleições presidenciais são recorde, pois atingem 75% da força de trabalho. Metade da população ativa vive de trabalho intermitente. Ou seja, sai de casa para com objetivo de trabalhar mas não tem garantia se vai voltar com o vencimento do dia.

Violência e terror

Com isso, mais a gestão desastrosa do governo de Iván Duque durante a pandemia, metade da população vive abaixo da linha de pobreza. O governo anunciou a liberação de US$ 10 milhões aos bancos para promover linhas de crédito e estimular linhas de auxílio a pequenos empreendedores e assegurar alguma renda de proteção. Mas não institucionalizou medidas de socorro, e o dinheiro nunca chegou onde deveria. Além disso, encaminhou uma reforma que retirou recursos e força de trabalho da saúde pública.

A repressão à explosão social dos anos 2019 e 2020 matou 80 pessoas e feriu 160. Além disso, famílias dos 300 jovens desaparecidos ainda ouvem das autoridades a condição de “paradeiro indeterminado”.

Esse é também o período pré-eleitoral mais violento em 12 anos, segundo a Missão de Observação Eleitoral, que tem 21 grupos dos Estados Unidos, Europa e América Latina. Entre eles, parlamentares, representantes de movimentos sociais e sindicais, estudiosos e ativistas de direitos humanos.


‘Eleições na Colômbia adiantam táticas que podem ser usadas para desestabilizar pleito no Brasil’


O clima de tensão não é um fator desprezível em um país que tem histórico de assassinatos de candidatos à presidência do país. Pelo menos cinco nas últimas quatro décadas. As ameaças de mortes recaem também sobre Petro, sua vice Francia Márquez e outras lideranças sociais. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Paz (Indepaz), mais de 78 pessoas já foram assassinadas em meio ao processo eleitoral. 

As eleições da Colômbia, contudo – que começaram em março para Câmara e Senado e se consolidam neste domingo com a escolha do presidente – já marcam um momento histórico. E esse sentimento se estende ao campo progressista de toda a América Latina, como garantiu a diretora do Instituto Diplomacia para Democracia, Amanda Harumy, em entrevista à TVT (confira aqui). Nos últimos anos a esquerda avançou em países como Chile, Peru, México, Honduras.

Agora a Colômbia pode ter seu primeiro presidente de esquerda de sua história. E reforçar o movimento político de superação do neoliberalismo que assolou o continente nas últimas décadas. O movimento nacional por mudança, pelo fim do ciclo de violência, pela criação de empregos e de políticas de redução das desigualdades está por algumas horas de mudar de patamar.

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Gustavo Petro e Francia Márquez são os candidatos de unidade do campo da esquerda favoritos a vencer neste domingo