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‘Eleição na Colômbia adianta táticas que podem ser usadas para desestabilizar pleito no Brasil’

Diretora do Instituto Diplomacia para Democracia analisa solidez da liderança de Gustavo Petro que pode pela 1ª vez levar a esquerda ao poder na Colômbia

Vanessa Martina Silva/Comunica Sul
Vanessa Martina Silva/Comunica Sul
Líder nas pesquisas e ameaçado de morte, Gustavo Petro participa de comícios ao lado de seguranças com escudos à prova de balas

São Paulo – A eleição presidencial da Colômbia, no próximo domingo (29), deve marcar uma inflexão para a democracia do país. É o que avalia a diretora do Instituto Diplomacia para Democracia, Amanda Harumy, sobre o que está em jogo no pleito, em entrevista ao programa Revista Brasil TVT

Os colombianos vão às urnas em uma disputa que tem como favorito o candidato progressista Gustavo Petro (Pacto Histórico) que pode, pela primeira vez, levar a esquerda ao poder. Mas o contexto eleitoral no país vizinho é de extrema instabilidade e violência. Desse modo, torna a eleição um marco ainda mais importante para todo o continente, especialmente o Brasil. De acordo com Amanda, o pleito colombiano “adianta muitas coisas que a gente pode viver aqui no Brasil” nas eleições para presidente, em outubro. 

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Líder nas pesquisas, Petro foi obrigado, no último dia 2, a suspender suas atividades de campanha devido a ameaças de morte. A equipe de segurança do esquerdista recebeu informações à época de que o grupo armado La Cordillera – que controla o tráfico de drogas e tem origem paramilitar – estaria planejando um atentado contra ele na região conhecida como Eixo Cafeeiro. Desde então, ele circula sob forte esquema de segurança, mas intimidações continuam. As ameaças também não são tratadas como incidentes isolados, dado o histórico de assassinatos de candidatos à presidência do país. Pelo menos cinco nas últimas quatro décadas.

Violência, Forças Armadas e mentiras

Entre eles, o ex-integrante do grupo guerrilheiro M-19 Carlos Pizarro, assassinado em 1990 dentro de um avião, quando se deslocava entre atos de campanha. Até o mais simbólico de Jorge Eliécer Gaitán, forte candidato para vencer as eleições em 1949, assassinado à luz do dia em pleno centro de Bogotá, a capital do país. As eleições na Colômbia também ocorrem sob intromissão pouco usual das Forças Armadas que rejeitam a candidatura de Petro, também ex-integrante do M-19, que já foi também prefeito de Bogotá e é atualmente senador. 

A máquina de divulgação de notícias falsas, as chamadas fake news, também miram a candidatura do esquerdista, associando a ele símbolos, como narcotráfico, para desvalorizar sua imagem. Em meio a esse contexto de ataques, também surgiram denúncias, confirmadas pela Missão de Observação Eleitoral do país, de empresários ameaçando demitir seus trabalhadores para impedir o voto em Petro. Em um dos casos, um gerente de uma empresa de couro desenhou para seus funcionários um cenário catastrófico no caso de Petro ser presidente, segundo informações do jornal El País.

A violência contra o candidato de esquerda também resvala em sua vice, Francia Márquez, que pode ser a primeira mulher negra vice-presidenta da Colômbia. No último sábado (21), a ativista ambiental precisou sair às pressas de comício na capital quando um laser mirou em sua direção a partir de um prédio. O terrorismo e as perseguições também ameaçam as lideranças sociais que ajudaram a construir a chapa do Pacto Histórico e o acordo de paz entre a Colômbia e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Paz (Indepaz), mais de 50 pessoas já foram assassinadas em meio ao processo eleitoral. 

População de olho

“É uma situação extremamente instável e de violência”, resume Amanda Harumy, que é doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). “Existe uma grande campanha de fake news que a gente pode associar a esses novos fenômenos políticos de intervenção da América Latina que tentam desestabilizar a corrida eleitoral que a gente está assistindo na Colômbia. Por isso, nessa eleição, a gente vislumbra a possibilidade de um governo que defenda os direitos humanos e as relações sociais tão importantes no país”, explica Amanda. 

A analista pondera, contudo, que o acúmulo político que possibilitou a construção da chapa progressista Pacto Histórico “é muito denso”. E deve resistir inclusive às ameaças externas. Esse será o segundo pleito após a assinatura do acordo de paz que é mal visto pelos grupos paramilitares e pelo atual presidente, Iván Duque. O acordo, porém, foi defendido em plebiscito pela população e tem apoio de Petro. 

Amanda lembra que, nos levantes populares que tomaram a Colômbia, entre 2019 e 2021, a população foi às ruas em defesa do acordo de paz. Além disso, mostrou oposição ao neoliberalismo. “Acredito que esse acúmulo político que vem sinalizando a vitória da esquerda é denso, pois vem sendo construído desde 2010. Então hoje a população tem mais consciência política, compreende melhor e acredito que isso vai dar capacidade dela fazer sua escolha nas urnas no dia 29.” 

Preferência eleitoral

“Os colombianos foram às ruas em 2021 contra mais uma reforma neoliberal que o governo (de Iván Duque) tentava passar. A juventude que foi às ruas porque não tinha educação, nem acesso à saúde e ao trabalho. A classe média colombiana também perdeu muito poder de compra na pandemia. Tem uma crise neoliberal profunda na Colômbia que mobilizou essa população de forma massiva nas ruas. Tinham muitos movimentos sociais e lideranças de esquerda nas ruas. Mas tinha também um movimento autônomo de pessoas que estavam insatisfeitas com essa realidade que Colômbia vive, de uma violência de Estado constante com o neoliberalismo promovido pela extrema direita. Esses elementos todos fizeram que as mobilizações foram muito intensas na Colômbia com mais de 40 dias de manifestação”, resgata Amanda Harumy.

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De acordo com sondagem da empresa Invamer, divulgada na quinta (19), Gustavo Petro se consolida líder nas pesquisas, com 40,6% das intenções de voto. Ele é seguido por Federico Gutiérrez, da direita, com 27,1%. Em terceiro lugar, aparece o empresário Rodolfo Hernández, com 20,9%. Ele é ex-prefeito de Bucaramanga, mas vem sendo chamado de outsider pela mídia colombiana que tenta emplacar uma alternativa a Petro e Gutiérrez. 

A pesquisa também revela a preferência do eleitorado para Petro em um eventual segundo turno, previsto para 19 de junho. O candidato da esquerda registra uma vantagem de 52,7% contra 44,2% do direitista, e 50% a 47,4% sobre Hernández. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais. Já em levantamento do Centro Nacional de Consultoria (CNC), realizado para a revista Semana, Petro tem 41%, seguido por Gutiérrez, com 23,9% dos votos válidos.

Confira a entrevista

(*) Com informações da Comunica Sul


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