O drama dos colhedores de laranja de Bebedouro

Da Califórnia brasileira resta o calor do sol sob o qual se trabalha

Bebedouro, a Capital Nacional da Laranja, possuí condições trabalhistas inadequadas (Fotos: Enio Lourenço e Mauro Ramos)

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bebedouro, Gonçalves dos Santos, o Salo, lamenta a perda que a monocultura da cana-
-de-açúcar trouxe a São Paulo. “Há muito tempo, Bebedouro perdeu destaque na produção citricultora nacional e os maiores prejudicados são os trabalhadores que dependem da colheita da fruta para sobreviver” – afirma.

Para Salo, um motivo do fim da Califórnia brasileira – apelido da cidade nos anos 80 – é o cartel de empresas responsáveis pela exportação do suco de laranja, que determinam tudo sobre a safra do cítrico. “A produção da laranja está nas mãos das famílias Cutrale, Fischer (Citrosuco), Ermírio de Moraes (Citrovita) e da multinacional Dreyfus. Como eles têm as fazendas, não compram a produção do pequeno produtor. Se o pequeno produz, por exemplo, quatro caminhões, ele vende apenas dois, joga o excedente no lixo e os postos de trabalho vão diminuindo” – diz.

Outro problema são as doenças nos pomares. Considerado o câncer da laranja, o greening foi identificado no Brasil em 2004. Causado por algumas bactérias, como a Candidatus liberibacter, a doença não tem cura e a única forma de controle é a erradicação total dos pés afetados. Segundo a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado, em 2012, 7,2 milhões de plantas foram arrancadas dos pomares paulistas. “Antigamente o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) realizava fiscalização nas fazendas e obrigava os produtores a erradicar a peste dos pomares. Hoje a tarefa é deles, que não o fazem completamente.”

Os problemas no trabalho de quem coleta a fruta

Géldo e Donizete revelam quanto ganham: R$ 275 (Foto: Enio Lourenço)

As condições de trabalho, ao longo dos anos, se deterioram e a qualidade de vida na colheita da laranja está em decadência – o piso dos colhedores de laranja entre junho e fevereiro é de 
R$ 690. Um bom profissional colhe mais de 100 caixas de laranja (27 kg cada) por dia e pode alcançar R$ 1.200 no fim do mês.

Ao final da safra, a produção diminui e os empregadores passam a pagar menos pela colheita. É o caso de Donizete de Freitas, 44, que, com todos os encargos trabalhistas, recebeu R$ 275 na última quinzena de trabalho em fevereiro, quando coletou 198 caixas. E, na entressafra, nem todos conseguem o seguro-desemprego.

Em 1995, o ex-presidente FHC sancionou uma lei que facilitou o acesso ao crédito rural e à criação de cooperativas de trabalhadores rurais, mas desmobilizou a categoria e os sindicatos perderam força nas negociações salariais. Assim, as cooperativas negociaram os acordos com as indústrias citricultoras. De acordo com o colhedor de laranja Géldo Pereira, 51 – há 32 anos na profissão –, esse foi o momento em que os trabalhadores rurais saíram mais prejudicados e obtiveram perdas irreparáveis de salário real. “As indústrias incentivaram os trabalhadores a montar cooperativas. Eles falavam pra gente abrir uma casinha, chamar outros trabalhadores, fazer pequenas assembleias. Foi aí que os trabalhadores perderam a força de se organizar e o seu poder de negociação. Hoje, o pessoal deveria ganhar no mínimo R$ 0,80 por caixa coletada, mas recebeu R$ 0,42”.

A Lei também proporcionou o avanço nos condomínios, forma de organização em que os proprietários agem como intermediários na contratação de mão de obra na lavoura para as indústrias de processamento. No caso da laranja, Salo afirma que esses agentes são ex-funcionários administrativos demitidos das grandes citricultoras. “São os gatos, os atravessadores. Nós lutamos para acabar com os condomínios, que não respeitam os trabalhadores, sonegam impostos e direitos trabalhistas e horas extras” – diz. Ele comenta que no Estado existem “uns 30 condomínios”, que terceirizam a contratação da mão de obra da produção e não se preocupam com os encargos trabalhistas e a parte social de quem faz a colheita. “Pedimos fiscalização do Ministério do Trabalho, mas eles quase nunca aparecem para autuar as irregularidades dos condomínios.”

Situação só piora

(Foto de divulgação)

O colhedor Géldo Pereira lembra que a desvalorização da profissão faz os colonos trocarem a lavoura por outros postos na cidade, como a construção civil. “Quem vai coletar 100 caixas de laranja, oito horas por dia, debaixo do sol e ganhar R$ 40? Com um carrinho de sorvete na rua se ganha mais. Um servente de pedreiro tira R$ 300 por semana, algo difícil para um colhedor de laranja conseguir na roça.” Salo confirma que, em 12 anos, a categoria passou de 7.000 para 2.500 trabalhadores rurais na cidade (incluindo os cortadores de cana-de-açúcar). No entanto, Géldo é cético ao pensar numa greve para obter uma negociação mais justa com o setor. E lamenta: “Antes da colheita, eles prometem mundos e fundos e nunca cumprem, como o piso de R$ 1.150”.

O colega Donizete de Freitas vê a greve como uma tática suicida, porque não enxerga união entre os sindicatos da região. “A gente pode fazer greve em Monte Azul e Bebedouro, mas aí o sindicato de Barretos, por exemplo, vai lá e assina o acordo coletivo, sem consultar as demais bases da região. Aí, não adianta. Por isso, o Cutrale se considera o dono do mundo e faz o que quer na mesa de negociação.”

Uma solução viável para os colhedores de laranja é a luta por melhorias no vale alimentação. “Antes, as firmas ofereciam cestas básicas. Hoje a Monte Citrus oferece R$ 84; a Cutrale, R$ 150, mas ninguém pode faltar, mesmo com atestado médico, senão perde o benefício. Se as firmas pagassem
R$ 250 de vale alimentação seria uma vitória, porque eles não dão R$ 0,01 de salário acima da inflação.”

O gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de Barretos, Mário Henrique Scannavino, diz conhecer as práticas irregulares dos condomínios e indústrias citricultoras denunciadas pelo Sindicato de Bebedouro. “Mesmo com apenas cinco funcionários para a região, a gente autua essas irregularidades. Se a gente constata um local inadequado para a refeição, ausência de barraca sanitária, de água fresca, transporte ruim, aplica-se a lei e as multas previstas.” Mário afirma já ter encontrado “trabalho infantil na colheita da laranja, com migrantes trabalhando com filhos de 6 a 10 anos no pomar.”

O colhedor Géldo e o sindicalista Salo não veem a fiscalização do MTE nos laranjais. “A gente pede, mas eles não aparecem. Quando vão às roças, o patrão sabe da inspeção.” Mário nega: “Se isso existir, o funcionário é exonerado na hora do serviço público federal.”