A privatização das refeições escolares

Os bastidores de um segredo, contados por dois personagens que viveram o episódio

Valéria, coordenadora (Foto:Dalva Radeschi/ Jornal Brasil Atual)

Na Escola Maria Aparecida Moore

Com a palavra, Valéria Pires Silva, 46 anos, coordenadora da Escola Maria Aparecida de Luca Moore, do Jardim Aeroporto, membro do CAE na época da terceirização da merenda.

“A Secretaria de Educação dizia que a cozinha não era apropriada, que não havia ambiente correto para preparar a alimentação. Mas, com a terceirização, passou-se a usar o mesmo espaço. Contrataram merendeiras, pessoas comuns, que sequer acertam o ponto do arroz. São pessoas desacostumadas a fazer comida para muita gente e, nas escolas, são distribuídas três mil refeições todos os dias. E, apesar de eles falarem que tudo é de primeira, os alimentos têm baixa qualidade: a carne, por exemplo, é puro sebo. Antes da terceirização, havia alimentação farta, não faltava comida. O serviço era self-service. Tentaram novos cardápios, mas não deu certo. Fizeram nugets para as crianças. Elas gostaram, queriam mais, mas elas não podem mais repetir. Na sobremesa, servem-se frutas – banana, maçã ou caqui – a cada 15 dias. Nos centros infantis há mais frutas. Se observassem mais a escola, o bairro, as famílias, as crianças, eles não mandariam a mesma quantidade de comida para todas as escolas! As crianças da periferia têm mais fome que as do centro, as necessidades são diferentes. Resultado: falta numa escola e sobra na outra. Mais: como o refeitório não comporta o grande número de crianças, a refeição é servida em duas etapas, e vai das 10 h  às 15 h. A diretora é pessoa muito empenhada. Ela faz com que as crianças tenham aulas de informática, lousa eletrônica e dá assistência, inclusive para as famílias. Mas nas escolas que não têm essas qualidades, as crianças ficam quase sem assistência.”

ConselhodeAlimentaçãoEscolar-Dalva RadeschiNa Escola Carolina Arruda, no Parque Hipólito

Com a palavra, Edvaldo Mendes da Costa, 40 anos, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado – Apeoesp – e presidente do CAE.

“Na Escola Carolina Arruda, as crianças quase não têm feijão. Servem macarrão com carne moída ou arroz com frango. Não tem salada – quando tem é só alface – nem legumes. Os alunos almoçam sentados no chão. Segundo alega a diretora, ‘um refeitório, com mesas e cadeiras, serviria apenas para os alunos digladiarem-se. Eles destruiriam o patrimônio, jogando os objetos uns nos outros nas  brigas que ocorrem no pátio’. Onde a direção da escola verifica a quantidade, a qualidade e a variedade dos produtos oferecidos, a merenda é melhor. Mas o suco artificial distribuído é insuficiente para as crianças – Limeira, o segundo produtor de laranjas do Brasil, não serve suco natural! 

Desde o ano 2000, uma lei municipal prevê a inclusão da fruta in natura ou de suco na merenda escolar. Mesmo assim, a Prefeitura assinou contrato com a Cooperativa de Citricultores de Engenheiro Coelho, cidade a 24 km de Limeira, de R$ 928,9 mil. Outra questão é o cumprimento da lei que determina que pelo menos 30% da merenda escolar seja comprada da agricultura familiar, sem licitação. Até hoje, a Prefeitura de Limeira não cumpriu essa lei. Em 14 de março, foi empossado o Conselho de Alimentação Escolar – CAE. Na ocasião, o prefeito Sílvio Félix declarou que não queria mais a terceirização da merenda, que a responsabilidade pela continuidade ficaria com o Conselho. Porém, o contrato com a Le Baron, de R$ 14,9 milhões, vale até dezembro deste ano. Por isso, a questão da terceirização será discutida este ano na Conferência Municipal de Educação. Até lá, a Prefeitura deve se adequar à nova realidade, realizando concurso para recriar os cargos de merendeira e ajudante de cozinha.”

Privatizar é preciso?

Antes da privatização da merenda escolar, o secretário de Educação, Antônio Montezano, convocou os diretores de escola e os pressionou a aprová-la. Disse que as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) não seriam liberadas se a merenda escolar não fosse terceirizada. “E se não tiver dinheiro – alertou –, a população vai botar a culpa no prefeito, que não terá outra alternativa senão jogar a responsabilidade no CAE.” Diante disso, os diretores de escola concordaram com a terceirização, visando a facilidade na gestão, já que a merenda seria responsabilidade de uma empresa e não mais da escola. 

O Conselho

O Conselho de Administração Escolar (CAE) é formado por 14 membros – efetivos e suplentes –, que representam o Poder Executivo, o Conselho de Escola, a Associação de Pais de Alunos e a Sociedade Civil. Ele aprovou com ressalvas as contas do ano passado da secretaria da Educação.

A rede municipal

 Centros Infantis – 19

 Escolas de Educação Infantil e Fundamental – 51

 Centros de Educação Infantil e Fundamental – 7

“Terceirizar não é problema”

SecretarioEducaçao_Dalva RadeschiO secretário de Educação, Antônio Montezano, afirma que não tem problemas desde que terceirizou a merenda escolar e garante que a imprensa diz coisas sem apurar. “A imprensa fala muita bobagem, diz que gastamos R$ 6 milhões! E mesmo que fossem R$ 6 milhões, o serviço público era ruim. Com a empresa privada, serve-se arroz, feijão, carne e legumes. Reclamam que não sirvo fruta, mas, por R$ 1,60 cada refeição, não há como oferecer fruta todo dia. Na gestão anterior, havia sopa de fubá e arroz doce no almoço. Hoje servimos macarrão com legumes e uma verdura, melhorou ou não?” – compara Montezano. “Mais: quando a nutricionista fala que a criança tem de comer fígado, coloca-se fígado no cardápio. E no dia em que foi servido fígado na merenda, deu a maior confusão porque funcionário não come fígado. As crianças, na base do aviãozinho, abrem a boca e pronto” – conta. 

Montezano prefere privatizar o serviço da merenda para garantir que professoras e diretoras só se preocupem com a educação das crianças. “Sou a favor da terceirização da merenda e da faxina, sim. Seja lá qual empresa for. Quando a merenda não era privatizada, os funcionários reclamavam de dores e não trabalhavam, pois tinham benefícios de doze faltas abonadas por ano. Era uma regalia imerecida” – diz o secretário.  

Sobre a relação que possui com as empresas privadas, ele responde: “É profissional, elas prestam serviço, eu pago. Não favoreço nenhuma empresa de alimentação. A Le Baron – que cuida da merenda das escolas, substituindo a SP Alimentação – quer ganhar dinheiro,  ela não faz obra de caridade. O problema é se eu pagar um preço justo e ela não executar bem o serviço” – finaliza. 

“A qualidade da merenda piorou”

A diretora Elci Peixoto Santos, da Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Cassiana Maria Soares Lenci, analisa a terceirização da merenda de duas formas: a mão-de-obra e a qualidade. “Antes eu tinha auxiliares gerais que eram merendeiras, cargo extinto nas escolas. Hoje não interferimos no trabalho da merenda. Se alguém falta, a empresa põe outra pessoa no lugar. Isso melhorou” – explica Elci. Porém, a qualidade da merenda piorou. “Na carne moída que eles enviam, está escrito que é patinho. Mas a gente percebe que é carne de qualidade inferior. Além disso, muitas crianças não comem peixe nem fígado. Então, no dia em que são servidas essas misturas, elas só comem arroz, feijão e salada” – conta Elci.

Segundo o secretário, o cardápio nas escolas é padronizado e, diariamente, um cartaz é afixado informando o que a criança vai comer. Mas na porta dessa escola, no bairro CECAP, não havia o cartaz.

Prazo vencido?

“Funcionárias da empresa  Le Baron, ouvidas pelo jornal Brasil Atual, denunciam que os alimentos enviados às escolas seguem um ritual inadequado: a escola recebe uma remessa de alimentos perecíveis na segunda-feira que deveria durar até sexta-feira, porém, na quinta-feira, alguns deles já estão estragados. “Houve uma semana na qual os pepinos foram para o lixo, pois estavam podres, murchos e sem condições de esperar até sexta-feira.

CPI da merenda escolar


Triste novela

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Merenda Escolar, que apura as denúncias de irregularidades no contrato entre a Prefeitura de Limeira e a SP Alimentação, está chegando ao fim. E apenas Eloízo Durães, dono da SP Alimentação, que ficou calado durante o interrogatório da CPI, graças a um habeas corpus, está enrolado: as investigações do Ministério Público abrangem 70 cidades onde sua empresa atuou; Limeira é só a ponta do problema. 

Acusados sob defesa

A CPI constatou que não houve irregularidades nem superfaturamento na licitação. No depoimento à CPI, o sócio da SP Alimentação, Genivaldo Marques dos Santos, desmentiu que o prefeito Silvio Félix tenha ficado com propina. “Nas outras cidades – não disse quais –, Genivaldo mesmo fazia o contato e pagava a propina aos prefeitos, mas em Limeira ele ouviu falar que a propina ia para agentes públicos. Assim, não existem provas materiais contra o prefeito” – argumenta o presidente da CPI, Silvio Brito. 

Já no caso do vereador César Cortez (PV), Genivaldo confirmou o que dissera ao Ministério Público. “A prova material são as quase 80 ligações feitas do seu celular para o de Genivaldo. Pedimos a quebra do sigilo telefônico à  TIM e caso ela não nos forneça, pediremos em juízo” – diz Silvio Brito. Por seu lado, César Cortez afirma que “apenas duas das 80 ligações foram completadas, as demais caíram na caixa postal”. O Ministério Público, que já teve acesso ao sigilo telefônico, confirma a versão. 
Sobre o apartamento de R$ 150 mil, comprado em Campinas, com o suposto dinheiro de propina, o vereador apresentou as declarações de imposto de renda para comprovar que o apê foi adquirido com grana própria. “As declarações comprovam que a União recolheu R$ 650 mil em imposto até 2010. Fica claro que ele tinha renda para comprar o imóvel” – absolve-o Silvio.
Outro acusado de receber propina foi o ex-vereador Carlos Gomes Ferraresi, cujo nome aparecia na planilha de pagamento da comissão fiscalizadora. “Ele entrou de gaiato na história” – argumenta Silvio.