POLÍTICA EXTERNA

Diplomacia brasileira reforça nitidez das diferenças entre projetos de Dilma e Aécio

Os dois candidatos representam duas visões distintas de como o Brasil deve se inserir nas relações internacionais

ONU / UNDP

Colaboração do Brasil com países africanos firma trocas de experiências para formular políticas públicas de vários setores, como o da segurança alimentar, mas também saúde e educação

A RBA apresenta ao longo das próximas duas semanas comparações entre as propostas de Dilma Rousseff, candidata do PT à reeleição, e Aécio Neves, postulante do PSDB ao Palácio do Planalto. Os textos trarão comparações entre os projetos para os próximos quatro anos e diferenças entre as realizações dos governos petistas, de 2003 a 2014, e tucanos, de 1995 a 2002.

São Paulo – A política externa é um dos temas que mais evidenciam visões divergentes entre os projetos dos dois candidatos à Presidência da República que disputam o segundo turno eleitoral. A diferença dá-se em especial aos princípios seguidos pelo Itamaraty nos últimos 12 anos, que foram estabelecidos no governo Luiz Inácio Lula da Silva e consolidados pela presidenta Dilma Rousseff, hoje candidata à reeleição pelo PT, aos quais o desafiante, o senador Aécio Neves, do PSDB, se opõe.

Após ter assumido o Palácio do Planalto, em 2003, o PT guinou a política externa brasileira, que era marcada por uma abordagem mais conservadora desde a redemocratização, em especial no governo Fernando Henrique Cardoso. Entre 1995 e 2002, FHC priorizou as relações econômicas e a integração do Brasil ao mundo globalizado, buscando alinhar o país ao centro do sistema internacional. Ou seja, um alinhamento com grandes potências do Atlântico Norte, principalmente os Estados Unidos, que tentaram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), uma demanda apoiada pelos tucanos.

Sob Lula, o Brasil assumiu uma postura da política externa “ativa e altiva”, como o denominou o chanceler Celso Amorim. Foi a consolidação de uma atitude mais ativa internacionalmente, seja se apresentando como liderança regional no subcontinente sul-americano, seja defendendo categoricamente o multilateralismo e um sistema internacional menos assimétrico – esse último, traduzido no anseio do Itamaraty de que o país possa ganhar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Resultado dessa nova postura na geopolítica global é que o Brasil deu muito mais ênfase às relações políticas do que nos anos anteriores, sem deixar de lado o plano econômico, onde trabalhou pela cooperação e integração com potências emergentes e vizinhos regionais.

O governo Dilma Rousseff tem dado prosseguimento à nova visão estratégica adotada no governo Lula, priorizando a continuidade no multilateralismo e na diversificação das relações internacionais do Brasil com países fora do âmbito do Atlântico Norte – mais conhecida como cooperação entre países Sul-Sul – e mantendo em segundo plano as relações com União Europeia e Estados Unidos. Um dos trunfos da era Dilma é a consolidação como ferramenta político-diplomática do grupo de países Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que, neste ano, fundou o Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas.

Críticos da política externa seguida nos últimos anos costumam desqualificá-la como “partidária” ou “ideológica”, o que o governo federal rebate. “Não existe uma só estratégia de desenvolvimento. Há muitas. A estratégia é, antes de tudo, uma escolha da sociedade, que se faz periodicamente por meio de eleições. Querer aprisionar a política externa em um só modelo, sob o pretexto de esta ser apenas uma política de Estado, denota uma atitude conservadora por parte dos que não querem nada mudar”, declarou Dilma, em entrevista publicada pela Revista de Política Externa.

“Assim sendo, as políticas externas também mudam, não apenas para se adequar às novas estratégias de desenvolvimento, democraticamente definidas, mas também aos câmbios geopolíticos e geoeconômicos que ocorrem no cenário mundial. Uma política externa imutável e estática seria extremamente ineficiente.”

Caso a presidenta seja reeleita, a política externa brasileira deve seguir a linha que se consolidou no século 21, de buscar pelo fortalecimento das relações políticas e econômicas com os países da América Latina e Caribe, tendo como base o Mercosul, a Unasul e a Comunidade dos Países da América Latina e do Caribe (Celac). “O Mercosul nunca se propôs a ser apenas uma área de livre comércio. A união aduaneira e a livre circulação de pessoas, elementos vitais de um verdadeiro mercado comum, são partes orgânicas desse projeto de integração(…) Sempre insistimos em que, para que ela seja consolidada, é fundamental que haja uma integração entre os povos, inclusive com a criação de uma cidadania comum, como se deu no caso da União Europeia”, diz Dilma.

Outra ambição é a de estreitar ainda mais as relações com nações africanas, que se ampliaram substancialmente durante os governos Lula e com países integrantes do bloco dos Brics. Já as relações com Estados Unidos e União Europeia devem ficar em segundo plano. “A relação bilateral com os EUA sempre foi e continuará sendo de grande importância para o Brasil. Somos as duas maiores democracias e economias das Américas. Temos de ter uma relação madura, profícua e respeitosa”,costuma declarar a presidenta.

Versão tucana

Crítico das mudanças da política externa brasileira, Aécio Neves (PSDB) deve, caso seja eleito, redirecionar à diplomacia a um distanciamento da cooperação Sul-Sul, incluindo uma revisão do Mercosul e dos planos de intensificar a integração regional, rediscutindo a posição do Brasil dentro do bloco. “O Brasil é ator fundamental nesse processo e a diplomacia brasileira deve construir pontes entre as duas vertentes de nossa região e entre seus diferentes modelos de integração. Isso requererá, em primeiro lugar, um reexame profundo de nossa política comercial e do Mercosul, que passa por uma crise de identidade”, disse o candidato tucano, em entrevista publicada pela Revista de Política Externa.

Para Aécio, o Mercosul tem uma “vocação comercial”, que ficou “inibida por crises de países importantes como a Argentina e a Venezuela” e “foi sendo substituída por uma ênfase em outros setores, o que não é indesejável em si, mas que não convém que se torne prioritária.” “Não se trata de desfigurar o Mercosul, mas de fortalecê-lo para, de novo, torná-lo apto a engajar-se em negociações efetivas com outros parceiros e prepará-lo para uma maior abertura comercial”, defende o senador mineiro, que deseja que o Brasil lidere esse processo e esteja livre para negociar acordos de livre-comércio bilaterais e globais, como com as nações integrantes da Aliança do Pacífico ou a União Europeia.

Além disso, torna-se novamente prioridade o realinhamento com os interesses das nações do Atlântico Norte, especialmente com os EUA, visto pelos tucanos como “um dos poucos países que contribuem para a inserção do Brasil na cadeia de valor, mesmo que de maneira reduzida. “Os EUA são um parceiro indispensável, com quem temos que construir relações maduras e positivas, baseadas no respeito mútuo e no reconhecimento dos interesses nacionais de cada um”, diz Aécio.

“O Brasil, como principal país da América do Sul e do Atlântico Sul, áreas livres de tensão e fora dos perímetros centrais de segurança que preocupam os EUA, deve buscar com uma parceria estratégica centrada na construção de um espaço de paz, segurança e desenvolvimento em nossa região, como elemento de estabilidade em um mundo multipolar. Como a América do Sul não é uma área onde os EUA tenham interesses estratégicos importantes, nem é uma região que ameace a segurança norte-americana, e como não há competidores em busca da hegemonia no subcontinente, os EUA podem encarar a América do Sul e o Atlântico Sul como parceiros no desenvolvimento de uma forma diferente de relacionamento”, reforça.

Em relação à política externa dos anos FHC, o única item destacável que se aproxima da linha de atuação dos governos do PT é o reconhecimento da China como grande parceira comercial dos brasileiros, posição que se consolidou no final da década anterior. “As transformações em curso no mundo, com o aumento do peso relativo dos países em desenvolvimento e com sinais de uma repartição mais equitativa do poder e de um mundo multipolar, dão à parceria entre o Brasil e a China uma dimensão que ultrapassa o plano bilateral. Atuando em conjunto com outros países emergentes, Brasil e China podem ajudar a desenhar uma nova ordem internacional para cuja construção será necessário dar ao multilateralismo do pós-guerra uma nova configuração”, defende Aécio.