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Dilma, uma ‘não amiga’ do capital especulativo, sofre efeitos do ruído pessimista

Acostumados a lucros sem freios, investidores não perdoam queda na taxa de juros e perdas com Petrobras. Presidenta, sem tempo para selar as pazes, terá de apostar em comunicação para reverter quadro

Reinaldo Canato/Folhapress

Dia de pregão da BM&F Bovespa: investidores apostam em eleição de candidatos mais ‘amigos’

São Paulo – As “previsões” pessimistas de analistas de mercado e consultores de investimentos sobre a economia brasileira, que têm se intensificado nas últimas semanas, são motivadas por avaliações de que o governo da presidenta Dilma Rousseff (PT) não é “amigo” do capital especulativo e sua atuação é intervencionista.

Essa constatação é clara nos motivos que embasam algumas apostas do chamado “mercado” diante da possibilidade da vitória de Dilma nas eleições presidenciais. Em alguns casos, as análises deixam de lado a discrição.

A agressividade de uma dessas empresas de consultoria, a Empiricus Research, provocou reação da campanha de Dilma à reeleição, que pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a suspensão dos links patrocinados da corporação junto ao Google. O TSE acatou o pedido e, no dia 28 de julho, suspendeu as “análises” da empresa, cujos relatórios têm títulos “Como se proteger da Dilma” e “O fim do Brasil”, entre outros, considerados “terrorismo eleitoral” pela campanha petista.

Outras consultorias, menos sensacionalistas, avaliam a relação entre eleições e mercado financeiro com prognósticos que chegam a prever qual a probabilidade que teriam hoje os candidatos. Nas últimas previsões, algumas dessas empresas têm apontado que as chances de vitória da oposição variam entre 60% e 70%.

Para o diretor de economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Andrew Storfer, às vésperas das eleições dificilmente será possível o governo fazer o que, em sua opinião, seria recomendável para reverter as expectativas negativas do mercado. “O que o governo poderia fazer que melhoraria sua imagem é dizer como pretende ser mais amigo do capital privado, o que não foi durante esses quatro anos”, acredita.

O consultor Claudio Duhau, da Ativa Corretora, aponta “a falta de solidez fiscal refletida na piora das contas públicas e externas, e as políticas intervencionistas em diversos setores, em especial os regulados ou regulamentados, como concessões e setor elétrico, entre outros”, como fatores que podem explicar a “ascensão” dos candidatos da oposição. Para ele, o fato de o mercado de ações registrar alta quando a presidenta da República cai nas pesquisas e vice-versa “pode significar o desejo de um viés político econômico diferente do atual e, efetivamente, impulsionar o mercado de ações doméstico”.

Duhau também usa o conceito de postura “amiga” que o governo Dilma não tem para com o capital privado. Para ele, não se pode afirmar com precisão se há preferência por um candidato específico à Presidência. “O que podemos verificar é que os tipos de políticas praticadas pelo governo atual são impopulares entre investidores, logo, candidatos com postura mais market friendly (amigável ao mercado, em tradução livre) são preferidos na disputa presidencial, em detrimento da candidata da situação”, admite.

Para Storfer, independentemente de preferências políticas, o objetivo final do investidor que procura essas agências de consultoria para se aconselhar, ou informar, é saber quais são os cenários e as condições futuras da economia. “Os investidores, antes de terem uma preferência, estão preocupados em como preservar o valor do seu dinheiro ou melhorar o rendimento que possam ter em determinados investimentos, em ativos financeiros ou ativos reais.”

Seja como for, o mercado está claramente pessimista diante de Dilma Rousseff, o que significa dizer que, se depender dele, a presidenta não se reelegerá. “É óbvio que tem um clima de alimentar o pessimismo até o extremo. Cria-se um clima de pessimismo e isso evidentemente não ajuda”, avalia Giorgio Romano Schutte, professor doutor e coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC.

Para Storfer, o cenário que o investidor enxerga diante das variáveis econômicas que projeta, a partir do que os candidatos dizem, é o que ele de fato leva em consideração para definir investimentos. “Suas decisões independem de candidato A ou B.” O diretor da Anefac prefere não comentar consultorias especificamente ou as atitudes agressivas como a que a campanha de Dilma alegou contra a Empiricus no TSE. “Quando alguém coloca (análises) de modo personificado e de forma mais forte, o faz por sua conta e risco, externa sua opinião, mas o que interessa para o investidor e o empresário é o conteúdo. Mesmo o governo eventualmente pode mudar a sua postura”, diz.

A taxa Selic é um detalhe emblemático da mudança de postura do governo, mas, no caso da gestão de Dilma, uma mudança forçada que não reverteu expectativas a seu favor. A Selic chegou ao patamar mais baixo, 7,25%, em abril de 2013.

Para Schutte, a tentativa de reduzir os juros, uma das principais fontes de ganhos dos especuladores, causou grande irritação do mercado contra Dilma. “Eles estão irritados porque lá atrás ela tentou baixar os juros. Acham que ela está se metendo demais. Estão muito preocupados. Ela colocou os juros reais a taxas históricas mínimas, depois apanhou de todos os lados e teve de recuar, mas, agora, o mercado não confia mais nela”, afirma o professor da UFABC.

Esse foi um dos sinais mais importantes do que se identificou como “intervencionismo” do governo Dilma na economia, que o mercado mais do que tudo abomina. Câmbio (real valorizado) e a Petrobras como fator de políticas públicas são outros pontos “condenados”.

Mesmo com o recuo de Dilma na questão da Selic, segundo o economista Marcio Pochmann, em 2002 o governo federal transferiu o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB) aos detentores da dívida pública, que na época representava quase dois terços do PIB. Atualmente, a Dívida Líquida do Setor Público representa um terço do PIB e o governo paga em juros o equivalente a menos de 6% do PIB. Os que ganharam R$ 570 bilhões de reais em 2002 como juro da dívida pública, receberam R$ 230 bilhões no ano passado.

Giorgio Romano acredita que os recentes discursos de Dilma Rousseff, em que ataca o pessimismo, é uma das armas de que o governo dispõe para tentar neutralizar o ambiente raivoso. “É importante combater o pessimismo. Por isso, a Dilma foi feliz ao dizer que ‘temos que vencer não o medo, mas o pessimismo’. O pessimismo é alimentado todo dia nas rádios, na mídia. O governo tem que comunicar, convencer do contrário, explicar e explicar”, aconselha.

Schutte avalia que o Brasil, e o governo em particular, tem hoje contra si uma situação internacional instável e está numa fase de transição, com muitos investimentos previstos, como em infraestrutura e petróleo, “mas que ainda estão no papel”. Para o professor, chama a atenção, como dado positivo, o montante que tem entrado no país em investimentos diretos. “É preciso fazer a pergunta: como você explica que já faz 3 ou 4 anos que quase US$ 60 bilhões entram no país como investimento direto? Você olha as manchetes (dos jornais) e, apesar desses US$ 60 bilhões, só lê sobre a ‘queda dos investimentos’. Nas minhas aulas, explico as coisas mostrando as manchetes”, conta. “Pode ter diminuído o volume de entrada, mas ainda assim é espetacular.”

O diretor econômico da Anefac, porém, faz uma ressalva. “Entram US$ 60 bi, mas o governo, só para manter o câmbio, gastou, nos últimos 12 meses, US$ 90 bilhões. Então, nem paga o que está torrando para manter o câmbio no lugar que acha que tem que ficar”, diz Storfer.

Segundo Dauhau, da Ativa Corretora, a reversão do pessimismo contra Dilma é muito difícil. “Após quatro anos de governo e com uma equipe em plena crise de credibilidade, acreditamos que seria trabalho muito árduo reverter esse pessimismo e realismo, principalmente por não haver nem tempo hábil e nem mesmo intenção do próprio governo no sentido de empreender políticas de cunho mais pró-mercado.”

“O governo tem que dizer que está disposto a trabalhar com o capital privado numa equação que faça sentido, justa, para desenvolver o país”, acrescenta Storfer, da Anefac. “Esse seria um discurso que seria visto com bons olhos e não vi até agora. E também não vi da oposição nenhum programa mais concreto. Tudo isso, vamos ver a partir de agora, quando começa a campanha na televisão.”

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