Debate sobre BNDES deve focar em modelo de desenvolvimento, diz Ibase

São Paulo – A falta de transparência, o volume de recursos destinados a micro e pequenas empresas e o impulso dado ao modelo desenvolvimentista de economia estão entre as principais […]

São Paulo – A falta de transparência, o volume de recursos destinados a micro e pequenas empresas e o impulso dado ao modelo desenvolvimentista de economia estão entre as principais críticas ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por parte de setores organizados da sociedade civil.

A Plataforma BNDES reúne desde 2007 as entidades interessadas em apresentar novas opções ao banco. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), um dos integrantes da Plataforma, entende que o Estado tem papel fundamental no país, mas não está de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo BNDES.

 

João Roberto Lopes Pinto, coordenador do Ibase, argumenta que o debate principal não é o que se tem feito nas últimas semanas, a respeito da concentração dos recursos do BNDES em torno de doze grandes grupos. Ele considera que essas linhas já estavam desenhadas na década de 1990, quando essas empresas foram as vencedoras do processo de privatização. Confira os principais trechos da entrevista à Rede Brasil Atual.

Está em curso uma discussão sobre a concentração de recursos do BNDES. O senhor concorda com esse tipo de crítica?
João Roberto Lopes Pinto – Para a gente fazer essa discussão é importante ver a atuação do banco em um quadro de longo prazo, mais precisamente nos últimos vinte anos. O debate oscila sobre dois eixos. De um lado, o privillégio a grupos econômicos e, de outro, a presença do Estado na economia.

“(O banco) empresta com recursos públicos e a uma taxa favorecida sem estabelecer qualquer contrapartida social e ambiental, nem mesmo econômica no sentido de cessão de inovação tecnológica e produtiva.” – João Roberto Lopes Pinto

Sobre a questão dos grupos é importante dizer que são os mesmos privilegiados no processo de privatização. A formação de grandes conglomerados empresariais é um processo que ganha escala após o processo de privatização.

São grupos como Votorantim, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Vale-Bradesco, Gerdau, que crescem com a incorporação de um patrimônio público sob patrocínio do BNDES. O que se tem a partir de 2002 é o boom das commodities, e esses setores têm uma expansão de mercado muito grande. Ou seja, esses grupos já estão escolhidos antes do governo Lula.

Sobre a presença do Estado, o que há discordância é em relação à maior ou menor presença. É óbvio que, da nossa perspectiva de sociedade civil, é fundamental que haja ação do Estado, mas na afirmação do interesse público, e não o de quem comanda o Estado naquele momento.

O problema é esse. Há uma maior presença do Estado no governo Lula, mas isso não significa maior autonomia em relação a esses interesses. A atuação do banco comprova isso. Empresta com recursos públicos e a uma taxa favorecida sem estabelecer qualquer contrapartida social e ambiental, nem mesmo econômica no sentido de cessão de inovação tecnológica e produtiva.

Que tipo de instrumentos poderiam ser criados para a exigência dessas contrapartidas?

João Roberto Lopes Pinto – Propomos, pela Plataforma BNDES, a criação de alguns instrumentos, mas o banco se fechou ao processo de discussão. Agora o governo brasileiro assinou um empréstimo com o Banco Mundial para fornecer uma política de governança ambiental. Mas ninguém sabe o que vai ser. O banco não implementou sua política ambiental efetiva.

Chama muito a atenção a questão da informação. Por um lado, você pode dizer que foi a primeira vez que um presidente do BNDES abriu parte de sua carteira de projetos e adotou um programa de transparências. Por outro, as informações são insuficientes, são apenas os financiamentos de 2008 para cá. Não se fala em valores, taxas nem riscos de crédito.

O banco, historicamente, tem a relação com esses grupos privilegiados. Há uma dimensão funcional nessa falta de transparência com esses setores cujo financiamento se justificaria pela própria força dos empreendimentos e pela necessidade de tornar esses grupos ainda mais fortes.

Há um discurso da necessidade de concentrar nesses setores para ganhar projeção internacional. Essa é uma profecia que se autorrealiza, vira uma coisa inevitável: precisa de ganhos cada vez maiores para poder competir. Mas isso não é garantia de nada porque o BNDES financia tanto empresas nacionais quanto estrangeiras. O debate não pode ser para saber quem melhor se relaciona com o capital. O importante é saber o que interessa à sociedade brasileira.

Muito se disse sobre o papel do BNDES durante a crise de 2008 e 2009. O senhor concorda que o banco ajudou a tornar a situação mais amena por aqui?

João Roberto Lopes Pinto – Sem dúvida. É fundamental um banco como o BNDES. Do ponto de vista da sociedade civil é importante para reafirmar o caráter público do Estado. A perspectiva dos críticos é de esvaziar o poder do Estado. Nós, do Ibase, defendemos o caráter estatal e público do BNDES até porque há a perspectiva de transferir recursos públicos para os bancos privados.

Cumpriu um papel anticíclico na crise. Mas para ajudar a quem? Se você pegar o volume de recursos, no ano passado foi 83% para grandes empresas. Para micro, pequena e médias foi 17%. Precisa potencializar a ação do BNDES na área social, em saneamento, infraestrutura.

E não é qualquer infraestrutura. Falam de infraestrutura como se fosse de uso público, de interesse social. Projeto para a Vale escoar a produção dela é uma coisa. Projeto para aumentar a malha ferroviária do país é outra. Esse debate não se faz porque são esses setores que estão mandando.