Inconsistências não, fraude

CEO da Americanas diz haver indício de participação de auditorias em fraude. CPI mira trio de bilionários 

As revelações fizeram aumentar a pressão para que a CPI da Câmara, que investiga o esquema para esconder o endividamento da Americanas, convoque os empresários Lemann, Telles e Sicupira e representantes das auditorias KPMG e PwC

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Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles (da esquerda para a direita na foto). Os três controlavam a maior parte das ações da Americanas, por meio da 3G Capital

São Paulo – O CEO das Lojas Americanas, Leonardo Coelho Pereira, afirmou haver indícios de participação das empresas de auditoria PwC e KPMG no esquema de fraude no balanço da empresa. Nesta terça-feira (13), pela primeira vez a rede varejista admitiu ter ocorrido fraude nos demonstrativos financeiros para produzir artificialmente lucros contábeis e esconder o endividamento da empresa, inicialmente minimizado como “inconsistências”. 

A conclusão faz parte de um relatório preliminar elaborado por assessores jurídicos que apontaram como responsáveis o ex-presidente da companhia Miguel Gutierrez e os executivos Anna Saicali, José Timótheo de Barros, Márcio Cruz Meirelles, Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes. No mesmo dia, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados, que investiga o caso, Pereira também apresentou emails e trocas de mensagens que indicam que as duas auditorias privadas se comunicavam com a diretoria da Americanas para suavizar termos em seus relatórios e dificultar a descoberta das fraudes por observadores externos. 

Em um dos documentos, a KPMG, por exemplo, recomenda eliminar a expressão “deficiências significativas”. E, em troca com a direção da varejista, também substitui a alteração do trecho “recomendações que merecem atenção do conselho de administração” por “recomendações que merecem atenção da administração”. Já a PwC, de acordo com o atual dirigente, é citada por conta de uma carta em que parece dar indícios de que a empresa de auditoria “estava indicando como escrever texto em que o tema risco sacado (utilizado para operacionalizar a fraude) não ficasse claro”. 

Pressão na CPI

O email apresentado à CPI mostra a PwC sugerindo o formato final com a declaração “não ter conhecimento de determinados problemas”. A versão também retira a expressão “risco sacado” para dar lugar a termos mais genéricos”. Os documentos encaminhados por Pereira também mostram uma troca de emails em que os diretores da Americanas comemoraram a aceitação, pelo banco Itaú, de uma carta com explicações sobre demonstrações financeiras que escondiam as maquiagens contábeis. “O Itaú propôs a suavização do termo ‘sacado’, substituindo-o por ‘emitido'”, declarou o atual diretor. 

Na leva de documentos também são comentadas mudanças em texto que faz menção ao Santander. O caso fez aumentar a pressão para que a comissão parlamentar convoque os representantes das auditorias e dos bancos. De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, já há requerimentos aprovados para que as companhias sejam chamadas a depor a partir de semana que vem. A data poderá ser definida nesta quarta (14), à tarde, em sessão administrativa com os integrantes da CPI. 

Acionistas da Americanas na mira

Há pressão também para que os bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles também sejam os próximos depoentes. Os três controlavam a maior parte das ações da Americanas, por meio da 3G Capital. Eles são suspeitos de terem participação direta nas práticas da varejista que levaram ao endividamento milionário.

Curiosamente, em novembro do 2021, a 3G decidiu abrir mão do controle societário da Americanas para ficar com cerca de 30%. Entre agosto e outubro do ano passado, os diretores das Americanas ainda venderam R$ 223 milhões em ações. Às vésperas da divulgação do rombo, também foram resgatados R$ 800 milhões em investimentos no Banco BTG Pactual, de acordo com reportagem do Jornal GGN na época.

Para Pereira, porém, os documentos que a empresa tem hoje “não mostram nem envolvimento do conselho (de administração) e nem de acionista”. “No entanto, se conselho, acionista ou qualquer outra pessoa das Americanas ou fora (participaram), é minha responsabilidade como diretor-presidente ir atrás e responsabilizar”, ponderou. O grupo de acusados, contudo, já afirmou que deve contra-atacar as denúncias, apontando que o conselho de administração da Americanas também tinha conhecimento das fraudes. 

Mercado de capitais em xeque

Especialistas também apontam indícios de envolvimento de Lemann, Sicupira e Telles. “Talvez o mais importante comentário a ser feito nesse momento sobre esse caso das Americanas é que fraude não é Fenômeno da Natureza, ou seja, não acontece espontaneamente. Fraude é resultado de uma decisão, nesse caso de alguns, cientes da situação e comprometidos com ela”, observou a mestra em História Econômica e doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, Ana Paula Salviatti, em sua conta no Twitter. 

A deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) também chamou atenção para a dimensão desse escândalo que coloca em xeque a credibilidade do mercado de capitais e dos próprios mandamentos do capitalismo. 

“Manobras que levaram a rombo estratosférico nas lojas Americanas incluem descontos inventados na compra de mercadorias, ocultação de dívidas, falsificação do cálculo do endividamento, fabricação de documentos e publicação de números mentirosos de resultado. Em valores, fraude da varejista supera e muito os ditos desvios na Petrobras. Caso precisa ser apurado com rigor, não dá pra deixar essa turma que só quer lucrar sem punição enquanto os trabalhadores da empresa ficam na mão”, cobrou a parlamentar.

As fraudes e lançamentos indevidos encontrados nas demonstrações financeiras da Americanas somam mais de R$ 40 bilhões em números preliminares e não auditados. O valor considera também operações de crédito e financiamento contabilizados de forma inadequada no balanço da varejista. Atualmente, a empresa está em recuperação judicial, após divulgar o rombo em janeiro. 


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