Obcecado pela reeleição, planos de Bolsonaro descartam Paulo Guedes do governo
O presidente foi eleito com a lógica do desmonte do Estado. Mas, para se reeleger, precisa de politicas públicas, tarefa para a qual o ministro não serve
Publicado 27/08/2020 - 20h08
São Paulo – O ministro Paulo Guedes parece estar com os dias contados no governo de Jair Bolsonaro. Na terça-feira (25), no lançamento do programa Casa Verde e Amarela, considerado “fake” pela ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior, o chefe da Economia nem sequer apareceu. No dia seguinte, levou um puxão de orelha do presidente, que recusou discutir o texto da equipe econômica sobre o “Renda Brasil”, com que o Executivo pretende substituir o Bolsa Família.
Já nesta quinta (27), Guedes saiu-se com uma frase em tom de brincadeira. “Há um complô para me derrubar em Brasília”, disse. O cenário mostra que o “superministro” incensado pelo mercado aparentemente já não serve aos propósitos do presidente diante de uma realidade imprevista: a pandemia de coronavírus.
“Bolsonaro foi eleito com a lógica da demolição e do desmonte do Estado e das instituições. A pandemia obrigou a que ele tivesse de ter uma postura propositiva, diante da crise econômica e social. Houve uma mudança de paradigma nesse processo”, diz Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Nesse contexto, o presidente necessariamente precisa apresentar políticas públicas, tarefa para a qual o “Chicago boy” Guedes, visceralmente ligado ao mercado financeiro, não está preparado para fazer. E, para se reeleger, Bolsonaro precisa do Estado.
Lógica da destruição
“Para o ministro, entregar tudo ao mercado resolve. Ele não demonstra sensibilidade para atender as demandas novas. Por isso, a continuidade dele parece incompatível com o novo cenário. A lógica dele é destruir”, observa Queiroz.
Bolsonaro também parece ter tomado gosto pela popularidade que, ironicamente, o auxílio emergencial lhe rendeu. Guedes e Bolsonaro – que atravessa a pandemia zombando da ciência e dos mortos – eram contra o benefício num primeiro momento. Depois, aceitaram 200 reais e, por fim, com a pressão da oposição e mesmo de deputados do Centrão, acabou cedendo aos 600 reais.
Mas o presidente capitalizou o benefício e sua popularidade aumentou graças a ele. Ao negar a proposta de Guedes para o Renda Brasil, Bolsonaro deixou claro que, a partir de agora, o governo deve caminhar para um caminho que não é o do ministro da Economia, entusiasta do teto de gastos e demonizador do Estado.
Para Toninho, a oposição parece estar subestimando a capacidade de o mandatário se reeleger. “A pandemia trouxe uma agenda a ele, a aí é um governo que vai competir nas mesmas bases que os governos anteriores competiam”, diz. Agora, para seguir nesse caminho, tem de incorporar o investimento e maior participação do Estado. Não se sabe que consequências terá para Bolsonaro a reação do mercado diante desse quadro.
Centralização absoluta
O “excesso estrutural” do Ministério da Economia, em torno do qual tudo é articulado – das políticas educacionais às decisões do Banco Central – também não é mais útil ao governo. “Parece inevitável que Guedes caia e, após a queda, haja um desmembramento dessa superestrutura. Qualquer governo, como os de Lula ou Fernando Henrique, tem vetores internos que disputam entre si, e o presidente arbitra as várias visões. Neste governo, só tem a visão do Guedes, está tudo centralizado na figura dele.”
Para a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), o que protege Bolsonaro de um processo de impeachment é o apoio que ele ainda tem – entre setores empresarias, o que inclui a mídia tradicional – graças à sua agenda voltada ao mercado, representada por Paulo Guedes.
“O governo vive uma contradição interna, já que o mercado o apoia porque o vê como serviçal de uma agenda contra o povo, e essa agenda tem em Paulo Guedes seu grande articulador”, observa a deputada.