Banco privado foge de financiamento de longo prazo, aponta economista

Estudo coordenado pelo professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, mostra que sistema público tem garantido crédito de risco para a economia, o que pode representar um risco em um eventual ciclo mais forte de crescimento

Sem oferta de crédito pelos bancos privados, empresas podem ser obrigadas a recorrer a crédito externo, opção que deixa país mais vulnerável (Foto: Zsuzsanna Kilian/Sxc.hu)

É preciso envolver mais os bancos privados no financiamento de longo prazo no Brasil, avalia um estudo do Centro de Estudos de Conjuntura e Politica Economica (Cecon) do Instituto de Economia da Unicamp. A aversão ao risco por parte dessas instituições deixa modalidades de crédito de risco maior para as instituições públicas, o que pode trazer consequências ruins para o país em caso de um ciclo mais forte de crescimento.

A pesquisa “2008–2009: Perspectivas da indústria financeira brasileira e o papel dos bancos públicos” analisa o período de crise econômica internacional (clique aqui para acessar a íntegra do estudo). Depois das quebras de instituições nos Estados Unidos, os bancos privados brasileiros restringiram duramente qualquer modalidade de crédito, enquanto os públicos garantiram parte do suprimento necessário.

 

“O sistema privado tende a agir sob o efeito de manada”, avalia Ricardo Carneiro, coordenador do estudo, em entrevista à Rede Brasil Atual. “Na crise, houve um travamento por aversão a risco do crédito dos bancos privados, que acompanharam a tendência internacional”, lembra. “Como o sistema público não está contaminado porque seus mecanismos de decisão são outros, entrou fazendo um papel anticíclico da maior importância”, ressalta.

Sem uma opção doméstica de crédito para investimentos de longo prazo, as empresas poderiam ser obrigadas a adotar uma opção historicamenterecorrente, mas danosa para o Brasil: linhas de crédito no exterior. “( Seria) uma péssima alternativa, porque aumenta a dívida externa e torna o país mais vulnerável a instabilidades

Os bancos públicos têm ainda uma função relevante na promoção da concorrência, podendo promover a redução de spreads. “O sistema bancário brasileiro tem uma rentabilidade altíssima, tem gordura para queimar”, avalia Carneiro.

Ele reconhece que a instabilidade de câmbio e de taxas de juro dificulta o envolvimento dos bancos privados em operações de longo prazo. Assim, o pesquisador não descarta a necessidade de redução de depósitos compulsórios vinculados a crédito desse tipo ou a títulos de bancos públicos voltados a isso.

Entrevista

Ricardo Carneiro

professor do Instituto de Economia da Unicamp

O levantamento inclui o mercado de capitais como estratégia de financiamento. A instabilidade provocada pela presença de investidores estrangeiros na bolsa de valores é um obstáculo. Por isso, o economista defende formas de regulamentação que restrinjam a presença de recursos de fora do país em certos tipos de ação, à exemplo do que faz a China.

Confira a íntegra da entrevista:

RBA – Por que o crédito de longo prazo e de maior risco ficam nas mãos dos bancos públicos e não dos privados?

“Pelos dados com que trabalhamos, é evidente uma concentração muito grande do setor público no longo prazo e áreas mais arriscadas, como crédito rural, habitação e comércio exterior. O privado (no sistema financeiro) tem uma aversão grande ao risco” – Ricardo Carneiro

É uma tradição histórica do sistema financeiro privado brasileiro não entrar no crédito de longo prazo. Historicamente, foi por isso que foram criados os bancos públicos. Os conservadores dizem hoje que isso já estaria superado, mas não me parece verdade. Pelos dados com que trabalhamos, é evidente uma concentração muito grande do setor público no longo prazo e áreas mais arriscadas, como crédito rural, habitação e comércio exterior. O privado (no sistema financeiro) tem uma aversão grande ao risco. Crédito, sobretudo de longo prazo, significa captar em uma estrutura mais curta para emprestar por um tempo maior.

RBA – Mas o que afasta as instituições privadas dessas opções?

“O financiamento é um mecanismo que antecipa recursos. Com o sistema público, funciona bem, mas é limitado, se houver um ciclo mais forte de crescimento, será necessário contar com outros mecanismos” – Ricardo Carneiro

Um aspecto importante que justifica parte da postura é que o setor privado capta recursos no mercado, com taxas de juros que podem variar. Com a instabilidade monetária que ainda permanece na economia brasileira, os bancos privados têm alguma razão de não querer fazer operações no longo prazo. O funding é captado no mercado e a economia é muito instável, ao contrário do que se diz. Varia muito o juros, a taxa de câmbio. Isso é ruim para a atividade financeira e até inviabiliza o financiamento mais longo. Eles entram quando conseguem repassar recursos públicos, com taxas de juros carimbadas, fixas. Aí, percebemos que têm se dedicado mais.

RBA – Quais são as consequências para a economia do país? Representa menos possibilidade de crescimento, por exemplo?

É isso. O financiamento é um mecanismo que antecipa recursos. Para investir, não se espera acumular lucros para depois aplicar. O sistema bancário tem essa função. Com o sistema público, funciona bem, mas é limitado. Os fundos fiscais e parafiscais aumentam com a melhora da renda, mas se houver um ciclo mais forte de crescimento, será necessário contar com outros mecanismos. Historicamente, quando o setor privado não entrou decisivamente, se resolveu isso com poupança externa, uma péssima alternativa, porque aumenta a dívida externa e torna o país mais vulnerável a instabilidades.

RBA – Haveria alguma forma de levar os bancos a operações de maior risco? É algo que depende só do marcado ou há necessidade de regulamentação?

Dá para envolver mais o setor privado. Os bancos brasileiros trabalham com compulsório muito elevado. Parte desses recursos depositados no Banco central têm remuneração, mas outra parte não. Na medida em que a taxa de juros cai para um patamar baixo, mesmo a parcela remunerada rende muito pouco. É possível fazer com que esse recurso seja reintroduzido no sistema direcionado ao financiamento de longo prazo. Você pode dar a opção de os bancos privados resgatarem parte dos depósitos compulsórios para isso ou de subscreverem títulos dos públicos para financiamento de longo prazo. É a chamada utilização dirigida dos compulsórios.

RBA – No período recente, de enfrentamento da crise econômica, um tema recorrente foi o papel dos bancos públicos diante da desaceleração internacional. Nesse caso, também o crédito de curto prazo foi assegurado pelos públicos. Foi uma exceção?

O sistema privado tende a agir sob o efeito de manada. Toda vez que se manifesta um problema mais geral, todos agem de uma forma muito semelhante. Na crise, houve um travamento por aversão a risco do crédito dos bancos privados, que acompanharam a tendência internacional. Foi zerada a concessão de crédito. Como o sistema público não está contaminado porque seus mecanismos de decisão são outros, entrou fazendo um papel anticíclico da maior importância. Ter uma parte do sistema público ajuda nesses momentos. Impediu-se uma recessão no país. Outro aspecto importante é a concorrência. Na fixação de spreads, o setor público tem papel importante para limitar as margens do setor privado, que são altas no Brasil.

RBA – Se são altas as margens praticadas, os bancos públicos precisariam agir mais?

Pois é, mas a crise foi um momento importante. Além da oferta de crédito, também houve baixa de spread pelos bancos públicos. O sistema bancário brasileiro tem uma rentabilidade altíssima, tem gordura para queimar.

RBA – Outro ponto que o estudo apresenta é a possibilidade de as empresas obterem financiamentos no mercado de capitais, emitindo ações em bolsa de valores. No Brasil, essa opção é viável?

É uma alternativa importante. O estudo levanta o fato de que o mercado de capitais ainda é muito especulativo, sobretudo a bolsa. Tem muita presença de investimento estrangeiro, muito volátil, concentrada em um número pequeno de ações. Seria necessário ter mecanismos para tornar o mercado de capitais também um elemento importante de financiamento. Seria uma regulação, limitar a presença estrangeira em alguns mercados para não deixá-lo tão volátil.

RBA – Intervir no fluxo de capital, no que o investidor pode ou não fazer na bolsa de valores, seria uma medida heterodoxa?

Não, pode-se fazer regulação por prazo de permanência se o objetivo for limitar a presença de capital estrangeiro em determinado tipo de ações. A China explodiu o mercado de capitais nos últimos anos, mas é muito limitada a presença de estrangeiros. Existe em algumas bolsas, mas em outras não. Com uma regulação mais fina daria mais suporte a esse crescimento.

RBA – Além da China, algum outro país adota esse tipo de solução?

Não. O paradigma é o que deu certo.

Leia também

Últimas notícias