Sapucaí

Cordel, cultura cigana e questão indígena brilham na primeira noite do carnaval no Rio

A festa contou ainda com Porto da Pedra, Beija-Flor, Salgueiro, Grande Rio e Unidos da Tijuca na avenida

Reprodução/YouTube
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Carro do desfile da Salgueiro, que levou a causa Yanomami para a Sapucaí

Brasil de Fato – A primeira noite de apresentações das escolas de samba do Grupo Especial na Sapucaí, no Rio de Janeiro mostrou que a Imperatriz Leopoldinense tem boas chances de conquistar novamente o título. Fechando os desfiles com o enredo “Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda”, a atual campeã levantou a avenida.

“Ver a Imperatriz fazendo a arquibancada cantar, pular e seguir a escola no arrastão foi a imagem da noite. A Imperatriz fez um carnaval que poucas vezes fez na história dela”, resumiu o jornalista Luiz Gustavo Thomaz, especialista em desfiles de carnaval e com longa vivência na avenida e em barracões de escolas de samba.

Thomaz apontou como destaques positivos os desfiles de Beija-Flor e Grande Rio. Por outro lado, o Salgueiro foi avaliado como “a decepção da noite”, enquanto Porto da Pedra e Unidos da Tijuca ficaram abaixo das demais. 

A segunda noite de apresentações, nesta segunda-feira de carnaval, terá, pela ordem: Mocidade, Portela, Vila Isabel, Mangueira, Paraíso do Tuiuti e Viradouro.

Confira os destaques da primeira noite de desfiles do Grupo Especial

Unidos do Porto da Pedra

A Porto da Pedra voltou ao Grupo Especial após dez temporadas de ausência. A escola abriu a primeira noite de desfiles com uma homenagem ao Lunário Perpétuo, um livro histórico, escrito pelo matemático, astrônomo e naturalista espanhol Jerónimo Cortés, publicado originalmente em 1594. A obra, que ganhou novas edições ao longo dos séculos, se tornou uma referência para a agricultura, destacando o comportamento dos insetos e as influências da lua para as plantações e teve grande influência na sabedoria popular do Nordeste brasileiro.

Na avenida a escola impressionou pela imponência da apresentação, especialmente no abre-alas, mas teve graves problemas na concentração com o último carro. Houve “buracos” no desfile que, segundo Thomaz, devem levar a escola de volta ao grupo de acesso, a não ser que haja problemas maiores com escolas do segundo dia.

Beija-Flor de Nilópolis

Terceira maior vencedora do carnaval do Rio, a Beija-Flor foi à avenida em busca do 15º troféu contando a história da capital alagoana, Maceió, com um mergulho no carnaval da cidade. O personagem central do enredo é Rás Gonguila, engraxate nascido no início do século 20 e fundador do bloco Cavaleiro dos Montes, que fez história na cidade, saindo às ruas por décadas com muita resistência.

O desfile foi o primeiro da escola sob a batuta do carnavalesco João Vitor Araújo. A agremiação teve uma apresentação plasticamente muito bonita, e o enredo foi bem desenvolvido. Porém, teve problemas de evolução de alguns integrantes tiveram de correr. O samba também não rendeu o suficiente na avenida.

Acadêmicos do Salgueiro

“A decepção da noite”. Apontada como uma das favoritas pela crítica especializada antes do carnaval, a Acadêmicos do Salgueiro apresentou enredo que homenageia os indígenas Yanomami, falando de suas mitologias, e levantou um alerta em defesa da Amazônia. Porém, segundo Luiz Gustavo Thomaz, a apresentação ficou abaixo do esperado.

“É um enredo muito forte, de mensagem, de narrativa. O carnavalesco [Edson Pereira] é muito bom na plástica dos carros, nas imagens, mas muitas vezes não tem muito o que dizer. Em um enredo como esse é preciso passar uma mensagem muito clara. O enredo até teve sua parte crítica, mas desenvolveu de uma forma ruim”, avaliou Thomaz.

Grande Rio

A temática indígena também esteve presente no desfile da Grande Rio, que em 2022 foi campeã pela primeira vez. A escola apresentou o enredo “Nosso destino é ser onça”. O animal é considerado poderoso e um símbolo divino segundo a mitologia tupinambá. A apresentação procurou mostrar as representações do felino na cultura brasileira de diversas formas.

A escola foi muito bem, com destaque para alegorias e fantasias. O samba-enredo e a bateria renderam na avenida. O enredo tem algumas subjetividades, e não é possível prever como será avaliado, mas a escola pode sonhar com o título, a depender também das apresentações da segunda

Unidos da Tijuca

A Unidos da Tijuca decidiu contar as fábulas de Portugal com o enredo “Contos de Fados”. A escola apresentou fatos, lendas e mistérios sobre a formação do país e os séculos que vieram. O tempo de escravidão não foi esquecido: “Portugal das glórias que revelam o passado, ao monstro que sangrou escravizados”, cantou o samba-enredo da escola, que conquistou o título do carnaval carioca pela última vez em 2014.

Para Thomaz, a Unidos da Tijuca apresentou um enredo “quadrado e datado” e teve uma comissão de frente fraca. Foi um desfile problemático e “sonolento”, e teria problemas para evitar o rebaixamento não fossem os problemas da Porto da Pedra.

Imperatriz Leopoldinense 

Campeã do Grupo Especial em 2023 com enredo sobre Lampião, a Imperatriz Leopoldinense fechou a primeira noite de desfiles com mais referências à cultura nordestina. O enredo “Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda” foi baseado em um cordel escrito há mais de um século pelo poeta paraibano Leandro Gomes de Barros. O texto original fala sobre uma cigana que deixou um testamento que se tornou um verdadeiro manual da sorte.

A escola fez um desfile que beirou o impecável. O samba-enredo empolgou, a bateria foi muito bem e o conjunto funcionou. Dois carros alegóricos tiveram problemas de iluminação e isso pode fazer com que a escola perca alguns décimos na avaliação dos jurados, mas, no geral, foi muito bem.

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(*) Reportagem de Felipe Mendes