A queda do céu

Povo Yanomami é tema de enredo do Salgueiro, terceira a desfilar neste domingo no Rio

Elogiado pelo ator e ambientalista Leonardo DiCaprio, o enredo é inspirado na obra da liderança Yanomami Davi Kopenawa. Desfile terá representantes de outras etnias

Acervo/Ministério da Saúde
Acervo/Ministério da Saúde
Povo Yanomami está há mil anos onde atualmente é a maior Terra Indígena brasileira, alvo da cobiça de invasores

São Paulo – A Acadêmicos do Salgueiro, do Grupo Especial do carnaval carioca, sétimo lugar no carnaval de 2023, traz para a avenida neste ano um tema de grande relevância: a defesa do povo Yanomami. O enredo foi inspirado no livro A Queda do Céu, espécie de Bíblia narrada por Davi Kopenawa a Bruce Albert (Companhia das Letras). O tema foi elogiado esta semana pelo astro de Hollywood e ambientalista Leonardo DiCaprio. “O ritmo do samba pulsa para ajudar a proteger o maior grupo indígena da Amazônia que vive em relativo isolamento – o povo Yanomami”, escreveu em sua conta no Instagram.

“Durante anos, o povo Yanomami sofreu violência brutal de garimpeiros e seus financiadores. A mineração ilegal contaminou suas águas e levou a uma crise humanitária de desnutrição, malária, pneumonia e outras doenças que aumentaram as taxas de mortalidade infantil.”

Com o enredo Hutukara, de autoria do carnavalesco Edson Pereira, o Salgueiro, terceira escola a desfilar neste domingo (11), falará sobre a mitologia Yanomami, defenderá a preservação dos povos originários e da Amazônia. Segundo o enredista Igor Ricardo, a ideia partiu do presidente André Vaz, quando foram divulgadas as reportagens sobre a situação em Roraima, em janeiro do ano passado.

“E a mensagem do enredo, eu acho que é muito isso que o Davi (Kopenawa) falou com a gente: você só respeita aquilo que você conhece. A gente não conhece o povo Yanomami. Nós só vemos uma coisa na televisão que não são eles. Nossa proposta é fazer com que todos, de certa forma, possam conhecer um pouco do que é o povo Yanomami, para que a gente possa, no final, virar amigo deles”, disse.

Segundo ele, o último setor do desfile trará representação de outros povos originários. “A gente quer virar amigo de todos os povos originários, já que eles são os donos dessa terra. Eles foram os primeiros a chegar aqui. Quando a gente chegou, eles já estavam aqui. A nossa proposta é isso, que a gente respeite eles. E respeito, a gente só tem por aquilo que conhecemos”, disse Igor.

Como será o desfile

Setor 1 – Hutukara ou Chão de Omama: Vai abordar a mitologia, a cosmologia do povo Yanomami segundo narrado em A Queda do Céu. Nele, em um primeiro tempo, a terra-floresta Hutukara era muito fraca. Então Omama resolveu derrubar o céu para refazer essa Hutukara mais forte, mais sólida. Por isso hoje o Yanomami acredita viver em um segundo tempo, em uma segunda Hutukara. Essa Hutukara será apresentadas por espíritos da floresta, seres de luz, seres xapiris, que falam com os xamãs.

Setor 2 – Caço de tacape – vai mostrar o dia a dia da aldeia Yanomami: a pesca, a caça, as mulheres indo para a roça, colhendo os seus frutos, as festas da aldeia.

Setor 3 – Mostra a chegada do garimpo ilegal na terra Yanomami pelos humanos, no período militar, com os planos de integração nacional. A harmonia com a natureza do segundo setor é então interrompida. Há os primeiros choques dos Yanomami com os brancos, a chegada das doenças. Tudo isso na perspectiva da cosmologia Yanomami.

Setor 4 – Vai mostrar fatos, curiosidades e tudo o mais que envolva os Yanomami: está na maior terra indígena o ponto mais alto do Brasil, o Pico da Neblina, por exemplo.

Setor 5 – Fecha o desfile com a união dos Yanomami com outros povos da floresta que existem no país e igualmente são perseguidos. Virão representantes daqueles que vivem no Vale do Javari, onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados, do povo Xokleng, de Santa Catarina, cuja disputa motivou ação que culminou com o julgamento do Marco Temporal.

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Como destaca o Salgueiro em sua página sobre o enredo, “o povo Yanomami vive há mil anos na região que atualmente corresponde à maior Terra Indígena (TI) do país, em um território ao norte do Brasil e sul da Venezuela, nos estados do Amazonas e Roraima, nas bacias do Rio Negro e do Rio Branco”. Ou seja, quinhentos anos antes desses dois países existirem, eles já estavam lá. Viver na floresta é um ofício que requer uma sabedoria ancestral, não fabricada em laboratório, nem encontrada nas páginas dos livros do “povo da mercadoria”. Viver na floresta como Yanomami é ser parte dela. É conviver com seres humanos e não humanos, animais, plantas, vento, chuva e milhares de espíritos.

FICHA TÉCNICA

Hutukara é o título do enredo do Salgueiro para o carnaval 2024

Com o título Hutukara, que na língua Yanomami significa “o céu original a partir do qual se formou a terra”, o enredo abordará as mitologias, costumes e vida dos Yanomami, além de enfatizar a importância da preservação amazônica. 

“Viver na floresta é um ofício que requer uma sabedoria ancestral, não fabricada em laboratório, nem encontrada nas páginas dos livros do “povo da mercadoria”. Viver na floresta como Yanomami é ser parte dela. É conviver com seres humanos e não humanos, animais, plantas, vento, chuva e milhares de espíritos”, explica a sinopse do enredo da branca e vermelha da Tijuca, zona norte do Rio.

O enredo, assinado por Igor Ricardo junto com o carnavalesco Edson Pereira, teve colaboração do líder indígena e escritor Davi Kopenawa, e de Marcos Wesley, do Instituto Socioambiental (ISA). 

Confira a letra do samba enredo: 

“É HUTUKARA! O chão de Omama
O breu e a chama, Deus da criação
Xamã no transe de yakoana
Evoca Xapiri, a missão…

HUTUKARA, ê! Sonho e insônia
Grita a Amazônia, antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original
Eu aprendi português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora, (bis)
É luta sem Flecha, da boca pra fora!

Tirania na bateia, militando por quinhão,
E teu povo na plateia, vendo a própria extinção
“Yoasi” que se julga: “família de bem”, (bis)
Ouça agora a verdade que não lhe convém:

Você diz lembrar do povo Yanomami em dezenove de abril,
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome,
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau Brasil!
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso,
Não queremos sua “ordem”, nem o seu “progresso”

Napê, nossa luta é sobreviver!
Napê, não vamos nos render!
YA TEMI XOA! aê, êa! (bis)
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!”