‘Cidadão Boilesen’ resgata personagem da ditadura

(Foto: Divulgação) São Paulo – Quem foi Henning Albert Boilesen? A resposta curta: um empresário dinamarquês radicado no Brasil, que se envolveu com o governo militar. Para uma resposta mais […]

(Foto: Divulgação)

São Paulo – Quem foi Henning Albert Boilesen? A resposta curta: um empresário dinamarquês radicado no Brasil, que se envolveu com o governo militar. Para uma resposta mais longa e bastante aprofundada, pode-se assistir ao documentário “Cidadão Boilesen”, que estreia em São Paulo na sexta-feira.

O filme é um projeto pessoal do diretor, Chaim Litewski, que ao longo de mais de 15 anos colheu depoimentos, pesquisou arquivos de jornais e televisão e compôs um panorama de um personagem que a história recente do Brasil parece querer esquecer.

Grande vencedor do festival de documentários É Tudo Verdade, em abril passado, o longa de Litewski pega emprestado não apenas a referência ao título do clássico “Cidadão Kane”, mas também a estrutura.

O documentário, tal qual a obra-prima de Orson Welles, é o retrato de um personagem construído por meio de depoimentos daqueles que conviveram com ele. A diferença é que Litewski não fala de um magnata da comunicação mas de um empresário que se envolveu com a ditadura militar e apoiou financeiramente a tortura de presos políticos.

Essa figura controversa, que chegou a ganhar o título de o Homem das Relações Públicas de 1964, foi presidente do Grupo Ultra — que produz gás de cozinha — e liderava um esforço para recolher doações do empresariado paulista para a formação e manutenção da Operação Bandeirantes — mais conhecida como Oban — que prendia e torturava pessoas consideradas subversivas.

Tudo isso está muito claro em depoimentos em “Cidadão Boilesen”. O mais importante é que o diretor dá voz não apenas a ex-guerrilheiros, como também a militares e ao próprio Henning Albert Boilesen Jr., que até hoje diz “não saber” porque mataram o pai.

A montagem do filme, assinada por Pedro Asberg e o diretor, coloca lado a lado depoimentos que se complementam ou contradizem. O ex-coronel Brilhante Ustra, por exemplo, diz que Boilesen foi apenas uma vez ao DOPS, na época do Natal, para cumprimentar o militar. Na sequência, um ex-agente da Oban conta que o empresário era figura frequente nos corredores do departamento e que era amigo de todos eles.

Aos poucos, fazendo um retrato tão específico, “Cidadão Boilesen” se aprofunda em algo de maior alcance. Ao abordar Boilesen com seus paradoxos e contradições, o filme faz um mergulho na própria natureza do ser humano.

Como se descobre mais tarde, há uma anotação num boletim escolar dele, quando ainda criança na Dinamarca. Uma vez ele parece ter sentido prazer de ver amigos sendo punidos por deslizes. Já estaria dentro dessa criança o a essência do empresário que décadas mais tarde iria ao DOPS assistir a sessões de tortura?

“Cidadão Boilesen” não pretende responder nem essa, ou qualquer outra pergunta, mas levantar discussões que a sociedade brasileira parece não querer encarar de frente.

Trinta anos depois da anistia, pouco ou nada se fala sobre a tortura durante o regime militar. Alguns, inclusive, até negam que isso tenha ocorrido.

Um dos entrevistados no filme, o historiador Daniel Aarão Reis Filhos, no entanto, afirma que caminhonetes do jornal “Folha de S. Paulo” eram cedidas para o trabalho de busca, apreensão e transporte de presos políticos que eram levados para os porões da ditadura.

No filme, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dá um depoimento bastante sensato e elucidativo. Ele diz que “mais importante do que o apoio financeiro dos empresários para a Oban, foi o apoio político”.

“Cidadão Boilesen” sustenta que apenas dois empresários se recusaram a colaborar com a ‘vaquinha’ da Oban: José Mindlin e Antonio Ermírio de Moraes.

Fonte: Reuters

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