Um ano após acidente, bondinhos de Santa Teresa permanecem parados

Previsão do governo estadual é que os 14 novos veículos somente comecem a circular no segundo semestre de 2014. Missa e manifestação na praia lembram o aniversário da tragédia

Os moradores fazem uma série de manifestações para lembrar o bondinho e cobram que a reabertura se dê nos moldes originais (Foto: Fábio Teixeira. Folhapress)

Rio de Janeiro – Hoje (27) faz exatamente um ano que o tradicional e turístico bairro carioca de Santa Teresa não é mais o mesmo. Em 27 de agosto do ano passado, um dos bondinhos que circulam pelas ladeiras do bairro, desgastado pelo uso e pela falta de manutenção, perdeu o freio, saiu dos trilhos e se chocou contra um muro na Rua Joaquim Murtinho. O acidente provocou a morte de seis pessoas e deixou 56 feridos.

A dor da tragédia ainda se faz presente entre os habitantes de Santa Teresa. Queiram ou não, o acidente é relembrado a cada manhã, pois, desde que aconteceu, os bondinhos nunca mais voltaram a circular. Um ano depois, o episódio já se torna emblemático do descaso do poder público e da morosidade da Justiça no Rio de Janeiro. Além de ninguém ter sido até aqui responsabilizado pelo acidente, as pendências burocráticas e entraves judiciais fazem com que a previsão – otimista – para o retorno dos bondinhos à circulação seja feita para o segundo trimestre de 2014. 

Responsável pela operação dos bondes em Santa Teresa, a Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central) conduz o processo de modernização da frota e do sistema. O governo estadual espera que 14 novos bondinhos comecem a circular em dois anos, com custo de fabricação estimado em R$ 49 milhões. A lentidão do processo, entretanto, faz com que moradores do bairro já comecem a questioná-lo. 

Essa tendência tende a se agravar desde 17 de agosto, quando a empresa TTrans foi anunciada pelo governo estadual como vencedora da homologação para a construção dos novos bondinhos. A empresa é a mesma que em 2005 se responsabilizou pela reforma da velha frota, que não foi concluída a contento, já que todos os bondinhos estão parados desde o acidente. 

Para poucos

Integrantes da Associação dos Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) reclamam que o novo sistema de bondinhos, na forma como está sendo imaginado pela Central, será bem diferente daquele consolidado durante décadas e que foi considerado patrimônio cultural do Rio de Janeiro. De acordo com o projeto do governo, os novos veículos não terão mais estribo, serão fechados e comportarão apenas 24 passageiros sentados. 

Os moradores do bairro não gostaram das novidades: “Vai mudar tudo. O governo quer privatizar e elitizar o bondinho e fazer com que o sistema seja voltado apenas para o atendimento aos turistas. Queremos o bondinho moderno e seguro, mas em sua forma tradicional’, diz Álvaro Braga, diretor da Amast. 

Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente da Central, Eduardo Macedo, afirma que “é hora de avançar” e que a divulgação do edital para a aquisição dos novos trilhos (a nova malha terá 14 quilômetros) se dará ainda em agosto. Segundo ele, o atraso na entrega dos novos bondinhos está sendo motivado, sobretudo, pela disputa em torno de “questões menores” levantadas pelos moradores de Santa Teresa: “O nosso projeto preserva o tombamento do sistema, apenas não vamos mais permitir que passageiros viajem em pé. O problema é que a Amast sabe o que não quer, mas não sabe o que quer. As demandas por questões menores atrapalham o processo”, diz. 

Lembrança

Um ato realizado ontem (26) na orla de Ipanema lembrou o primeiro aniversário da tragédia do bondinho de Santa Teresa. Cerca de 200 pessoas participaram da manifestação, que pediu a volta dos bondinhos e criticou a falta de responsabilização pelo acidente, além da escolha da TTrans como construtora dos novos carros. Para alegria das crianças, uma réplica em miniatura do bondinho foi levada à praia – que estava cheia – pelos manifestantes. 

Em Santa Teresa, foi celebrada uma missa pela passagem da data. Realizada na Igreja Matriz do bairro, a missa reuniu dezenas de moradores e foi encomendada por Dulce Araújo Silva, viúva do motorneiro Nélson Correia da Silva. Durante a cerimônia, Dulce conversou com jornalistas e contou que desde a perda do marido não recebeu nenhuma indenização do governo, nem mesmo o seguro previsto em caso de acidente. 

Nélson se tornou um personagem maior da tragédia depois de o secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, ter afirmado horas após o acidente que o motorneiro seria o culpado pelo bondinho ter saído dos trilhos. Mais tarde, o laudo técnico comprovou que a falha acontecera no equipamento excessivamente desgastado e que Nélson havia feito tudo corretamente para tentar, em vão, controlar o bodinho. 

O testemunho de alguns sobreviventes também dá conta de que o acidente poderia ter sido muito pior e que a habilidade do motorneiro ajudou a salvar algumas vidas. O secretário, no entanto, jamais se retratou publicamente com a viúva. Por outro lado, o sorriso de Nélson, conduzindo alegremente um bondinho pelas ruas de Santa Teresa, está eternizado em uma pintura feita pelo artista plástico Marcos Jambeiro, morador do bairro, em um muro da fatídica Rua Joaquim Murtinho.