Desinformação é comum em comunidades atingidas por obras de megaeventos

Conclusão é de grupo de trabalho vinculado à presidência da República que visitou seis cidades-sede da Copa e esteve hoje em São Paulo. Relatório será apresentado esse semestre

Obras de infraestrutura do Itaquerão mobilizam a comunidade da Paz, que teme desapropriação (Foto: Copa2014.gov.br)

São Paulo – “A gente sabe que as coisas demoram, mas ali eles estão subindo rapidinho. Em menos de seis meses já fizeram muita coisa. Agora, aqui, para nós, nada”, reclama Sandro Oliveira. Quando fala “ali” ele refere-se ao estádio Itaquerão, e “aqui”, à comunidade da Paz. A favela que mistura casas de alvenaria e madeira é a mais próxima da sede de abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Apesar de oficialmente a comunidade da zona leste de São Paulo não ser atingida por obras de infraestrutura para a realização do megaevento, desde que a Copa foi confirmada os moradores sofrem com a desinformação e ameaças de remoção.

Relatos de desrespeito a direitos foram coletados na manhã de hoje (2) pelo grupo de trabalho Direito Humano à Moradia Adequada do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que faz em São Paulo, entre hoje e amanhã, a última etapa de uma jornada por seis cidades-sede do evento esportivo.

“Algumas obras não têm a ver com a Copa, mas com um processo de valorização de áreas”, afirma Nelson Saule Junior, membro do grupo de trabalho e urbanista do Instituto Pólis. Em outras cidades visitadas, como Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Rio de Janeiro, o mesmo estaria acontecendo. “A Copa poderia passar sem o metrô de Fortaleza, por exemplo. Vai ser uma barbaridade, vai passar por cima de bairros e mais bairros”, relata o subprocurador da República Eugênio Aragão. Além do uso do rótulo “Copa do mundo” para justificar obras de grande impacto, Aragão aponta a falta de informação para os moradores como traço comum nas cidades visitadas. “A desinformação parece fazer parte da metodologia, até para diminuir a resistência das famílias”, afirma.

Os moradores da comunidade da Paz, por exemplo, contam que souberam por acaso que uma ordem de reintegração de posse havia sido emitida no ano passado e que deveria ser cumprida no próximo dia 26. Segundo Almeida, o secretário municipal de Habitação, José Floriano de Azevedo, prometeu em reunião no dia 22 de março que a ordem seria suspensa, já que se tratava de um “contrassenso” o pedido ser feito pela Cohab.

A previsão da construção de um parque linear na área onde está a favela é anterior ao anúncio da Copa. Mas a confirmação do torneio acelerou o projeto. A área é, segundo a comunidade, a que sofre mais assédio do poder público, apesar de haver outras em Itaquera no caminho das obras de infraestrutura do evento. “Tem tanta obra que nunca sai do papel. Essa poderia ser mais uma, estava esquecida. Mas a ideia de embelezar o entorno deu força”, explica o professor Valete de Almeira, morador da região.

A comunidade fica em um terreno da Cohab à beira de um córrego e embaixo da estrutura elevada por onde passa o metrô da linha vermelha. Em função das condições precárias das habitações e do terreno, a maioria dos moradores não quer ficar no local, mas deseja que a remoção só ocorra quando houver garantia de que terá acesso a moradias dentro da sua capacidade de pagamento na região. “Aqui é perto de tudo. Tem o metrô, tem mercado, tem escola, tem hospital”, elenca Oliveira. Ele conta que do lado da avenida oposto à favela, os aluguéis não são menores que R$ 500 e que o auxílio-aluguel oferecido pela prefeitura é de R$ 300.

Em São Paulo, o grupo de trabalho também visitou a comunidade de Parada de Taipas, atingida pelas obras do Veículo Leve sobre Trilhos e do Rodoanel, e a Ocupação Mauá, no centro da cidade.

As informações recolhidas serão debatidas amanhã com representantes da prefeitura e governo do estado, além de representantes do poder judiciário, ministério público e defensoria.

Ainda neste semestre será apresentado um relatório apontando os principais desrespeitos ao direito à moradia nas cidades visitadas e recomendações aos governos municipais, estaduais e federal.