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Projeto de lei ameaça tombamento de imóveis em Belo Horizonte

PL flexibiliza legislação municipal e pode aumentar ação da especulação imobiliária

Haroldo Kennedy / Creative Commons 2.0 Generic

Capital mineira também é alvo do avanço sem freios do mercado imobiliário sobre o patrimônio histórico

Belo Horizonte – A cidade de Belo Horizonte, outrora conhecida por “Cidade Jardim” por manter seu patrimônio e naturezas vivos, pode perder suas características. Um projeto em tramitação na Câmara dos Vereadores pode ameaçar o tombamento de 1.200 imóveis na capital mineira. A proposta estipula um prazo máximo de 90 dias para que seja emitido um parecer sobre a proteção de um imóvel. Se o período se esgotar, nova notificação para tombamento somente poderia acontecer um ano depois. Vários especialistas e militantes na área do patrimônio contestam esse período de 90 dias, considerando-o insuficiente para se fazer o levantamento histórico do imóvel.

Um dos bairros que será mais afetado com a medida é Santa Tereza, na zona leste. Conhecido por ser uma localidade boêmia, o bairro é conhecido nacionalmente por apresentar ao Brasil e ao mundo nomes de expressão na cultura, como o Clube da Esquina, Skank e Sepultura. O projeto atinge em cheio o bairro, que possui o maior número de casas em processo de preservação – 288 imóveis, muitos deles datados do início do século 20. Santa Tereza foi recentemente beneficiado pela proteção do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, conquista do Salve Santa Tereza, movimento de moradores da região que lutam contra a verticalização do bairro.

Segundo a jornalista Brígida Alvim, moradora do bairro e integrante do movimento, o projeto é uma grande ameaça aos bens culturais da cidade. “Tal como é proposto o projeto de lei, colocando o prazo máximo de 90 dias para conclusão do tombamento, podendo a partir deste prazo invalidar o processo e impedir que nova indicação seja feita no período de um ano, muito provavelmente se tornaria inviáveis os processos de tombamento de bens culturais em Belo Horizonte. O tombamento é realizado a partir da elaboração de um dossiê minucioso e criterioso, que envolve várias etapas de estudos, avaliações multidisciplinares, respeitando-se prazos para que proprietários sejam devidamente notificados e possam tirar as dúvidas ou contestar a deliberação. Esse processo é complexo e demorado, portanto fixar prazo de três meses para que aconteça é o mesmo que querer abortá-lo. Ou então seria preciso eliminar várias etapas, como, por exemplo, a de avaliação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural, exigida para a abertura e para a conclusão do tombamento”, afirma Brígida.

Segundo ela, é flagrante a demanda da população por mudanças nas leis que regem o patrimônio, principalmente no que tange à falta de prazo para que o processo seja concluído. Porém, o período de análise não pode ser tão exíguo, podendo dar margens à especulação imobiliária. “É positiva a preocupação em melhorar a legislação, buscando soluções que tornem o trâmite mais rápido. O projeto de lei pode até se basear nessa demanda, mas infelizmente está proposto de forma a limar o processo de tombamento e não a contribuir. Em curto prazo, as construtoras e consórcios teriam mais território e facilidades para construir grandes condomínios residenciais e comerciais, avenidas e viadutos em áreas até então preservadas. Sem a garantia da proteção pelo Patrimônio frente à força do mercado imobiliário, a cidade se descaracterizaria rapidamente, perderia traços deixados por antigas gerações, assim como o equilíbrio entre o novo e o tradicional; se tornaria mais vertical e excludente; menos natural, harmônica e agradável”, ressalta a jornalista.

O projeto segue sem a participação de especialistas da área, segundo Brígida. Em entrevista ao jornal Hoje em Dia, o diretor da Fundação Municipal de Cultura, Carlos Henrique Bicalho, observa que o projeto demonstra ignorância do Legislativo Municipal sobre a política de patrimônio. “Se essa medida entrar em vigor, será impossível dar continuidade aos trabalhos”, alerta.

As mudanças previstas no Projeto nº 1.255/2014 foram aprovadas em primeiro turno. Cinco emendas precisam ser apreciadas por duas comissões antes de o texto voltar ao plenário para votação em segundo turno.