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Para economista, passe livre em Porto Alegre depende de confrontar empresas de transporte

Taxação dos lucros dos empresários seria uma solução

Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Milhares de pessoas saíram às ruas em todo o país no mês de julho contra as tarifas e a qualidade do transporte público

Porto Alegre – A liberdade para se cruzar a roleta de qualquer ônibus em Porto Alegre talvez tenha sido a bandeira mais evidente dos protestos que surgiram no início do ano e ganharam força no mês de junho. Foi em busca do passe livre – e de vitórias mais pontuais, como a diminuição imediata do preço da tarifa e maior transparência nas concessões do transporte público – que milhares saíram às ruas tantas vezes em 2013. A ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre foi o último episódio deste processo, que ainda repercute. O Sul21 buscou economistas e experiências próximas para discutir a possibilidade e os meios de se garantir o passe livre na Capital.

A contestação do valor atual da tarifa, o descontentamento com a recente votação no Legislativo que rejeitou emendas da oposição e a denúncia de lucros mal explicados fez com que, no plenário ocupado da Câmara, os manifestantes redigissem seus próprios projetos de lei. As propostas foram discutidas em seminário nos últimos dias 13 e 14 e, das discussões, apresentaram projetos para a abertura irrestrita das planilhas do setor do transporte e para a construção do passe livre para estudantes e desempregados em Porto Alegre. A Câmara permanece ocupada e, até aqui, nenhuma das duas propostas encontrou eco no poder público municipal.

Durante a mobilização no Legislativo, o prefeito José Fortunati (PDT), por sua vez, adiantou: não haveria “de forma alguma” a possibilidade de anunciar o passe livre em Porto Alegre. Nas negociações internas que marcaram o processo de ocupação, parte dos vereadores se comprometeu a votar o projeto de abertura das planilhas de custas; quanto ao passe livre, disseram ser de responsabilidade da prefeitura e do seu orçamento. Por enquanto, as manifestações, nas suas mais variadas formas, parecem distantes do final, da mesma forma com que o passe livre ainda pode ser visto como um anúncio improvável. Mesmo que, muito perto de Porto Alegre, haja casos distintos.

Alternativas

Os dois economistas entrevistados pelo Sul21 coincidiram em diversos pontos sobre a viabilidade financeira do passe livre. Tanto Paulo Muzell como Carlos Schmidt opinaram que a taxação dos lucros das empresas pode ser uma solução para alterações imediatas no preço da tarifa. Qualquer mudança efetiva, no entanto, passaria por uma compreensão real dos dados envolvidos no setor. “A primeira coisa a ser feita é abrir o cálculo e ter o número exato de passageiros transportados. Esta é uma das partes principais”, diz Muzell.

Paulo Muzell diz que a iniciativa anunciada pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), pode servir como exemplo em Porto Alegre. O petista afirmou nesta segunda-feira (15) que pensa em rediscutir o lucro dos empresários do transporte. O economista aponta três medidas iniciais que poderiam levar a transformações na área: “Primeiramente, a publicação dos dados completos do transporte público e uma auditoria das planilhas; depois, a redução das taxas de lucros, como vejo que o Haddad pensa em fazer em São Paulo; e também o passe livre para estudantes de baixa renda”, afirma.

Para Carlos Schmidt, professor de economia da UFRGS e secretário-adjunto do Transporte no mandato do ex-prefeito Olívio Dutra (PT) em Porto Alegre, as soluções desenvolvidas pelo Bloco de Lutas na ocupação da Câmara são adequadas. Schmidt lembra que boa parte dos empresários do setor é a mesma desde os anos 1980, período em que se envolveu diretamente nas discussões sobre a mobilidade urbana da cidade. “Se o regulador não é controlado pelo regulado, a tarifa pode enxugar”, defende o professor.

Schmidt afirma que o custo total do passe livre para estudantes representaria cerca de 0,18% do orçamento total da Prefeitura, ou aproximadamente R$ 38 milhões por ano. Além da taxação dos lucros das empresas que administram os ônibus da capital, haveria outras saídas para se reformular o cenário, como “taxar a especulação imobiliária ou mesmo as grandes propriedades, como sugere a proposta que foi escrita na ocupação”. “Os grandes empreendimentos são, também, os responsáveis por muitas das viagens longas”, afirma Schmidt.

“É como diz uma das faixas que foram vistas nas manifestações: ‘Que os ricos paguem’. E nem é socialismo, estamos num país republicano e podemos pensar nisso”, completa o professor, que participou do seminário realizado no plenário ocupado da Câmara a convite dos manifestantes. Para ele, tão ou mais importante do que as propostas elaboradas foi a mensagem que as mobilizações estão deixando: “Está colocada a ideia de que o Brasil é um país extremamente desigual”.

Baixa renda

Em meio ao impasse entre os manifestantes e a presidência da Câmara de Porto Alegre, representada pelo vereador Thiago Duarte (PDT), a cidade de Cachoeirinha anunciou na manhã de ontem (16) duas medidas relacionadas ao transporte público. A prefeitura irá encaminhar à Câmara o pedido de redução de R$ 0,20 na tarifa e a isenção total para estudantes de baixa renda da cidade.

No ano passado, a passagem de ônibus havia aumentado em Cachoeirinha, mas, segundo o prefeito Vicente Pires (PSB), em 2013 há segurança para se levar a cabo outras medidas, em parte pelas isenções oferecidas pelo governo federal. Para Vicente Pires, “o valor da passagem é o resultado de um processo licitatório, diferentemente de muitas outras cidades”. Além de Porto Alegre, são muitas as cidades gaúchas nas quais o transporte público opera com licitações já vencidas ou mesmo nunca realizadas. Segundo o prefeito, “a mobilização das ruas sempre cobrou uma atitude mais imediata”, mas o Executivo “optou por realizar um estudo detalhado das tabelas do transporte para só então encaminhar propostas”.

A auditoria das contas do transporte público teria iniciado ainda em março. Em Cachoeirinha, o plano para a redução da passagem e o anúncio do passe livre estudantil passa por um corte no repasse dos recursos da prefeitura ao Legislativo. “Com as mobilizações, vi que seria possível trabalhar politicamente nesse sentido. Disse aos vereadores de Cachoeirinha que era o momento de reduzir o repasse ao Legislativo. Com esta redução, seria possível modificar os custos”, afirma Vicente. A grande maioria dos vereadores da cidade pertence à base política do prefeito, de modo que as mudanças podem ser aprovadas em poucas semanas.

Cerca de 1.600 estudantes de baixa renda seriam beneficiados pela isenção neste primeiro momento. “O custo para a prefeitura deve ser próximo aos 150 mil reais mensais, que é o valor que acabará sendo devolvido pela Câmara com a redução do repasse”, afirmou. Em Porto Alegre, os manifestantes pedem as reformas no transporte público a partir da taxação direta do lucro dos empresários – a alternativa, segundo o prefeito, não foi levada em conta no exemplo de Cachoeirinha. “Para ser sincero, isso não foi discutido. Até porque aqui houve a licitação, e a margem de lucro está dentro dos valores aceitáveis”, resumiu.

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