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Moradores são agredidos por policiais em ocupação de Porto Alegre

Sem-teto dizem que Brigada Militar invadiu ocupação na madrugada da última quarta-feira à procura de drogas e armas. 'Deitaram a gente no chão e aí começaram a bater e chutar mesmo', relata morador

Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul quer realizar audiência para discutir a violência policial

Porto Alegre – Na madrugada de quarta-feira (25), quatro moradores da Ocupação Saraí, no centro de Porto Alegre, tentavam consertar um vazamento de água ao lado do prédio onde moram, com cerca de outras 60 pessoas, na esquina da Rua Caldas Júnior com a Avenida Mauá, quando uma viatura da Brigada Militar se aproximou. Com as luzes desligadas, quatro policiais, que não portavam nenhum tipo de identificação, desceram do veículo e abordaram os homens à procura de drogas e armas. Rapidamente, os moradores correram para a porta do prédio, sem conseguir impedir a entrada dos policias.

“Eles não tentaram conversar nem nada. Não pediram identificação, carteira de identidade, nada. A gente foi entrar no prédio e eles vieram junto, invadiram, meteram o pé na porta. Deitaram a gente no chão e aí começaram a bater e chutar mesmo… Eles torturaram a gente”, conta Francisco — que não deseja se identificar — , de 38 anos, com o braço enfaixado e um enorme inchaço atrás da cabeça. Ele foi o mais agredido do grupo. “Ficavam pisando na minha cabeça, entendeu?” dimensiona.

Paula, de 50 anos, é coordenadora de alimentação da ocupação. Ela percebeu o tumulto e desceu as escadas do primeiro andar, na entrada do prédio, para tentar conversar com a polícia. “Eu tentei explicar pra eles que era um prédio de moradia popular, de famílias, de gente trabalhadora. Aí um deles, que estava na rua, entrou pela porta e gritou pra mim ‘Sobe, mulher!’ E eu disse que não, pois eu estava com medo que eles fizessem algo pior com os guris. Aí ele pegou o cassetete e bateu no meu braço, com tudo”, conta.

Ao proteger a cabeça com as mãos de uma coronhada, Leandro, de 18 anos, acabou duplamente ferido. Ele tinha agendado tirar a carteira de trabalho na tarde de quarta-feira, mas, por causa da mão machucada, não pôde: “Não consegui nem escrever direito.”

Segundo o instrutor de dança Cledenilson, de 20 anos, o conflito durou cerca de 15 minutos. Com o rosto marcado por uma pancada de cassetete, ele conta que, antes de saírem, os policiais utilizaram spray de pimenta no rosto dos moradores, alegando como “Uma lembrança da Cruzeiro”. Leandro complementa: “Depois disso disseram também pra gente não se levantar, que se a gente levantasse eles iam atirar.”

O Major André Luiz Córdova, comandante do 9º Batalhão da Brigada Militar — responsável pelo policiamento da região central de Porto Alegre –, afirmou que não há nenhum registro de despacho de viatura para o local no dia do episódio. Para encaminhar o caso à Justiça, foi instaurado um inquérito para reunir provas sobre a agressão, o que deve ficar pronto em 40 dias. “A partir de agora vamos apurar os fatos e reunir dados, fazer o reconhecimento, se for necessário. Independentemente dos fatos, isso vai chegar à Justiça”, garantiu. A Brigada Militar afirma ainda, que o prefixo da viatura, percebido pelos moradores como “8517”, não corresponde a nenhum carro do 9º Batalhão.

A Ocupação Saraí está no local desde o dia 28 de agosto, pela quarta vez desde 2005. Abandonado há mais de 20 anos, o prédio figurou em propriedade da Caixa Econômica Federal, e no ano de 2004 foi repassado para a Risa Administração e Participações Ltda., que obteve na justiça a reintegração de posse do prédio no início de setembro. Esta decisão obriga o despejo das cerca de 30 famílias ligadas ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia, que vivem lá de forma comunitária.

Divididas em equipes que cuidam da limpeza, da cozinha, da segurança, infraestrutura, da comunicação e das crianças, duas vezes por dia todos os moradores da ocupação se reúnem para discutir os principais assuntos quanto ao andamento da morada coletiva. Para evitar brigas, os problemas de cunho coletivo e pessoal são resolvidos no grande grupo, que estabelece as regras de convivência. “Aqui nós não somos 30 famílias, nós somos uma família só” afirma Paula, e contextualiza que lá vivem desde pessoas idosas, na faixa dos 70 anos, até crianças pequenas.

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH), presidida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT), esteve na ocupação ontem à tarde, após aprovar uma audiência pública sobre o caso. A comissão já estava em diálogo com o Movimento Nacional da Luta pela Moradia, à frente da ocupação, e agora tenta agilizar uma data para que a audiência seja realizada em breve. Segundo a coordenadora da Comissão, Carina Silva, a medida agora é “pressionar a prefeitura para que seja disponibilizado outro lugar para essas famílias ficarem, e que isso aconteça sem violência”.

As famílias recorrem na justiça com um agravo pedindo a suspensão da reintegração de posse do prédio.