Barbárie

Linchamento em São Paulo reforça importância de acesso à Justiça e de combate a ‘fakes’ e cultura de ódio

Para ex-deputada Manuela d’Ávila, é preciso garantir políticas efetivas de combate ao discurso de ódio e à desinformação, dentro e fora das redes sociais

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Osil Vicente Guedes, de 49 anos, foi linchado até a morte, após 'fake news' sobre roubo de moto

São Paulo – Um homem morreu ontem (7) em Guarujá, litoral sul paulista, após ter sido espancado quatro dias antes pela acusação de ter roubado uma moto. A morte após linchamento reforça a importância de promover acesso à Justiça e de garantia ao devido processo legal, o que separa uma sociedade moderna da barbárie pura e simples, avalia o presidente da Comissão de Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil São Paulo (OAB-SP), Caio Mendonça Ribeiro Favaretto.

O processo legal corresponde à garantia ao direito de defesa, de ser julgado por um juiz imparcial e a ter o direito a recorrer de uma decisão. “É justamente ao longo desse processo em que será apurado se determinada pessoa cometeu um ato criminoso e, se sim, de que forma e qual deverá ser a punição adequada de acordo com o contexto”, observa.

A morte foi confirmada pela prefeitura de Guarujá. Uma pessoa que estava no local flagrou as agressões em vídeo. O Hospital Santo Amaro confirmou que o homem deu entrada na quarta-feira (3), inconsciente e intubado. A morte encefálica, devido a traumatismo craniano, ocorreu no domingo, e o corpo foi levado ao Instituto Médico-Legal (IML) de Praia Grande.

A Secretaria de Segurança Pública do estado informou que a Polícia Civil foi comunicada sobre a morte ainda no domingo. “A natureza da ocorrência foi modificada para homicídio e o irmão da vítima foi ouvido. Diligências prosseguem visando ao esclarecimento dos fatos”, informa a secretaria, acrescentando que detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial. Conforme nota do Ministério Público de São Paulo (MPSP), a Promotoria de Justiça de Guarujá informou que, até o momento, o inquérito policial relativo ao caso não foi distribuído.

Justiçamento não é justiça

“Acredito que exista uma percepção geral de que a justiça no Brasil é falha, onde os processos acabam prescrevendo, os crimes não são devidamente investigados e assim por diante. De fato, há uma série de aprimoramentos técnicos, processuais e culturais que poderiam aperfeiçoar o acesso à Justiça no país, mas nada pode justificar cenas lamentáveis e bastante comuns como essas onde o cidadão toma para si a capacidade de apurar, julgar e executar a pena de um suposto infrator”, disse Caio Favaretto.

Para o advogado, a questão passa por julgar melhor e mais rápido, sem a produção de injustiças e sem que se perca a clareza das singularidades de cada caso.

“Promover um melhor acesso à Justiça é parte fundamental do processo de nos distanciarmos de mecanismos bárbaros como linchamentos, execuções, falsas denúncias e outras formas violentas de injustiça.”

Cultura da violência

Questionado sobre a prática de submeter criminosos à violência ter sido absorvida pela polícia e pelo Judiciário, ele avalia que há uma cultura de violência policial bastante presente no Brasil. Muitas vezes, avalizada pelos tribunais. Para ele, o trabalho das polícias é fundamental tanto no patrulhamento ostensivo como na investigação de práticas criminosas. “E que esse trabalho tem sido bastante subvalorizado ao longo das últimas décadas com longas jornadas, plantões, baixa remuneração e condições de trabalho”, ressalva.

“No entanto, acredito também que o aumento vertiginoso dos chamados autos de resistência, ou seja, situações em que suspeitos são mortos após terem, em tese, entrado em confronto com forças policiais, indica que há não só uma cultura de extermínio, mas também profundo despreparo técnico para lidar com uma sociedade cada vez mais armada e violenta como a brasileira”, acrescentou o representante da OAB.

Políticas públicas

Para a ex-deputada Manuela d’Ávila, fundadora do instituto E Se Fosse Você?, também é preciso garantir políticas efetivas de combate ao discurso de ódio e à desinformação, dentro e fora das redes sociais. Pelas redes sociais, ela também defendeu esforços em educação midiática e regulação das plataformas para construção de uma sociedade livre da violência.

“Você entende a gravidade disso? Uma pessoa foi assassinada por conta de um boato, uma mentira… E o pior: não é a primeira vez que isso acontece. Há exatos 9 anos, uma mulher foi assassinada após ser falsamente acusada de sequestrar uma criança para “rituais de magia negra”. O que os dois têm em comum? Ambos foram vítimas de desinformação.”

Com informações da Agência Brasil


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