Justiça

Júri popular condena assassino de sem-terra a 19 anos de prisão por crime de homofobia

Lindolfo Kosmaski, de 25 anos, foi assassinado em 1º de maio de 2021. Teve seu corpo carbonizado. A sentença confirmou a acusação de crime de ódio contra uma pessoa LGBT

Wellington Lenon
Wellington Lenon
Em homenagem a Lindolfo Kosmaski, um protesto silencioso contra a homofobia que tanto mata no Brasil

São Paulo – O Tribunal do Júri de São João do Triunfo, região sul do Paraná, condenou o assassino do sem-terra Lindolfo Kosmaski, Robson José Voinarski, a 19 anos e 6 meses de prisão por crime de homofobia. O julgamento ocorreu quase dois anos após o corpo do jovem ter sido encontrado carbonizado, em 1º de maio de 2021, naquele município.

O juiz Gyordano Weschenfelder Bordignon leu a sentença na madrugada de ontem (19) para familiares, amigos e colegas de trabalho de Lindolfo, que acompanharam todo o julgamento. O júri acolheu a acusação de que se tratou de crime de ódio contra uma pessoa LGBT.

Militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), estudantes da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), do APP Sindicato, e o representante da secretaria nacional LGBTQIA+ (do Ministério dos Direitos Humanos) Hiago Mendes Guimarães acompanharam o júri. Do lado de fora, houve protesto silencioso em homenagem a Lindolfo e em referência à luta contra a homofobia.

“Nós temos sede de justiça. Ela não trará os nossos mortos de volta, mas poderá responsabilizar os culpados diretos e os responsáveis ideológicos, por mostrar que a homofobia é estrutural, e que está arraigada na nossa sociedade, e que vitimiza muitas e muitas pessoas todos os dias”, disse Vinicius Oliveira, da direção do MST no Paraná pelo Coletivo LGBTI+ e que integra a coordenação pedagógica da ELAA, onde foi colega de Lindolfo. Ambos cursaram Licenciatura em Educação do Campo na instituição.

Outros crimes de homofobia sequer foram julgados

A sentença é simbólica diante do contexto de injustiça em outros casos de homofobia na região, que sequer tiveram julgamento. “Toda a defesa do acusado foi pautada em uma moralidade e um conservadorismo que não é novo pra nós, LGBTs, quando um de nós é assassinado. Contudo, não foi suficiente e o júri teve a percepção da gravidade do caso e a evidente culpa do assassino”, completou Vinicius.

Assistente de acusação no processo, Micheli Toporowicz relatou o que viveu ao acompanhar o caso de perto: “Foi uma experiência dolorosa. Nestes dois anos eu consegui acompanhar o sofrimento da família com a falta do Lindolfo, porque ele era um provedor. E além disso, era a referência familiar. Por outro lado, foi uma experiência maravilhosa pelo que pude aprender sobre o amor pela bandeira social que o Lindolfo levantava”.

Entre os argumentos para ampliação da pena do acusado está a homofobia. “Pois o motivo do crime foi para ocultar a orientação sexual ou bissexual do acusado, assim a homofobia é a aversão ou rejeição por todo tipo de orientação sexual não-heterossexual, bem como a rejeição de certas pessoas a seus próprios desejos”, disse a advogada.

Para ela, a sentença é justa em termos processuais. Isso porque considerou o homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Robson tem 22 anos e estava preso desde o início das investigações.

Em 2021, pelo menos 316 pessoas LGBTI+ assassinadas

Lindolfo nasceu em 11 de setembro de 1995, na comunidade camponesa Coxilhão de Santa Rosa, em São João do Triunfo. Estudioso, após o ensino médio participou da Jornada de Agroecologia na Escola Milton Santos (EMS), centro de formação do MST em Maringá. Seu sonho era cursar medicina, mas foi para a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), em Lapa.

Ele cursou Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza com ênfase em Agroecologia em parceria com a ELAA e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nesse período conheceu o MST, passando a participar das atividades, se reconheceu como gay e ingressou no Coletivo LGBT do movimento. Em 2018, de volta a sua comunidade, ingressou na pós-graduação em Ciências e Matemática UFPR e dois anos depois tornou-se professor da rede estadual.

Seu assassinato não é um caso isolado. Em 2021, pelo menos 316 pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+) foram violentamente assassinadas no país. Um número 33,3% maior comparado ao ano anterior, quando foram 237 mortes. Os dados são do Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil.

Entre os crimes registrados em 2021, foram 262 homicídios (82,91% dos casos), 26 suicídios (8,23%), 23 latrocínios (7,28%) e 5 mortes por outras causas (1,58%). Produzido por meio do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, o dossiê é uma parceria entre a Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).


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