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Grupos religiosos do ABC paulista barram debate sobre diversidade nas escolas

Movimento 'Eu Sou Família' pressiona vereadores da região para retirar a diversidade sexual dos planos de educação. Intensidade da pressão conservadora pega movimentos e ativistas de surpresa

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Intolerância religiosa distorce debate sobre necessidade de cidadãos aprenderem aceitar a convivência com o diverso desde cedo

São Paulo – A interferência de grupos religiosos cristãos afetou o debate sobre a implantação do Plano Municipal de Educação nas cidades do ABCD paulista, região metropolitana da capital que engloba os municípios de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema. Assim como ocorre em boa parte do Brasil, o movimento encabeçado pela entidade Eu Sou Família, organizada pela Associação de Escolas Cristãs de Educação por Princípios(Aecep), percorre as câmaras daquela região para pressionar vereadores contra a inclusão de temas como a diversidade sexual e o combate à homofobia nas escolas. O agrupamento já passou por Santo André e São Bernardo, onde já foi solicitado ao prefeito Luiz Marinho (PT) que não inclua o tema no novo plano educacional do município, ainda em debate.

O “movimento” Eu Sou Família foi criado em 2014. De acordo com o site do grupo, a entidade pretende esclarecer “a comunidade escolar sobre as verdades aprendidas na Bíblia”. O inimigo número um do movimento, ainda como aponta o portal, é o “marxismo”, que teria “como alvo central a extinção da propriedade privada” e da “família tradicional monogâmica”.

A organização do movimento religioso pegou de surpresa os ativistas da região pela diversidade sexual e também no Brasil. Além do ABCD, a comissão que debate o Plano Municipal de Educação de São Paulo retirou da proposta qualquer alusão à diversidade sexual, após protestos religiosos. O mesmo ocorreu em Cuiabá, onde padres apareceram de batina e munidos de cartazes na Câmara local durante a votação.

Na Câmara de Fortaleza e também na do Recife, embates entre defensores dos direitos LGBT e representantes religiosos marcaram a discussão, o que nada adiantou: o tema diversidade sexual também foi retirado. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), ainda não encaminhou o Plano Estadual de Educação à Assembleia.

“Fomos pegos de supetão. Esses grupos fundamentalistas estão distorcendo a discussão em todo o Brasil. Introduzir nas escolas a discussão de gênero é promover a igualdade entre homens e mulheres. É respeitar a diversidade. É construir uma sociedade mais tolerante e sem preconceitos”, afirmou a coordenadora do Grupo de Trabalho de Gênero do Consórcio Intermunicipal, Maria Cristina Pache Pechtoll.

Uma das integrantes no ABCD do movimento Eu Sou Família, a professora Cláudia Zechetti, já compareceu aos legislativos de Santo André e Ribeirão Pires e afirma que não se trata de homofobia, mas sim da formação “moral” das crianças. “Não temos preconceitos contra gays. Mas o que entendemos é que a criança é muito influenciada com o que ouve; portanto, a família é que tem de ser responsável pela formação, e não a escola”, defendeu Cláudia.

A instituição dos planos municipais e estaduais de educação é uma obrigação dos prefeitos e governadores prevista pelo Plano Nacional de Educação.

Pressão

No chamado Grande ABCD paulista, a pressão dos setores religiosos já surte efeito. Em São Caetano, por exemplo, o prefeito Paulo Pinheiro (PMDB) sequer incluiu o tema nas discussões e a proposta foi aprovada sem a questão da diversidade sexual, assim como em Rio Grande da Serra. Já em São Bernardo, apesar de o projeto ainda não ter sido encaminhada à Câmara pela administração, os vereadores, por unanimidade e em comum acordo, aprovaram a indicação para que o assunto não entrasse na proposta durante a sessão da quarta-feira (24). Apesar do posicionamento, os parlamentares não quiseram comentar publicamente o assunto.

Outra cidade que sofreu com a ação orquestrada contra a diversidade sexual foi Ribeirão Pires. Diante da pressão, os vereadores da cidade substituíram a palavra “diversidade” por “minoria” em votação também realizada na quarta.

Já a Câmara de Santo André pretende votar nesta quinta-feira (25) o Plano de Educação em meio à polêmica levantada por religiosos, que visitaram os vereadores. No entanto, ainda não há consenso sobre o tema.

Enquanto a bancada petista, composta por cinco vereadores, se reúne para debater a questão nesta quinta, boa parte dos vereadores dos demais partidos é contra a inclusão da proposta. “A palavra diversidade é muito mais ampla e envolve raça, música e minorias. Não é questão sexual. A interpretação é equivocada por parte de algumas pessoas”, afirmou o vereador Eduardo Leite (PT).

O prefeito de Mauá, Donisete Braga (PT), protocolou o PME (Plano Municipal de Educação) nesta quarta-feira na Câmara. Na peça, consta a promoção da “garantia dos princípios que dizem respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”. No entanto, no parágrafo seguinte, o plano também destaca a “participação da família” nas escolhas de comunidades escolares.

O presidente da Câmara mauaense, Marcelo Oliveira (PT), alegou ter visto colegas de plenário com cartas de representantes religiosos que exigiam a reprovação de um plano que garantisse textualmente o respeito à diversidade sexual e de gênero. “Já anteciparam o debate aqui e enviaram comunicados aos vereadores.” O prefeito de Diadema, Lauro Michels (PV), sequer concluiu o plano para enviar à Casa.

* Reportagem de Júlio Gardesani, com colaboração deGislayne Jacinto, Karen Marchetti e Camilla Feltrin