Violência bolsonarista

Discurso de ódio de André Valadão é ‘método’ da extrema direita, diz professor. Bolsonaristas se vitimizam

“O pastor André Valadão cometeu crime. E a justiça tem que ser tão célere quanto o meio no qual o crime foi cometido, o digital”, afirma o professor e pesquisador João Cezar de Castro Rocha

YouTube Lagoinha USA/Reprodução
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João Cezar de Castro Rocha, pesquisador e professor, analisou o discurso de ódio de Valadão para a edição desta quarta-feira (5) do ICL Notícias, transmitido pela TVT

São Paulo – O mais novo ataque do pastor evangélico André Valadão à população LGBTQIAPN+ está inserido na estratégia da extrema direita, de testar os limites democráticos para manipular afetos, nesse caso, o ódio. A análise é do professor titular de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) João Cezar de Castro Rocha, pesquisador do​​ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que analisou o discurso de ódio de Valadão para a edição desta quarta-feira (5) do ICL Notícias, transmitido pela TVT e a Rádio Brasil Atual.

De acordo com Castro Rocha, a fala homofóbica e transfóbica está inserida em pauta estadunidense, em que entre as décadas de 1980 e 1990, pastores evangélicos radicais sugeriam algo similar ao que o brasileiro fez “não sem casualidade”. Durante um culto no domingo (2), em Orlando, nos Estados Unidos, Valadão insinuou que os fiéis de sua igreja deveriam matar pessoas LGBTQIAPN+. A mesma oratória, para o professor, do discurso matriz da extrema direita. A ideia de que “existe uma degradação da cultura ocidental, feita de forma malvada e maléfica pela esquerda que abandonou a ideia de ditadura do proletariado e agora, o que pretende, é corroer a civilização judaico-cristão greco-romana a partir da degradação da família”.

A mesma lógica que fundamentou o ataque também transfóbico do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). Em maio, em pleno Dia Internacional da Mulher, Nikolas pediu a palavra na tribuna do plenário da Câmara, onde colocou uma peruca loira na cabeça e ironizou a existência de mulheres transexuais.

Método

“A extrema direita no mundo inteiro, e no Brasil isso é evidente, ela age testando limites. Porque eles precisam despolitizar a pólis, trazendo para a esfera da política o engajamento típico da rede social que não é racional. O engajamento nas redes sociais é puro afeto, não tem razão. Por isso o debate público é despolitizado, porque você substitui o argumento pelo afeto. E o afeto que a extrema direita manipula como poucos é o ódio. E só pode ter ódio se houver um inimigo imaginário. Então a extrema direita, o tempo todo, inventa inimigos imaginários”, explica Castro Rocha.

“É o professor doutrinador, o professor que acabará com a família, a pessoas trans cuja pauta verdadeira é converter seus filhos… Esse é o discurso do Nikolas Ferreira e do André Valadão. Mas para ter um discurso tão absurdo assim não é possível não testar limites. Porque ao testar limites, a visibilidade aumenta”, acrescenta. “Agora olha o paradoxo, o Nikolas Ferreira coloca uma peruca ridícula, se chama de Nicole, revelando seu desejo profundo e secreto e faz um discurso transfóbico. O próximo deputado já não pode colocar uma peruca loira porque ele já colocou. O que o próximo tem que fazer? O que o André Valadão fez, dizer que tem que matar todo aquele que não é nosso espelho”.

Para o professor, ao “ir além”, a extrema direita vem cometendo crimes e testando os limites democráticos. A responsabilização do pastor, contudo, abre uma “esperança” para o Brasil que, sob o governo anterior de Jair Bolsonaro (PL) se tornou um “laboratório sistemático de realidade paralela”, diz ele. Com André Valadão punido pelo crime de homofobia e transfobia o país pode se tornar o local “que derrotou a extrema direita ao decifrar seu código (de atuação)”.

Mimimi bolsonarista

Castro Rocha pondera, porém, que a resposta judicial tem que ser tão célere quanto o meio “no qual o crime foi cometido: o digital”. “O pastor André Valadão cometeu um crime. (…) A Justiça precisa deixar de ser 100% analógica e lenta e criar um juizado de pequenas causas digitais similar ao juizado de pequenas causas. A punição célere será a chave que o Brasil pode ensinar ao mundo”, garante o professor.

O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para apurar possível prática de homofobia e transfobia praticada pelo líder religioso. O que provocou bolsonaristas, entre eles, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Pelo twitter, o filho de Bolsonaro chamou a investigação de “perseguição dentro das igrejas”. O que também foi visto como uma estratégia de “vitimização” da extrema direita, para deturpar o conceito de liberdade religiosa e de expressão.

Saiba mais na entrevista:

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima