Estupros na Medicina da USP

Diretor de faculdade pressionou deputados para suspender audiência que denunciou abusos

Além de telefonemas do próprio diretor, José Otávio Costa Auler Junior, que temia pelo nome da faculdade na 'lama', houve manobras para esvaziar o quórum na Assembleia Legislativa

Imagens/USP

Alunos do curso mais concorrido da universidade mais concorrida do país sofrem estupros e outras violências

São Paulo – Os deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo foram pressionados diretamente pelo diretor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), José Otávio Costa Auler Junior, para que não realizassem a audiência pública da última terça-feira (11) sobre as violações aos direitos humanos na faculdade.

Durante as sete horas que durou a audiência, estudantes denunciaram estupros, assédio e outros tipos de violência durante festas e trotes na instituição. Alunos contaram, por exemplo, que os agressores filmavam os estupros que eram divulgados pela internet.

O presidente da comissão, deputado Adriano Diogo (PT), disse hoje (14) que, na última sexta-feira, Auler telefonou diversas vezes para os demais parlamentares e em seguida para o seu gabinete, pedindo a ele a suspensão da audiência.

“Exaltado, aos gritos, sem me deixar falar, ele dizia que a reunião não deveria ser realizada porque iria jogar na lama o nome da instituição e que ele iria tomar providências contra os abusos”, disse Diogo à RBA, ressaltando que não houve nenhum tipo de ameaça por parte do diretor. No entanto, ocorreram pressões e até manobras para esvaziar a reunião numa tentativa de inviabilizá-la por falta de quórum. “Mas a audiência acabou realizada na marra.”

Professor titular do Departamento de Cirurgia, Auler foi vice-diretor da FMUSP na gestão 2010-2014 e eleito diretor no último 26 de setembro. A assessoria de imprensa da direção da faculdade foi procurada pela reportagem, mas não atendeu às ligações.

O caso ganhou repercussão na imprensa. No dia seguinte à audiência, o médico patologista Paulo Saldiva, que presidia uma comissão interna que apura as denúncias na USP, pediu afastamento e disse que deixará o cargo de professor, que ocupa há 18 anos, por causa da falta de providências da direção da faculdade. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele afirmou que o escândalo foi a “gota d`água” para sua saída, apesar de existirem outros motivos.

Na última quinta, o estudante do 3° ano da FMUSP, Felipe Scalisa publicou artigo em que diz, entre outras coisas, que a faculdade “precisa da ajuda da sociedade civil para conseguir se espelhar em ética, e que o isolamento da universidade é algo pernicioso”.

Para o diretor da Associação dos Docentes da USP (Adusp), Francisco Miraglia, que participou da audiência, o caso é grave, e pior: não é novidade na Faculdade de Medicina, nem na USP como um todo e muito menos em outros cursos de outras universidades.

No entanto, segundo Miraglia, a novidade é que desta vez as pessoas resolveram falar, contando em detalhes. “Foi aberta uma ‘caixa de pandora’ em que o nome da faculdade parece ser mais importante que a dignidade humana”, disse, elogiando a coragem de jovens de menos de 20 anos, futuras médicas, que contaram detalhes das agressões sofridas. “O caso exige ser tratado com firmeza.”

As denúncias estão sendo investigadas pelo Ministério Público de São Paulo. Há dois meses, a promotora Paula de Figueiredo Silva, da Promotoria de Direitos Humanos, tomou conhecimento da situação quando foi procurada por um estudante que relatou violações constantes de direitos fundamentais, especialmente relacionadas a mulheres e homossexuais.