Inconstitucional

MPF quer arquivamento de projeto que veta casamento homoafetivo

Órgão do Ministério Público Federal classifica proposta como inconstitucional, afronta princípios internacionais e representa retrocesso para direitos e garantias das pessoas LGBTQIA+

(Lula Marques/Agência Brasil)
(Lula Marques/Agência Brasil)
PL deve ser votado na comissão nesta quarta-feira (27)

São Paulo – A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), pediu rejeição e arquivamento do projeto de lei que quer proibir a união civil de pessoas do mesmo sexo, casamento homoafetivo, no Brasil. De acordo com a procuradoria, além de inconstitucional, a proposta afronta princípios internacionais e representa retrocesso no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais das pessoas LGBTQIA+.

O Projeto de Lei 5.167/2009 estava na pauta do dia 19 na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, mas a votação foi adiada para a quarta-feira (27). Um dia antes, na terça-feira (26), será realizada uma audiência pública para debater o tema.

Em nota pública enviada à Câmara dos Deputados na sexta-feira (22), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão avalia que negar a possibilidade de união civil homoafetiva significa dizer que homossexuais teriam menos direitos que heterossexuais. Cria “uma hierarquia de seres humanos com base na orientação sexual”. Para a procuradoria, “essa ideia colide frontalmente com a essência da Constituição da República Federativa do Brasil, a qual busca estruturar uma nação em que a convivência entre os diferentes seja pacífica e harmônica.”

Cerceamento de direitos

“Uma eventual aprovação desse projeto não significa apenas o Estado assumir que existe um modelo correto de casamento e que este modelo seria o heterossexual. Significa também dizer que o Estado reconhece as pessoas não heteronormativas como cidadãs e cidadãos de segunda classe, que não podem exercitar todos os seus direitos, em função de sua orientação sexual”, destacou a procuradoria. A PFDC avalia, ainda, que o projeto tenta cercear o direito de escolha dos indivíduos.

O órgão do Ministério Público Federal citou dados do IBGE. Eles apontam que, apenas em 2021, 9,2 mil casais de mesmo sexo formalizaram sua união estável em cartório. Caso o projeto se torne lei, a nota alerta que novas uniões estarão vedadas ou não surtirão os efeitos legais desejados. Criaria “evidente e injustificado desequilíbrio entre pessoas homo e heterossexuais”. Além disso, a união civil é um ato voluntário e privado, “cuja essência é concretizar uma parceria entre duas pessoas para uma vida em comum”. “Nesse sentido, pouco importa a orientação sexual de quem está se unindo, e isso não diz respeito a toda coletividade, em um Estado democrático que garanta as liberdades fundamentais, em especial as dos indivíduos.”

STF

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Reconheceu, assim, o casamento homoafetivo como núcleo familiar. Além disso, a Corte entendeu que não há na Constituição um conceito fechado ou reducionista de família. Nem qualquer formalidade exigida para que ela seja considerada como tal. Em 2013, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) determinou que todos os cartórios do país realizassem casamento homoafetivo.

“A decisão do STF tratou de assegurar a equidade de tratamento entre casais hétero e homoafetivos. Permitiu a cônjuges homossexuais o estabelecimento de união civil por meio de contrato reconhecido pelo Estado. Assim, garantinde direitos como herança, compartilhamento de planos de saúde, direitos previdenciários e outros, já reconhecidos aos consortes heterossexuais”, explicou a procuradoria.

Estado laico

O texto em discussão na Câmara dos Deputados pretende incluir no artigo 1.521 do Código Civil. Colocaria o seguinte trecho: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”. Atualmente, o artigo 1.521 enumera os casos em que o casamento não é permitido. Como nos casos de união entre pais e filhos ou entre pessoas já casadas. Para a procuradoria, o PL relativiza a laicidade do Estado brasileiro. “A imposição de um viés religioso geral a escolhas particulares nos leva em direção a uma teocracia ou a totalitarismos, nos fazendo retroceder alguns séculos no tempo”, diz a manifestação da PFDC.

Caso seja aprovado na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, o projeto que proíbe o casamento homoafetivo segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Tramita em caráter conclusivo, ou seja, não precisa do plenário para aprovação na Casa antes de ir ao Sendo. Só iria ao plenário se ao menos 52 deputados assinassem um recurso nesse sentido. O ambiente na CCJ, no entanto, é menos favorável do que na comissão anterior. Rui Falcão (PT-SP), da base governista e contrária ao projeto, preside a comissão. E a ele cabe decidir quais projetos entram na pauta.

*com informações da Agência Brasil