Memória

Comissão investiga áreas da prefeitura de SP sob controle da ditadura

Grupo apura perseguição a servidores e atuação de órgãos de repressão em empresas como CMTC, Iprem e DSV, além de valas clandestinas em cemitérios municipais

arquivo pref.sp/heloisa ballarini

Prefeito Haddad instalou oficialmente e deu posse aos cinco membros da Comissão em setembro de 2014

São Paulo – Com pouco mais de um ano de funcionamento, a Comissão da Memória e Verdade de São Paulo, criada pela prefeitura paulistana, busca avançar na investigação sobre áreas da administração municipal que estiveram sob controle direto ou indireto da ditadura (1964-1985). Por meio de documentos e depoimentos, a CMV já identifica uma perseguição sistemática a servidores – com exonerações e até prisões – e o funcionamento de uma rede repressiva em empresas públicas, como a extinta Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), o Instituto de Previdência Municipal (Iprem) e o Departamento de Operação do Sistema Viário (DSV), além da administração dos cemitérios, um capítulo à parte.

“A gente conseguiu estabelecer todo o processo de perseguição de trabalhadores na prefeitura”, diz a presidenta da comissão, a ex-vereadora Tereza Lajolo, destacando principalmente casos de exoneração de servidores que participam de atividades em associações ou que simplesmente eram considerados “suspeitos”. Essa prática não era inédita, mas se intensificou após a edição do AI-5, em dezembro de 1968. Nos anos seguintes, surgiriam a Operação Bandeirante (Oban), órgão de repressão financiado por empresários, e o Doi-Codi.

“Na ditadura, além do Doi-Codi, eles tiveram influência direta, como na CMTC”, afirma Tereza, lembrando que naquele período ela mesma, ao ser presa, foi levada para o Presídio Tiradentes em um ônibus da companhia municipal. A presidenta da CMV cita ainda o DSV (“Foi criado por eles”) – em documento obtido pela comissão, se determina que o departamento deveria utilizar veículos do modelo Fusca, da Volkswagen. Tereza vê relação entre esse fato e investigações em curso sobre colaboração da montadora com o aparelho da repressão, com delação e prisão de metalúrgicos.

O DSV é responsável pela regulamentação da legislação de trânsito na cidade. Para operacionalizar suas atividades, foi criada a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), na década de 1970.

No caso do Iprem, em setembro último a CMV recebeu da autarquia um dossiê sobre episódios ocorridos durante a ditadura. O chamado Dossiê da Intervenção do Regime Militar no Montepio Municipal de São Paulo foi elaborado pela equipe de documentação e da biblioteca do Iprem, criado em 1909 com o nome de Montepio e que ganhou a atual denominação em 1980.

Indigentes

A criação de valas clandestinas em cemitérios paulistanos, com enterro em grande escala de “indigentes”, é um tema com atenção especial. “Eles passaram a utilizar os cemitérios para fazer o desaparecimento de pessoas”, afirma Tereza, citando documentos do Serviço Funerário com “informações erradas, contraditórias”, justamente para encobrir pistas de desaparecidos durante a ditadura. “Eles se utilizaram de uma coisa que existe até hoje, que é a questão do indigente.”

Segundo ela, em muitos casos havia todos os elementos para identificação, mas a família não era procurada. Após 48 horas, o Serviço de Verificação de Óbitos encaminha os mortos não reclamados para o Serviço Funerário do Município. “Muita gente não sabe que isso existe. Queremos alterar essa realidade. É uma questão que queremos trabalhar bem. Talvez tenhamos de propor uma discussão nacional”, acrescenta.

Em seu site, o Serviço Funerário informa que, desde abril de 2014, publica às sextas (na página) e aos sábados (no Diário Oficial), a lista de pessoas mortas enviada pelo SVO e pelo Instituto Médico Legal. “A publicação visa divulgar o nome e/ou as características destas pessoas, em colaboração ao Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos”, diz o SFM.

Entre os focos da investigação, estão os cemitérios de Vila Formosa e Dom Bosco, em Perus. No ano passado, a prefeitura firmou parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a fim de destinar as 1.049 ossadas encontradas na vala de Perus, para efetiva análise, à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O caso Perus foi objeto de uma CPI na Câmara Municipal, em 1990, comandada pela então vereadora Tereza Lajolo. Em agosto deste ano, as caixas com ossadas passaram a ser transferidas para uma sala-cofre no subsolo do Ministério Público Federal em São Paulo. Além de desaparecidos políticos, o material pode conter restos de vítimas de esquadrões da morte e de epidemia de meningite.

A comissão também é integrada pelo jornalista Audálio Dantas e pelos advogados Fermino Fecchio e Cesar Cordaro. No final de abril, o escritor Fernando Morais foi substituído pelo ex-deputado Adriano Diogo, que presidiu a Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa de São Paulo. Pela Lei municipal 16.012, de junho de 2014, o prazo para conclusão dos trabalhos é de dois anos (até setembro de 2016), prorrogável por um.

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