Contradições

Ricardo Salles teria mentido sobre busto de Lamarca que retirou de parque, aponta inquérito

Fundação Florestal indica que peça removida arbitrariamente por Salles foi “descartada” e contradiz ex-ministro em inquérito do MP-SP

Agência Pública
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Movimentos sociais do Vale do Ribeira e do litoral de São Paulo reergueram busto de Carlos Lamarca em Cajati (SP). Peça instalada no último dia 17 de setembro substitui a retirada por Salles

São Paulo – Um busto do guerrilheiro Carlos Lamarca (1937-1971) tem paradeiro desconhecido desde 2017, quando o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, na época secretário estadual do Meio Ambiente em São Paulo, determinou sua remoção de um parque em Cajati, município do Vale do Ribeira. De acordo com um documento da Fundação Florestal, responsável pela gestão do parque, a estátua foi descartada. A informação diverge da defesa apresentada por Salles em inquérito do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que responde por improbidade administrativa.

O inquérito resulta de ação civil pública movida em 2018 pelo promotor de Justiça Nilton de Oliveira Mello, do Grupo Especial de Proteção do Meio Ambiente (Gaema) do Vale do Ribeira. Conforme o laudo pericial apresentado por Ricardo Salles, “a peça se encontra, desde a data, guardada na sede do Comando de Policiamento Ambiental, pois não houve qualquer determinação para outra destinação ou depósito até então”.


Reconta Aí: Movimentos sociais refazem busto de Carlos Lamarca removido ilegalmente por Ricardo Salles


busto Lamarca 
anexo 1

Entretanto, ao ser questionada, a sede localizada no Horto Florestal de São Paulo negou ter conhecimento sobre a localização do busto de Lamarca. “Desconhecemos qualquer informação sobre um busto. Ele não está nem nunca esteve aqui. Eu não trabalhava aqui em 2017, mas quem está lá dentro disse que não sabe nada sobre isso e que não temos nada a ver com o ministro Ricardo Salles”, disse a cabo PM Ivalda, que não quis identificar nome completo.

Parte do mesmo processo, um ofício da Fundação Florestal com a assinatura do diretor adjunto do Litoral Sul, Edson Montilha, contradiz novamente a versão dada pela defesa. O documento atesta que “o busto foi levado em viatura da Polícia Militar Ambiental, que informou que durante o transporte o mesmo veio a se quebrar, visto que o objeto era constituído de cimento. Dessa forma o material foi descartado em local apropriado”.

busto lamarca anexo 2

A versão de que o busto de Carlos Lamarca foi descartado após sofrer danos durante o transporte aparece em outros dois requerimentos de informação solicitados à Fundação Florestal pelos deputados estaduais pelo Psol Raul Marcelo, em setembro de 2017, e João Paulo Rillo, em fevereiro de 2018.

“Fomos informados pelo coronel Alberto Maufe Sardilli que o busto sofreu avarias durante o seu transporte em viatura oficial, e que o mesmo foi descartado em local apropriado.”

Alberto Maufe Sardili é ex-comandante da polícia militar ambiental. Foi quem recebeu as ordens de Salles para que retirasse o busto do parque. De acordo com os requerimentos, ele também teria sido o responsável por informar os agentes da Fundação Florestal sobre o descarte da escultura. Mas, contrariando a informação, alega em documento que o busto foi levado até a capital e se encontra guardado desde então. Assim, essa é mais uma das contradições evidenciadas no inquérito.

busto lamarca anexo 3

“Há discordância entre as respostas dadas para a Assembleia Legislativa nos requerimentos de informação e as respostas dadas pela defesa de Ricardo Salles no processo. Se o busto foi descartado ou está abandonado em alguma delegacia por aí, nós precisamos saber. Vou entrar com uma representação no Ministério Público para que apure as irregularidades do inquérito”, disse o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol), autor de uma ação no MP-SP contra Ricardo Salles por dilapidação do patrimônio público.

O promotor de Justiça João Ricupero também aponta irregularidades no processo. Em novembro de 2018, ele moveu ação penal contra Salles por dano ao patrimônio e improbidade administrativa. Na época, a juíza Gabriela de Oliveira Thomaze da 1º Vara de Jacupiranga aceitou a denúncia do MP e tornou Sales réu, mas a ação foi trancada dois meses depois pelo Tribunal de Justiça.

Medo de quem tem poder

A decisão do TJ foi uma surpresa para Ricupero. “O tribunal, ao trancar a ação, falou que não poderia culpar Ricardo Salles de ter deteriorado ou inutilizado esses bem, porque não foi ele que retirou o busto com as próprias mãos. Ao dizer isso, o tribunal confunde os conceitos e restringe o alcance da conduta criminosa”. “Ao determinar a retirada do busto, contrariando o procedimento legal que regulamenta a exclusão de um patrimônio histórico, você inevitavelmente está inutilizando esse bem. Não se trata de uma justificativa jurídica. Esse trancamento se insere dentro de um contexto social de desigualdade e defesa de privilégios. O Judiciário tem medo de quem tem poder”, acrescentou.

Na ocasião, o ex-ministro também ordenou que removessem do parque os painéis educativos sobre a trajetória de Lamarca no Vale do Ribeira. “A policia levou embora, mas conseguimos recuperar. Não estão devidamente expostos, mas estão no espaço do museu”, afirmou o pesquisador do Instituto Florestal e responsável pela criação dos painéis, Ocimar Bim. “Ficamos indignados com a postura do ex-ministro do Meio Ambiente. O pior que o Brasil já teve. Isso foi um ato de autoritarismo, desrespeito com a comunidade, com o parque, com a memória do capitão Carlos Lamarca e com a memória do Vale do Ribeira.”


Íntegra do inquérito contra Salles


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