Não à especulação

Movimento Ocupe Estelita discute, no Minc, tombamento de área em Recife

Mobilização, que completou um ano, tenta preservar trecho histórico do Centro do Recife e impedir empreendimento imobiliário; campanha repercute país afora

ocupe estelita (www.ocupeestelita.com.br)

Movimento tenta impedir empreendimento que prevê a construção de 12 edifícios com até 40 andares no Cais José Estelita

Brasília – Um dia após a mobilização popular intitulada Ocupe Estelita ter completado um ano de trabalho, com ações na tentativa de preservar a área histórica do centro do Recife, um grupo de integrantes do movimento se reuniu com o ministro da Cultura, Juca Ferreira, e dirigentes do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na última sexta-feira (22). O objetivo foi discutir o tombamento da área. Caso tal possibilidade, que se encontra em estudo, seja concretizada, representará uma vitória contra a especulação imobiliária, uma vez que a iniciativa tomou as redes sociais e repercutiu até mesmo fora do Brasil.

O movimento tenta impedir empreendimento que prevê a construção, no local, de 12 edifícios com até 40 andares na área do Cais José Estelita. A reunião, na prática, não apresentou resultados, mas marcou o andamento das conversas e, inclusive, teve apresentação da situação do local pela presidente do Iphan, Jurema Machado, que fez um histórico do espaço e das ações lá realizadas.

De acordo com Jurema, “Recife talvez seja a cidade mais maltratada por sua legislação urbanística”. A diretora contou que o Sphan não tinha considerado o trecho do cais passível de tombamento, mas passou a estudar a possibilidade depois do pedido do movimento. A avaliação ainda está sendo elaborada pelos técnicos do instituto, segundo ela.

Para o ministro Juca Ferreira, que disse entender a causa, Recife, assim como outras cidades brasileiras, passa por um processo de especulação imobiliária que deve ser “discutido e contido”. “É preciso um reordenamento geral do planejamento urbano das cidades brasileiras. Recife é uma delas. A luta de vocês é justa”, afirmou Ferreira.

Já o músico Otto, um dos representantes do movimento, ponderou que o projeto causará forte impacto na estrutura urbana e ambiental da capital de Pernambuco. “Temos uma cidade relevante na cultura e na história do país e não podemos aceitar esse crime, essa tragédia que está acontecendo na cidade”, destacou ele. Otto acrescentou que os integrantes do Ocupe Estelita sugerem, em vez da construção de prédios, a revitalização do centro da cidade como forma de preservar os monumentos e humanizar o espaço público.

A reunião, além de Juca Ferreira, Jurema Machado e Otto, contou com a presença, do secretário-executivo do Minc, João Brant, e do secretário de Políticas Culturais do ministério, Guilherme Varella. Por parte do movimento Ocupe Estelita, estiveram, ao lado de Otto, o diretor do movimento, Sérgio Urt, os professores Liana Lins e Tomás Lapa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o produtor cultural Eduardo Vieira.

Consórcio Novo Recife

No dia 20 de maio de 2014, exatamente um ano atrás, várias entidades recifenses deram início ao trabalho de mobilização contra a especulação imobiliária nesta área central do Recife. Na data iria ser iniciado o processo de demolição do cais José Estelita, localizado num trecho onde estão antigos armazéns de açúcar e um pátio da Rede Ferroviária Federal do século XIX. A demolição, no entanto, foi impedida pela pressão dos manifestantes.

O objetivo do empreendimento – projetado pelo chamado Consórcio Novo Recife, formado pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos – é dar espaço para a construção de um condomínio de  edifícios à beira do rio Capibaribe.

O movimento Ocupe Estelita, que já tinha sido criado dois anos antes, desde então intensificou as ações, viralizou suas reivindicações em redes sociais e tem levado ambientalistas, urbanistas, moradores, estudantes e até pessoas mais simples a repensarem e discutirem o uso que se deseja dar à este trecho da capital pernambucana.

Ao longo desse período, eles acamparam no local, fizeram várias passeatas e atos públicos e até ocuparam uma área em frente ao prédio do prefeito, Geraldo Júlio.

Ytallo Barreto
Ativistas do Ocupe Estelita: mobilização tem levado pessoas a repensarem e discutirem o uso que se deseja dar à área

Nova lei, velho projeto

O mais recente imbróglio da polêmica aconteceu no último dia 4, quando o prefeito do Recife sancionou uma lei que redefine as normas de construção da área, permitindo às construtoras vinculadas ao consórcio fazer o projeto das torres, embora com algumas alterações. O argumento da prefeitura é de que houve uma rediscussão da proposta nos últimos meses e, agora, o novo traçado atende à expectativa dos manifestantes.

É esse o discurso do secretário de Desenvolvimento e Planejamento Urbano do Recife, Antonio Alexandre, nas entrevistas. Os integrantes do movimento Ocupe Estelita, no entanto, não concordam. “Achamos que abrir o debate seria discutir o que a cidade queria nesse lugar, mas a prefeitura acabou fazendo um projeto de lei para viabilizar um projeto que já existia. Fez a política pública ao contrário”, criticou um dos coordenadores, Ivan Moraes Filho.

O Ocupe Estelita tem o apoio do Ministério Público de Pernambuco, que pediu a nulidade da lei e que o município se abstenha de conceder alvará de construção para qualquer empreendimento imobiliário na área.  O parecer do MP destaca que o plano urbanístico para o referido projeto fixa percentual de altura para os prédios e de ocupação, mas não contempla estudos de impacto ambiental ou social.

Na quinta-feira (21), o juiz André Guimarães negou mandado de segurança impetrado pelo movimento, para anular a lei. Mas o motivo não foi o reconhecimento do direito da prefeitura ou dos detentores do consórcio e sim, porque o instrumento jurídico apresentado não foi tido como adequado.

O magistrado deixou claro, em sua decisão, que o pedido protocolado “não condiz com a natureza do problema”, motivo pelo qual um mandado de segurança só seria possível se o projeto de lei ainda não tivesse sido votado. A interposição do mandado de segurança foi apenas uma etapa dessa briga, uma vez que existem três ações judiciais contra o projeto de lei municipal em tramitação.

Passeatas, ocupações e ritual

Enquanto não há um desfecho, as mobilizações continuam. Poucas semanas atrás, os manifestantes invadiram um dos shoppings mais modernos da cidade, o Rio Mar. Na última quarta-feira, realizaram uma marcha até o Cais José Estelita, acompanhada pelo grupo Afoxé Awade, seguida de ato público e roda de debates com a presença de professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e militantes que participaram da primeira ocupação.

Após o debate, o Afoxé Awade fez uma cerimônia de lavagem no cais. Eles disseram esperar que o ritual, além de selar a paz e levar a uma solução para o caso, sirva de exemplo para outros ataques especulatórios no país.

* Com informações do Minc

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