Violência

Após mortes e reocupação no Alemão, UPPs vivem momento mais difícil

Apesar de ajudar a reduzir criminalidade no Rio de Janeiro, política de Unidades de Polícia Pacificadora vive momento mais delicado desde que surgiu. Revolta da população com PM dificulta reordenamento

Tomaz Silva/Agência Brasil/Fotos Públicas

Morte do menino Eduardo de Jesus por tiro de fuzil acirrou tensão entre comunidade e PM no Alemão

Rio de Janeiro – Determinada pelo governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e iniciada ontem (7), a ocupação das três principais favelas do Complexo do Alemão por 500 policiais militares do Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) acontece após dias de intensas manifestações e conflitos. Como pano de fundo, uma sequência de quatro mortes de moradores que culminaram com a provável execução de um menino de dez anos que brincava na porta de sua casa.

Com a crescente hostilidade dos bandidos e a revolta dos moradores contra os policiais, o conjunto de 15 favelas na zona norte carioca – que se tornou célebre em 2010 com a fuga cinematográfica de dezenas de traficantes armados após a chegada de carros blindados da Marinha e do Exército – parece estar novamente conflagrado.

O governo tenta reverter a situação: “Vamos colocar ordem na casa”, diz o comandante-geral da Polícia Militar, Alberto Pinheiro Neto. Para o coronel, o momento hoje é bem distinto do enfrentado pelo poder público em 2010: “O tráfico no Complexo do Alemão se adaptou e acabou se fortalecendo novamente. Vamos reordenar a ação policial”, diz.

O reordenamento anunciado pelo comandante passa pela ocupação de parte do Complexo do Alemão com as duas tropas de elite, mas também pelo treinamento dos policiais já lotados nas quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) da região em técnicas de tiro e confronto em becos e vielas. Como parte do Plano de Ajuste das UPPs anunciado na semana passada pelo governo, o Comando da PM informou que policiais das unidades Fazendinha (320 homens), Morro do Alemão (320), Morro do Adeus (250) e Nova Brasília (120) realizarão essa nova etapa de formação. Uma primeira leva de 60 homens já está fazendo o treinamento.

As comunidades que começam a ser ocupadas pelos homens do Choque e do Bope são Fazendinha, Nova Brasília e Morro do Alemão, justamente as três onde acontecem mais confrontos armados e onde já ocorreram mortes de policiais lotados nas UPPs. O objetivo do governo é sufocar o revitalizado tráfico de drogas nestes três pontos e, para isso, a PM também acionará seu Batalhão com Cães: “Atuaremos com todas as nossas forças especiais”, diz Pinheiro Neto.

Uma das maiores dificuldades da reocupação do Complexo do Alemão, no entanto, será amenizar a revolta da população local contra a PM, já que, segundo os depoimentos de vizinhos e da própria mãe da vítima, o menino Eduardo de Jesus Pereira foi morto deliberadamente por um policial da corporação: “Não tinha tiroteio nenhum. Ele deu um tiro de fuzil no meu filho a menos de dez metros de distância. Meu filho estava brincando com um celular na porta de casa e levou um tiro de fuzil”, repetia, em prantos e aparente estado de choque, Therezinha Maria de Jesus, horas após a tragédia.

Investigações

O menino teve a cabeça dilacerada. O local de sua morte, no entanto, teria sido adulterado e nenhuma bala, cápsula deflagrada ou cartucho foi encontrado pelos especialistas do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, de acordo com investigadores da Divisão de Homicídios (Polícia Civil) e da Corregedoria da PM. Segundo moradores, foram os próprios policiais militares que desfizeram a cena do crime.

Oito policiais do Batalhão de Choque, acompanhados por outros três lotados na UPP do Morro do Alemão, faziam uma operação na localidade conhecida como Areal no momento do assassinato de Eduardo. Em depoimentos iniciais, disseram que havia intensa troca de tiros quando o menino tombou. As cinco armas usadas, entre pistolas e fuzis, foram recolhidas para exame de balística.

No princípio, todos os policiais negaram ter atingido o menino, mas após contradições em seus depoimentos, dois deles passaram a ser interrogados em separado pela Divisão de Homicídios até que ontem um deles admitiu a possibilidade de ser o autor do disparo. O policial, que não teve a identidade revelada, teria sofrido um surto psiquiátrico logo após seu depoimento e foi encaminhado para tratamento enquanto prosseguem as investigações. Os dois policiais foram preventivamente afastados de suas funções.

Em nota oficial, a presidenta Dilma Rousseff pediu rigor nas investigações: “Espero que as circunstâncias da morte de Eduardo de Jesus Ferreira sejam esclarecidas e os responsáveis, julgados e punidos”.

Manifestações e conflitos

O menino que trazia Jesus no nome foi assassinado na véspera da Sexta-Feira da Paixão. Foi a quarta morte em dois dias no complexo. Na véspera, a porteira de creche Elizabeth de Moura Francisco, de 41 anos, morreu ao ser atingida por um tiro de fuzil dentro de casa, na favela Alvorada. Na mesma hora, perto de sua casa, dois homens – supostos traficantes que não tiveram suas identidades reveladas – foram mortos durante operação policial. A Divisão de Homicídios afirmou que fará nos próximos dias a reconstituição das mortes de Elizabeth e Eduardo.

Os assassinatos provocaram várias manifestações espontâneas das comunidades. Pessoas usavam lençóis e toalhas para improvisar bandeiras brancas que eram estendidas nas lajes de suas casas. Velas e luzes de celulares foram acesas à noite nas janelas. Passeatas, a pé ou motorizadas (organizadas pelos mototaxistas), se uniam e multiplicavam pelas favelas e seu entorno. Durante a ocupação, em protesto, da Estrada do Itararé, via próxima onde transitam muitos ônibus e caminhões, houve confronto campal envolvendo moradores e policiais. Uns atiravam paus, pedras e garrafas, outros usavam spray de pimenta e bombas de efeito moral.

Os conflitos durante as manifestações foram apenas o mais recente capítulo de uma escalada de animosidade que vem acuando a polícia no complexo de favelas. Desde o início do ano, se intensificaram ataques a tiros de fuzil aos contêineres que servem como base para as quatro UPPs da região, o que obrigou os policiais a abandonar em fevereiro uma base avançada do Morro do Alemão, onde o tráfico voltou a dominar.

Desde setembro do ano passado foram mortos policiais das UPPs Nova Brasília e Fazendinha. A insegurança coloca a PM em pé de guerra. Repetindo uma estratégia que, curiosamente, era usada por traficantes, a corporação decidiu montar barricadas com toneis cheios de cimento para impedir a aproximação dos bandidos em carros e motos.

Estado de Emergência

Para facilitar o trabalho da polícia, foi anunciada pelo Comando da PM a substituição dos contêineres utilizados pelas UPPs do Complexo do Alemão por bases modulares de concreto, vidro blindado e aço, à prova de tiros. A primeira delas, já usada, foi instalada hoje (8) em caráter emergencial na favela Nova Brasília.

O governador Pezão anunciou que a Assembleia Legislativa do Estado doou R$ 70 milhões ao programa de UPPs, verba que será utilizada para a instalação de oito cabines blindadas novas, quatro no recentemente ocupado Complexo da Maré e quatro no Alemão.

Pressionado pela Secretaria de Segurança Pública para garantir os recursos necessários ao fortalecimento das UPPs, Pezão disse que, se for preciso, adotará Estado de Emergência no Rio: “Assim como acontece com os desastres naturais, a segurança pública também pode demandar uma situação de emergência. Para garantir as UPPs, a construção de novas bases e o aumento do efetivo, não posso esperar a burocracia”.