Desperdício

Famílias culpam vazamento da Sabesp por interdição de 200 casas em São Paulo

Na quarta-feira, famílias começam a receber bolsa-auxílio. Contrato entre prefeitura e governo do estado prevê responsabilização da empresa, avalia conselheiro da OAB

Vazamentos ainda são comuns na comunidade. Barulho de água pode ser ouvido sob chão das vielas <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Rachaduras no solo teriam sido causadas por vazamento <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Fundadores da comunidade, em 1988,agora dividem prédio em obras com outras 16 pessoas <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Marcada para cair, casa de Débora Oliveira não sofreu danos, mas está sob ameaça <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Rachaduras surgiram da noite para o dia <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Severino da Silva mostra documento que dá direito de posso sobre sua moradia <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Em terreno íngrime. Afloramento de mina d'água e vazamento da sabesp são investigados <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Com medo, moradores da comunidade abandonaram suas casas <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Com medo, moradores da comunidade abandonaram suas casas <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Depois do problema, movimentos de moradia convocam desabrigados <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Rachaduras surgiram da noite para o dia <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Rachaduras surgiram da noite para o dia <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Moradores chegaram a fazer manifestação para chamar atenção  <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Com medo, moradores da comunidade abandonaram suas casas <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Com medo, moradores da comunidade abandonaram suas casas <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>

São Paulo – Enquanto moradores das zonas norte e oeste de São Paulo, além dos que vivem em cidades no interior e da região metropolitana, sofrem com falta de água nas torneiras, famílias da Favela da Erundina, na zona sul, sofrem com o inverso: eles acreditam que um vazamento em tubulações da Sabesp possa ter sido o responsável pela erosão do solo sob casas, que causou pânico entre a população local e levou, em última instância, à interdição de quase 200 moradias na comunidade no final do mês passado. Na última quarta-feira (14), a RBA esteve no local e constatou vazamentos e o barulho de água correndo sob o chão em vários pontos da favela.

De um dia para o outro, contam moradores, o chão de vielas amanheceu “revirado” e, as casas, rachadas como se tivessem passado por um terremoto. “Você não imagina o pânico que foi isso aqui. Mais de duas mil pessoas correndo, com tudo que podiam na cabeça, descendo a favela, clamando a Deus, dizendo que o morro ia cair”, relembra Débora Soares de Oliveira, de 26 anos, todos vividos na comunidade.

Os moradores contam ainda que, dias antes de as rachaduras surgirem, podiam ouvir o barulho de água correndo sob as casas. Mas, como nada aparecia na superfície, não deram muita atenção. Só quando as construções começaram a estourar, uma das moradoras, Adriana Oliveira, procurou a Suprefeitura do M’Boi Mirim para relatar que algo estava errado. Seu apelo não foi atendido. As autoridades só chegaram quando as residências já estavam inclinadas.

“Isso devia estar vindo de muito tempo, porque as contas aqui eram altas, viu?”, afirma. Há quatro anos, contam os moradores, a Sabesp regularizou o fornecimento de água e instalou relógios em todas as casas, inclusive nos pontos mais altos da comunidade, assentada em terreno íngreme. Mas, na ocasião, a empresa não teria desligado os encanamentos antigos, onde estavam instalados os “gatos”, como são chamadas as ligações irregulares de água. Procurada, a Sabesp não respondeu até a publicação desta reportagem. O vazamento das tubulações da empresa é um dos principais fatores de desperdício de água potável no estado: a própria companhia, em relatórios, reconhece que perde cerca de 25% de toda a água que capta por conta de vazamentos, situação que segue sem solução há anos.

Quatro dias depois dos problemas nas estruturas, a empresa foi até o bairro e consertou um vazamento na rua José Joaquim Esteves, que está um nível acima da favela, afirmam os moradores. “Nessa rua, as casas também apresentaram rachaduras”, conta Débora.

Na próxima quarta-feira (21), as famílias devem começar a receber auxílio-aluguel de R$ 300 da prefeitura e estão avisadas de que nunca mais irão voltar às casas, que serão demolidas manualmente – mesmo aquelas que não foram abaladas. O risco, aponta a Defesa Civil aos moradores, é que, se as residências do alto do morro caírem, elas podem danificar as demais. A Secretaria Municipal de Habitação afirma que as famílias irão receber o auxílio até que uma moradia definitiva seja concluída, mas ainda não tem local definido para a construção de unidades habitacionais para a população da Favela da Erundina.

Segundo a prefeitura, um laudo técnico para apurar as razões do episódio deve ser emitido depois da demolição das casas. Além da hipótese do vazamento da Sabesp, a prefeitura investiga a possibilidade do afloramento de uma mina d’água, o que é descartado pelos moradores. “A gente mora aqui há quase 30 anos, nunca teve mina nenhuma. Isso só aconteceu depois que a Sabesp chegou”, acusa Creusa Rodrigues dos Santos, uma das fundadoras da comunidade. Creusa também argumenta que, durante a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT, 2001-2004), moradores ganharam um termo de posse. “Se fosse de tanto risco assim, eles teriam dado para a gente? A própria prefeitura?”

No contrato firmado em junho do ano passado entre a prefeitura e o governo do estado, acionista majoritário da empresa de água e saneamento, está prevista a responsabilização da Sabesp para “cobertura dos riscos inerentes à execução das atividades relacionadas à prestação dos serviços”. O presidente da comissão de Direito Adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Adib Kassou Sad, garante que essa cláusula, caso seja comprovada a responsabilidade da empresa no dano aos imóveis, faz com que a Sabesp tenha de arcar com os gastos “extraordinários” da prefeitura e indenizações aos moradores, inclusive por danos morais. “Mesmo que ela não tenha esse seguro, cuja função principal é proteger a própria empresa”, destacou.

Questionada se pretendia acionar a empresa controlada pelo governo do estado, a prefeitura disse que não poderia se pronunciar baseada em hipóteses.

Entre os agora ex-moradores da comunidade, o clima é de revolta e, o cenário, de abandono. O temor fez com quase todos os moradores deixassem a comunidade, que tem casas grandes, com pisos de cerâmica e acabamento, apesar das vielas emaranhadas. Os antigos moradores procuraram casas de parentes ou resolveram arcar com aluguel, nunca inferior a R$ 800 na região, mesmo em lugares pequenos. Por isso, muitos deixaram para trás eletrodomésticos e móveis, porque simplesmente não cabiam no local onde conseguiram abrigo.

“Eu mesma venho aqui todo dia para ver como estão minhas coisas”, conta Débora, que vive com outras 18 pessoas em um imóvel emprestado da ONG Bloco do Beco. O imóvel seria usado como sede, mas não foi concluído. Por isso, foram os ocupantes que instalaram a privada. Sem ligação elétrica de 220 volts no espaço, eles tomam banho de caneca ou nas casas interditadas.