por um dia

Moradores do extremo sul de São Paulo criam linha de ônibus popular com tarifa zero

Cansados de caminhar até dez quilômetros para chegar ao primeiro ponto de ônibus, população organiza ato para provar que linha é viável

Sérgio Santos fica aliviado ao ver que não perdeu o ônibus, após meia hora de caminhada <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Mesmo após o horário de ida ao trabalho, a van permaneceu cheia em todo o ato <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Isabel Cristina e a filha mais velha prometem lutar sem trégua pela linha Mambu-Marsilac <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Luiz Vieira e o documento que aprova a implementação da linha. Ele quer retomar o diálogo com a prefeitura <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Moradores também fizeram caminhada com faixas e cartazes reivindicando a linha de ônibus <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>População já prepara os próximos passos para exigir criação da nova linha <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Linha popular teve tarifa zero, mas moradores não descartam uso do Bilhete Único para ter a linha <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Sem pontos determinados, motorista parou mediante pedidos dos moradores, já que as casas são distantes <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Adultos e crianças aproveitaram a linha para tocar a vida e ir à consulta na UBS, por exemplo <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Mesmo com a linha, muitos moradores ainda caminharam por cerca de 20 minutos para além do ponto final <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Ponte danificada foi o maior empecilho ao trajeto. Moradores tiveram de desembarcar para atravessar <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>A rua de terra pode ser complicada em dias de chuva. Pavimento permeável seria alternativa <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>

São Paulo – Moradores do bairro Mambu, na região de Marsilac, extremo sul da capital paulista, realizaram hoje (11) ato em prol da criação de uma linha de ônibus no bairro, onde vivem cerca de 2 mil pessoas. Após a realização de um bingo de arrecadação de fundos na sexta-feira passada (5), eles alugaram uma van para fazer o trajeto entre o bairro e a estrada de Engenheiro Marsilac, em um percurso de aproximadamente 10 quilômetros, geralmente feito a pé. A linha foi parcialmente aprovada pela prefeitura no fim do ano passado, mas nenhuma outra medida ocorreu desde então.

O local é uma região de preservação, com muitos sítios e mata preservada, que fica bem próxima da divisa com o município de Embu Guaçu. Exceto pela estrada de Engenheiro Marsilac, todas as vias são de terra. Distante 50 quilômetros do centro da capital, muitas vezes os moradores ouvem perguntas se a região é mesmo parte de São Paulo. A proposta da linha popular pretende mostrar para a prefeitura que é possível operar uma linha de ônibus no local.

O vigilante Sérgio Santos, de 32 anos, já havia andando por meia hora na estrada de terra da Ponte Seca, quando esperava o ônibus que o levaria ao Terminal Varginha, distante 28 quilômetros de sua casa. Eram 7h45 e ele só entraria no trabalho 10h, no Shopping Interlar, em interlagos. “Todos os dias é assim. Precisamos muito de uma ligação entre Mambu e Marsilac, porque o degaste é enorme. Quando a gente chega no trabalho, já está cansada”, afirmou.

Morador do bairro há 18 anos, ele não conseguiu pegar a van popular que faria o trajeto na manhã de hoje. “Já fizemos muitos abaixo-assinados, mas nunca aconteceu nada”, comentou, descrente de uma ação do poder público no local. “Podia ser uma linha que circulasse aqui nos bairros, ligando com a estrada de Engenheiro Marsilac. Já ia adiantar muito a nossa vida”, completou.

Segundo o militante do Movimento Passe Livre Caio Martins, a van não deu conta de conta de atender a todos, por isso muitos nem a viram. “É um trajeto muito longo e estreito, todo de terra. Conseguimos fazer somente uma viagem completa até as oito horas, mas com o veículo cheio. Isso demonstra que a linha é necessária e, mesmo com os problemas, viável”, afirmou. Outros militantes do Passe Livre e da Rede de Comunidades Extremo Sul apoiaram o ato.

Outro problema é que a ponte que passa sobre o Rio Branco, está danificada e foi consertada de forma precária pelos próprios moradores. Quando a lotação chegava no local, todos os passageiros tinham de desembarcar, atravessar a ponte a pé, esperar ela passar e embarcar novamente. Com isso, o trajeto entre Mambu e a estrada de Engenheiro Marsilac levou cerca de uma hora e quinze minutos, só na ida.

Os moradores dos bairros no entorno do Mambu – Embura, Quinze, Reserva e Paiol Velho – vivem a mesma sina. Sem uma linha de ônibus, fazem longos trajetos a pé, seja para trabalhar, estudar ou ir ao médico, já que a única Unidade Básica de Saúde próxima – Luciano Bergamin – fica justamente no meio de todos eles.

“A gente leva até quatro horas se for andando para a UBS. Se não tiver um carro, uma moto, morre à mingua”, reclamou Maria das Graças Santos, de 63 anos, moradora do Paiol Velho. Para ela, uma linha de ônibus é fundamental, mesmo levando 45 minutos para chegar na unidade, como foi o caso de hoje com o uso da lotação.

Ir ao pronto-socorro é uma missão quase impossível. O mais próximo fica a 20 quilômetros de distância, em Parelheiros. O Hospital Geral do Grajaú fica a cerca de 35 quilômetros dali.

A situação, nesse caso, é bem difícil para a diarista Isabel Cristina da Silva, de 48 anos. Ela tem uma filha de 10 anos que depende de cadeira de rodas para se locomover. A ida para a UBS, distante cerca de cinco quilômetros de sua casa, depende da boa vontade de vizinhos.

“Não tem a menor condição. Desde 1992, quando eu vim viver aqui, as pessoas mandam abaixo-assinados e fazem ofícios pedindo a linha. Mas nada acontece”, afirmou. Ela destacou uma situação comum da periferia paulista nos anos 1980. “Quando chove temos de colocar sacolas plásticas nos pés para evitar o lamaçal. Isso se der pra andar”, lamentou.

Segundo o estudante Luiz Vieira, um dos organizadores do ato, a implementação de uma linha no local foi aprovada em 26 de dezembro de 2013 por um grupo de discussão composto pelo Conselho Gestor da Área de Preservação Ambiental (APA) Capiviri-Monos, pela Subprefeitura de Parelheiros e pela São Paulo Transportes (SPTrans).

Um documento sobre o caso, a partir do qual Vieira quer retomar o diálogo com a prefeitura, condiciona a linha à garantia de preservação da mata e defesa contra um possível adensamento habitacional da região, proteção dos animais silvestres que vivem no local, adequação do viário e da ponte sobre o Rio Branco. Uma segunda linha, ligando os bairros de Embura e Reserva, foi rejeitada pelo grupo, porque atravessaria uma Zona de Vida Silvestre e poderia prejudicar os animais nativos.

“Deram prazo até fevereiro para iniciar o processo, mas nada aconteceu. Entendemos que é preciso proteger, mas pode usar pavimento permeável, por exemplo. Além disso, já circulam ônibus grandes que levam as crianças para as escolas. O que não pode é as pessoas andarem dez quilômetros para pegar o primeiro ônibus”, desabafou Vieira.

“A falta de transporte inviabiliza a vida dos moradores do bairro, dificulta o emprego e o estudo”, completou.

Exemplo dessa situação é Jaime Rodrigues Bueno, de 34 anos, que afirmou ter perdido algumas oportunidades de emprego por conta da dificuldade com o transporte. “O deslocamento é tão absurdo que quando a gente diz onde mora, dispensam. Comigo aconteceu duas vezes”, contou. O bairro fica bem próximo do município de Embu Guaçu, mas isso não ajuda.

“Tem uma linha de lotação de Embu Guaçu que passa aqui perto. Mas é uma van a cada três horas, muitas vezes nem passa. Não tem como confiar e buscar emprego na outra cidade”, explicou.

O montador de móveis Ivan Lopes enfrenta o desafio diariamente. Ele caminha cerca de 40 minutos até a estrada de Engenheiro Marsilac, toma o ônibus, desce no cruzamento com a estrada do Cipó e pega o intermunicipal que vem do Terminal Grajaú para Embu Guaçu. “É bem cansativo”, resumiu Lopes. “Mas o que vamos fazer?”

Embora a linha tenha funcionado somente hoje, os moradores ficaram satisfeitos com o resultado. “É indescritível”, disse Maria das Graças. “Uma benção de Deus.” Desembarcada no “ponto final” da linha popular, ela ainda andaria 20 minutos até sua casa, mas menos cansada.

A SPTrans não atendeu à reportagem.

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