para não secar mais

Promotora defende regras mais rígidas para uso de águas da Cantareira pela Sabesp

Desrespeito às determinações, flexibilização das normas, sistemas virtuais, política sobre a técnica devem ser algumas das situações combatidas por novo documento de concessão

© Amana Salles/Fotoarena/Folhapres

Governo paulista foi alertado da necessidade de se investir em estrutura de abastecimento dez anos atrás

São Paulo – O direito da Sabesp retirar água do reservatório Cantareira tem de ser renovado em agosto deste ano e a promotora Alexandra Facciolli Martins, do Ministério Público Estadual em Piracicaba, defende que sejam definidas regras mais rígidas para operação do sistema. Para ela, a atual crise de abastecimento na Cantareira evidencia que as regras da outorga estão sendo desrespeitadas e que é preciso definir controles qualitativos e quantitativos.

Outras recomendações fazem parte da contribuição do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) Piracicaba, para a Carta de Campinas, documento elaborado pelo Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí que será divulgado na próxima segunda-feira (17), sobre a situação do sistema Cantareira e o direito de uso da Sabesp.

“Nós temos um cenário em que não houve o cumprimento da redução de dependência da Cantareira. Por conta da situação de escassez nós tivemos impactos ambientais, econômicos e sociais gravíssimos, que devem ser avaliados”, afirmou Alexandra.

O primeiro ponto é a determinação de que a Sabesp buscasse alternativas para o abastecimento dos nove milhões de pessoas da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), atendidos pelo sistema Cantareira, constante da outorga desde 2004. Naquele ano o reservatório já era considerado deficitário na manutenção do volume de água. “Isso não foi feito. Alternativas diversas foram pensadas, mas nenhuma delas foi implementada”, afirmou Alexandra. O último curso de água a ingressar no sistema da Sabesp foi o Alto Tietê, em 1993.

Curiosamente, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) elaborou um relatório, divulgado hoje (14) pelo jornal Folha de S. Paulo, em que indica a necessidade de construir um sistema de reservatórios equivalentes ao tamanho de dois Cantareiras para sanar a demanda de água, até 2035. O custo seria de até R$ 10 bilhões. O estudo teria levado cinco anos para ficar pronto, apesar de a autorização de uso da Cantareira pela Sabesp exigir isso há 10 anos.

O sistema Cantareira foi construído em virtude da necessidade de água na região metropolitana já nos anos 1970. Com ele passou a se fazer uma transposição das águas da bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Bacia PCJ) – que abriga Campinas, Americana, Bragança Paulista e outras 40 cidades – para o sistema Alto Tietê. E a autorização de exploração foi concedida à Sabesp.

A recomendação mais emblemática que o Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente do Ministério Público é a necessidade de planejamento e de transparência nas tomadas de decisões.

Segundo Alexandra, a sugestão é necessária por que estão se desconsiderando medidas urgentes na situação atual. “Agora, mais do que nunca, nós precisamos de decisões técnicas e não políticas. É uma situação de emergência excepcional e isso demanda uma seriedade muito grande de todos os envolvidos”, ressaltou.

Ela já denunciou, conforme reportagem da RBA, que a Sabesp e as agências reguladoras – Agência Nacional de Águas (Ana), federal, e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), estadual – têm desconsiderado os volumes de retirada de água estabelecidos pela curva de aversão a riscos, no documento de outorga. Aliada à falta de chuvas, a atitude pode causar um dano que levará muitos anos para ser revertido.

“A média de vazão afluente (o quanto de água entrou no reservatório) em fevereiro deste ano foi o mais baixo visto na história: 8,5m³/s. É baixíssimo. É muito pior do que o parâmetro utilizado como baixo na construção da represa”, explicou Alexandra. Hoje a vazão afluente está em 11,5m³/s, quando o ideal neste período do ano seria de pelo menos 60m³/s. Assim sendo, ela defende que as medidas necessárias devem ser tomadas “mesmo que seja difícil se explicar em relação à falta de planejamento”.

Porém, o racionamento tem sido descartado repetidamente pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Outras medidas foram anunciadas, como a redução no nível de água retirado da água e descontos na conta de água para quem reduzir o consumo médio em 20%.

“Pelo que temos conversado com os técnicos essas decisões são insuficientes. A decisão técnica volta a ser flexibilizada para não se estabelecer um regime mais severo de distribuição de água”, afirmou, contestando as ações tomadas até agora.

Outra demanda é a eliminação do chamado Banco de Águas, um sistema virtual de armazenamento de água, que não registra o volume no índice que a companhia divulga cotidianamente. Nos verões de 2009 e 2010 – um período anormalmente alto de chuvas – a Sabesp acumulou uma quantidade imensa de água no reservatório, contou a promotora.

No mesmo período a Sabesp enviou somente 26,4 metros cúbicos por segundo (m³/s) de água, em média, para a região metropolitana. Quando devia, de acordo com a concessão, enviar 31m³/s. Ou seja ela tinha cerca de 4m³/s sendo acumulados diariamente, o que equivale a guardar 345 mil caixas d’água de mil litros.

“A Sabesp tinha um grande banco. Tanto que em fevereiro deste ano, o volume útil do reservatório Cantareira era composto somente pelo banco armazenado, o que é uma situação completamente anômala”, avaliou Alexandra. Ao mesmo tempo, a região da Bacia PCJ não possuía praticamente nenhuma reserva.

A situação se complicou mais porque, com o crescimento econômico e populacional da região, a Bacia PCJ vem demandando maior volume de água. O envio médio para a região já vem sendo superior ao estipulado na outorga. A necessidade da região metropolitana também aumentou muito. Mas a oferta não.

“No período de dez anos, a média de retirada de água para a bacia PCJ foi de 7metros cúbicos por segundo (m³/s). Sendo que a vazão autorizada máxima era de 5m³/s. Ou seja, sempre houve um déficit sobre o que estava autorizado e o que era realmente necessário para atendimento aos municípios da Bacia PCJ”. Desde a última segunda-feira (10), a região vem recebendo somente 3m³/s de água, conforme determinado por Ana e Daee.

Para Alexandra, há um equívoco na gestão das águas do sistema Cantareira, que deveriam priorizar as cidades da bacia matriz, mas vem deixando ela em segundo plano, colocando em risco o abastecimento da população e o desenvolvimento econômico da região. “A gestão da água, de acordo com o sistema de gerenciamento de recursos hídricos, deve ser realizada por bacia hidrográfica, que é definida de acordo com o curso natural das águas”, afirmou.

No entanto, no período em que a estiagem apertou, a Sabesp manteve a vazão de água para a região metropolitana e a reduziu para as demais cidades.

Segundo ela, não se trata de retirar a outorga da Sabesp, mas de “rediscutir o processo, analisar a possibilidade ou não de continuar a retirada de água e em que níveis. E também de estipular uma forma de fazer isso sem prejudicar a bacia doadora que é a PCJ. É preciso estipular um controle qualitativo e quantitativo”, concluiu Alexandra.