Vitória de movimentos

São Paulo e Rio revogam aumento da tarifa de transporte público

Medida é adotada por prefeitos Fernando Haddad e Eduardo Paes e pelo governador Alckmin após quase 15 dias de protestos que ganharam força e passaram a incorporar outras insatisfações da população

Mídia Ninja. CC

A decisão é adotada após forte pressão da sociedade, mobilizada a partir da iniciativa do Passe Livre

São Paulo – Os prefeitos de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciaram de forma simultânea a revogação do aumento das tarifas do transporte público nas capitais paulista e fluminense.

Em São Paulo, as tarifas de ônibus, trem e metrô da capital recuam a partir de segunda-feira de R$ 3,20 para R$ 3. No Rio, o preço do ônibus volta a R$ 2,75, redução de 20 centavos. A decisão de voltar atrás no reajuste, que começou a valer no dia 2, vem após quase 15 dias de protestos que começaram na cidade contestando o alto preço do transporte público e ganharam todas as regiões do país, ecoando outros focos de insatisfação da sociedade.

Tanto Haddad como Alckmin afirmaram em seus breves pronunciamentos no Palácio dos Bandeirantes que a medida é feita em prol da cidade e do transporte coletivo. “Entendo que é importante para o transporte, é prioridade o transporte coletivo de qualidade”, afirmou o governador. “É um sacrifício grande, vamos ter que cortar investimentos, porque as empresas não têm como arcar com esses custos.”

Haddad acrescentou que a medida expressa a necessidade de abertura ao diálogo. “Agora com mais responsabilidade porque temos de explicar as consequências desse gesto para o futuro da cidade”, disse. “Em proveito do diálogo da cidade, reuni o Conselho da Cidade esta semana, ouvi todos os conselheiros. Conforme havia dito, não constitui o Conselho da Cidade para não ouvi-lo em um momento delicado.”

O secretario de Planejamento do Governo do Estado de São Paulo, Júlio Semeghini, informou que será apresentada a Alckmin uma lista de opções de investimentos que podem ser cortados para subsidiar a tarifa. O deslocamento de verba não será exclusivo do setor de transportes, e pode atingir outros setores.

No Rio, Paes afirmou que a medida foi tomada após muito “refletir” e respeitando a vontade das manifestações das últimas semanas. “Eu e Fernando Haddad entendemos como prefeitos das duas maiores cidades brasileiras que esse debate precisava se dar de forma democrática, com essa absoluta maioria de pessoas que vai às ruas para manifestar sua indignacao entre outras coisas”, argumentou. “Jamais daremos atenção e ouvidos às pessoas que utilizem a manifestação para praticar vandalismo e violência para quem quer que seja.”

O governador Sérgio Cabral (PMDB), que não participou do anúncio, informou em nota que “anulou os reajustes das tarifas dos trens, barcas e metrô. A decisão será publicada no Diário Oficial desta quinta-feira (20/06) e passa a valer a partir de sexta-feira (21/06)”.

Federal

O Congresso fechou horas antes acordo para tentar votar rapidamente o Projeto de Lei 310, de 2009, indicado pelo prefeito Fernando Haddad como um dos caminhos para baixar os custos do transporte público. O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), promete levar a proposta a apreciação na próxima terça-feira (25) e encaminhar o texto imediatamente à Câmara.

“Estamos muito animados com essa possibilidade, mas tudo dependerá de acordos entre os partidos”, disse o parlamentar, que se reuniu com presidentes da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), José Fortunati, que também é prefeito de Porto Alegre, e da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. Lindbergh afirmou ser necessário também que o governo aposte em uma “boa” articulação política. O Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros prevê a concessão de benefícios fiscais para municípios e empresários que implementem sistemas integrados de transporte.

Histórico

As passagens de ônibus, trem e metrô em São Paulo subiram de R$ 3 para R$ 3,20 no último dia 2, após um acordo entre os governos estadual e municipal. O reajuste, de 6,67%, ficou abaixo da inflação, como Haddad havia prometido em sua campanha eleitoral. Entre janeiro de 2011, quando do último aumento, e junho de 2013, a inflação acumulada foi de 15,5%. Festejada pela administração municipal, a “conquista” foi viabilizada porque o governo federal, preocupado com o impacto do aumento sobre os índices de inflação, pelos quais vem sendo duramente criticado, escolheu zerar a alíquota de PIS e Cofins que é paga pelas empresas de transporte de passageiros.

Ainda assim, quatro dias depois, 6 de junho, uma quinta-feira, ocorria a primeira manifestação pública contra o reajuste da tarifa na cidade. A segunda foi marcada para o dia seguinte, sexta-feira (7). Novas marchas aglutinaram milhares de paulistanos na terça-feira (11) e na quinta-feira (13). Conforme a mobilização cresceu em força e número de manifestantes, incrementou-se a repressão policial. O número de PMs enviados para dispersar o protesto mais que dobrou entre os dias 11 e 13 de junho: foi de 400 para 900 homens, nos quais estava incluído um destacamento da cavalaria. Com tamanho contingente, a polícia vandalizou as regiões da capital por onde passaram os manifestantes.

O endurecimento havia sido anunciado aos meios de comunicação pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no dia anterior. Como resultado, 232 pessoas foram detidas, segundo a Secretaria de Segurança Pública. De acordo com o Movimento Passe Livre (MPL), que convocava os protestos, mais de 150 acabaram feridas com maior ou menor gravidade. Demonstrando descaso com o bem-estar da população, a Tropa de Choque utilizou bombas de gás lacrimogêneo vencidas há mais de dois anos – o que pode trazer riscos à saúde, segundo o próprio fabricante.

Até os trabalhadores da imprensa sofreram o peso dos cassetetes. Uma repórter da RBA foi agredida no rosto e na nuca pelos porretes da PM enquanto cobria a repressão na Avenida Paulista. Uma jornalista da Folha de S. Paulo e um fotógrafo da Agência Futura Press foram atingidos no olho por tiros de bala de borracha. Assim como dezenas de manifestantes, um repórter da revista CartaCapital foi levado à delegacia para averiguações antes mesmo da marcha apenas por trazer uma garrafinha de vinagre na mochila – líquido que, além de temperar saladas, serve para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo.

Reação

A operação policial da última quinta-feira (13) – desatada logo no início do protesto e sem que houvesse qualquer arroubo de vandalismo por parte dos manifestantes – sensibilizou a sociedade paulistana. Alguns meios de comunicação que até então criticavam as mobilizações e pediam mais rigor policial contra os arruaceiros passaram a dar mais destaque à atuação descabida da PM. Alguns políticos também amainaram seus discursos e passaram a tentar interpretar os motivos das insatisfações, quase sempre atribuindo ao partido do adversário a culpa pela situação. No plano federal, o PSDB passou a dizer que os protestos expressavam a insatisfação com a gestão Dilma Rousseff.

No plano municipal, Haddad também mudou o tom. No começo das manifestações, tentou repetidas vezes deslegitimar a mobilização, que classificava como minoritária e violenta. Depois, o prefeito passou a criticar a ação policial e abriu canais de diálogo com representantes do MPL, convocados na sexta-feira pós-repressão a uma reunião extraordinária do Conselho da Cidade, colegiado formado por empresários, sindicalistas, representantes de movimentos sociais e líderes religiosos.

Apesar das tergiversações do prefeito, a mobilização só fez crescer. Na última segunda-feira (17), estimuladas pela repressão policial dos dias anteriores, cerca de 150 mil pessoas foram às ruas da capital paulista para exigir a redução da tarifa. A manifestação se concentrou no Largo da Batata, na zona oeste, e se dividiu em duas para chegar à Ponte Estaiada, na zona sul – um dos braços da passeata seguiu pela Avenida Faria Lima e outra, pela Marginal do Rio Pinheiros.

Uma vez concentrada na megaobra – cujo tráfego é impedido a ônibus e pedestres –, a massa se dividiu novamente: uma grupo seguiu um longo trajeto para a Avenida Paulista, enquanto a maioria pegou a direção do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual. A polícia, que simplesmente não havia aparecido durante toda a jornada, se concentrou no interior do edifício. Alguns manifestantes forçaram os portões, na tentativa de entrar no palácio, mas foram impedidos pelas tropas. Logo depois, a passeata se dissolveu.

Reta final

No dia seguinte, terça-feira, 18 de junho, uma multidão voltou às ruas. Desta vez a concentração ocorreu na Praça da Sé, no centro de São Paulo. A passeata novamente se dividiu em duas. Uma parte tomou o rumo do Terminal Parque Dom Pedro II, seguindo depois para a Avenida Paulista, onde dezenas de milhares de pessoas se concentraram pacificamente durante a maior parte da noite. Outro braço se dirigiu ao Edifício Matarazzo, sede do governo municipal.

O grupo exigia a presença do prefeito Fernando Haddad, que na ocasião não se encontrava no prédio: estava reunido com a presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, discutindo uma saída à situação. Depois de gritarem suas insígnias e demonstrarem seu descontentamento, a maioria dos manifestantes seguiu para a Avenida Paulista.

Mas uma pequena parte permaneceu em frente ao edifício e, diante da ausência do prefeito, arremeteu toda sua fúria contra o edifício Matarazzo. Os vidros dos cinco portões de entrada do palácio foram quebrados, bem como as janelas frontais e laterais. A fachada recebeu assinaturas características dos pichadores e mensagens contra o aumento da passagem de ônibus. Um grupo de manifestantes também usou o spray para deixar mensagens contra Haddad, Alckmin, Dilma e a realização da Copa do Mundo de 2014. Insígnias como “Haddad covarde”, “Fora tucanos”, “Filha Dilma Puta” e “3,20 Copa não” foram impressas no prédio. As bandeiras do Brasil, do estado de São Paulo e da cidade foram arrancadas dos mastros.

Após arremeter contra a entrada principal da prefeitura, bem protegida por grades, o grupo tentou arrombar um pequeno acesso lateral. A porta de madeira resistiu às investidas. Como não conseguiram violar a sede da administração municipal, uma parte dos manifestantes passou a atentar contra alvos próximos. Um veículo da TV Record estacionado no local – e que transmitia ao vivo o quebra-quebra – foi  incendiado. Mais tarde, foi a vez de um pequeno posto policial que fica em frente ao prédio arder em chamas.

Em seguida, quem sofreu com a histeria coletiva foi uma agência bancária logo ao lado. Outro banco, localizado na Praça do Patriarca, a poucos metros dali, seria o próximo alvo. A destruição saiu do controle e se estendeu a lojas nos arredores. A reportagem presenciou o saqueio de uma loja de roupas, de celular, de chocolate, de tênis e de aparelhos eletrônicos. Por volta das 21h, era possível ver pessoas mascaradas perambulando pela Rua São Bento com grandes aparelhos de televisão nas costas. O fotógrafo da RBA Danilo Ramos esteve a ponto de ser agredido pelos jovens que promoviam a destruição.

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