Conselho da Cidade

De Raí a urbanistas, conselheiros de Haddad apoiam revogação de aumento da tarifa

Escolhidos por Haddad, membros do Conselho da Cidade de São Paulo avaliam que revogar reajuste é decisão correta no momento

Joel Silva/Folhapress

Para os conselheiros, voltar atrás no aumento não é uma derrota de Haddad, mas o reconhecimento da democracia

São Paulo – A reunião extraordinária do Conselho da Cidade de São Paulo, realizada hoje (18), na sede da prefeitura, para discutir a revogação do aumento da tarifa de transporte na capital, teve um resultado de certa maneira inesperado. Dos 37 conselheiros que se pronunciaram, a maioria defendeu diretamente que a revogação do aumento. Mesmo os que não deixaram isso claro também não foram contrários. O ex-jogador de futebol Raí Souza Vieira defendeu que os gestores públicos devem ter “sensibilidade neste momento e precisam pensar fora do sistema”.

O prefeito Fernando Haddad (PT) fez uma explanação inicial apresentando argumentos sobre a dificuldade em realizar a revogação. “Se revogarmos o aumento será preciso tirar dinheiro de outros setores para manter o subsídio necessário, da ordem de R$ 1,4 bilhões até o final do ano, sem os R$ 0,20. Quero que toda a população entenda a situação e o que temos de considerar nesse processo”, disse.

Logo em seguida, o presidente do Instituto Internacional de Teatro, Ney Piacentini, foi até onde o prefeito estava sentado e exigiu espaço para manifestação dos conselheiros, antes que o secretário Municipal de Transportes, Jilmar Tatto, apresentasse dados sobre o setor. Em seguida, o coordenador-geral da rede de cursinhos populares Educafro, frei David dos Santos, afirmou que deixaria a reunião se não lhes fosse aberto o microfone.

O secretário de Relações Governamentais da prefeitura de São Paulo, João Antônio da Silva Filho, tentou, sem sucesso, argumentar que este era o formato da reunião e que era preciso apresentar os dados. Foi realizada votação e a ampla maioria dos conselheiros votou pela abertura sem restrições das falas.

O primeiro a exercer o direito foi o jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, que fez um apelo ao prefeito Fernando Haddad. “Um gesto de recuo não seria derrota, mas a afirmação da força democracia paulistana”, avaliou. “Revogue o aumento e podemos iniciar um diálogo sobre o sistema de transportes na cidade.” Para o jornalista, é importante fazer uma conferência sobre o trabalho do colegiado, pois os conselheiros, como indicados do prefeito, não são exatamente representantes do povo paulistano.

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, relatora da ONU sobre o Direito à Moradia Adequada, afirmou que a prefeitura tem uma oportunidade única de ampliar espaços de participação e colocar em xeque poderes aparentemente consolidados. “Se quiser agir no sentido do que as ruas clamam hoje, esta é a chance. Pode ampliar o direito à cidade, rompendo com o poder que as concessionárias de transporte têm aqui e em todas as cidades”, avaliou.

Frei David, cuja entidade entrou com uma representação no Ministério Público Estadual contra os aumentos efetuados pelo governo de São Paulo e a prefeitura da capital, cobrou reconhecimento da posição dos conselheiros. “A maior parte dos conselheiros que falou antes de mim foi favorável à redução. Se o senhor nos leva a sério prefeito, revogue o aumento”, pediu.

Ex-ministro dos governos de José Sarney (1985-1989) e de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), Luiz Carlos Bresser-Pereira se manifestou em prol da mudança de posição do prefeito. “Eu nunca havia pensado em transporte como direito fundamental. Defendo isso em relação à saúde e à educação, mas nunca havia pensado em mobilidade. Vendo a exposição aqui colocada, também sou a favor da revogação”, afirmou. Ele exigiu mais em relação a uma reestruturação do sistema. “É preciso que haja transparência na gestão dos transportes e limite nos lucros dos empresários”, afirmou.

Único a se manifestar em favor da prefeitura, o presidente da Câmara Municipal, vereador José Américo (PT), ponderou que a prefeitura não pode decidir nem ser responsabilizada sozinha. “O governo estadual poderia baixar, muito mais que a prefeitura, o valor das passagens. Eles não mantêm nenhum subsídio sobre os valores cobrados. Mas não vejo ninguém cobrar isso do governo”, protestou.

A também arquiteta urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Ermínia Maricato se mostrou satisfeita com o resultado da reunião e manifestou fé no trabalho do conselho. “Achei que o Conselho da Cidade seria inútil. Pensei que só os interesses privados iriam prevalecer”, afirmou. Para ela, Haddad é um homem de sorte. “Vai poder discutir transporte, rever as prioridades da cidade, abrir a caixa-preta dos transportes. E tudo isso com o apoio de milhares de pessoas.”

Ao fim da reunião, Haddad afirmou que levará em conta o posicionamento dos conselheiros na reunião de negociação com o movimento, proposta para ser realizada ainda esta semana. “Eu não fiz o conselho para receber elogios. Eu ouvi todos e vou analisar a situação para decidirmos o que é melhor para a cidade”, concluiu.

Também participou da reunião um grupo de militantes do Movimento Passe Livre, que tem organizado, desde o dia 6, as manifestações contra o reajuste da tarifa de R$ 3 para R$ 3,20, realizado no dia 2, que provocaram a convocação desta reunião extraordinária.


Leia também

Últimas notícias