preso há 42 anos

Filha de Rubens Paiva lembra como foi o dia do desaparecimento do ex-deputado

Em um intervalo de três horas, Eliana beijou o pai e não o encontrou mais ao retornar para casa

Roberto Navarro/Assembleia Legislativa SP

Camila: “Se a gente não conseguir responsabilizar as pessoas que fizeram isso, a gente perpetua o que fizeram com a gente”

São Paulo – No dia em que o ex-deputado Rubens Paiva desapareceu, em 20 de janeiro de 1971, sua filha Eliana, de 15 anos, foi encontrar amigos na praia – eles moravam no Leblon, zona sul carioca. O pai conversava com o jornalista Raul Ryff, assessor de imprensa de João Goulart, e pediu um beijo antes que ela saísse. Eram 10h30, 11h do dia de São Sebastião, feriado no Rio de Janeiro. Quando Eliana voltou, lá pelas 14h, não encontrou mais o pai, segundo relato dado hoje (9) à Comissão da Verdade de São Paulo, que leva justamente o nome Rubens Paiva.

A casa estava fechada, com homens desconhecidos dentro. Rubens não estava mais lá. A mãe de Eliana, Eunice, pediu para que ela desse um jeito de sair e avisar alguém sobre a prisão de seu pai. Ela conseguiu ir até a casa de um amigo e telefonar para um tio, em São Paulo. E acredita que o pai morreu, sob tortura, por ter “xingado todo mundo quando começaram a maltratar testemunhas na prisão”. No dia seguinte, a própria Eliana e sua mãe foram presas, separadas e submetidas a interrogatório. A adolescente chegou a ser chamada de “comunista” porque um de seus questionadores mostrou um trabalho escolar, que ela havia feito, sobre a chamada Primavera de Praga, movimento na República Tcheca reprimido pela então União Soviética.

A certa altura, ela ouve um dos policiais dizer a um colega: “Cirurgião, está na hora de fazer um serviço”. Pouco depois, sempre encapuzada, Eliana começa a ouvir gritos vindos de uma sala próxima. “Ouvir ‘Pelo amor de Deus, parem com isso’ repetidas vezes foi a coisa mais alucinante que já ouvi na minha vida”, afirma. Ela foi solta 24 horas depois. A sua mãe ainda permaneceu 11 dias na prisão. Hoje com 83 anos, Eunice sofre do mal de Alzheimer.

A Comissão da Verdade paulista colheu dezenas de depoimentos desde segunda-feira, e tem mais pessoas a serem ouvidas amanhã. Na tarde de hoje, além de Eliana Paiva, os irmãos Paulo e Camila Sipahi recorreram a desenhos e imagens lúdicas para contar sua história. Eles tinham 7 e 5 anos, respectivamente, quando os pais, Rita e Antônio Othon, foram presos. Quando criança, Paulo desenhou, por exemplo, “aparelhos de falar e de respirar” e um chip que fosse posto nos país, que poderiam assim ser libertados e “pudessem cuidar da gente”. Outras imagens retratam morte, tiros. Paulo mostra tristeza quando lembra que seus pais eram apontados como bandidos. “Minha exigência é que o Estado de alguma forma diga que eles não eram bandidos, eles eram heróis.”

Camila exibiu em um telão uma história chamada “O sequestro da minha memória”, na qual fala de seu “processo de esquecimento, causado por angústia e medo”. Algumas imagens mostravam bonecos, que ela confeccionava, em cenas de tortura. Ela lembra da prisão dos pais e das visitas no Presídio Tiradentes, no Rio. “Se a gente não conseguir responsabilizar as pessoas que fizeram isso, a gente perpetua o que fizeram com a gente, isso vai ficar dentro da nossa sociedade.”

Também deram depoimento hoje Ernesto Carvalho, filho do metalúrgico Devanir Carvalho e conhecido como Ernesto Guevara, e Darcy Andozia, mãe de Carlos Alexandre Azevedo, que se suicidou em fevereiro, aos 40 anos, sem nunca ter se recuperado de torturas sofridas quando tinha apenas 1 ano e oito meses de vida.

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