‘Maior projeto’ da Vale acumula promessas de emprego e dinheiro, mas não vira realidade

Mina na Serra de Carajás. Quem acreditou na riqueza que sairia de suas terras, desiludiu-se (CC/Jeremy Bigwood/Pulica) Marabá – Marabá é a porta de entrada da Amazônia que aparece nos cadernos […]

Mina na Serra de Carajás. Quem acreditou na riqueza que sairia de suas terras, desiludiu-se (CC/Jeremy Bigwood/Pulica)

Marabá – Marabá é a porta de entrada da Amazônia que aparece nos cadernos de Economia dos jornais, não nos de Turismo. Essa é a primeira lição para não se decepcionar com a paisagem do hotel, ao lado do aeroporto, em plena rodovia Transamazônica. Entre postos de gasolina e serrarias, à margem da estrada, meia dúzia de hotéis oferecem ar condicionado, internet e um serviço feito por jovens simples metidos em uniformes “internacionais”, que chocam no verão amazônico. A chuva que nos recebeu na manhã de 14 de julho foi a última da temporada, e tardia.

A alegria da cidade é o rio Tocantins, a orla de restaurantes que servem tambaquis, filhotes e tucunarés imensos, cozidos ou assados em óleo de palmeiras e ervas – e aos domingos reúne os que se esbaldam nas praias e bancos de areia ou participam das competições de pescaria, a única atividade que atrai turistas para lá.

A maioria dos visitantes vem em busca de negócios: a cidade de 233 mil habitantes oferece mais de 60% de empregos no setor de serviços e comércio que gira em torno das atividades econômicas da região: fazendas de gado, empreiteiras e, a 150 quilômetros dali, o complexo de mineração da Vale S/A na Província Mineral de Carajás – que exporta cerca US$ 13 bilhões anuais do melhor minério de ferro do mundo, além de níquel, cobre, manganês.

São 110 milhões de toneladas de minério de ferro extraídas da Floresta Nacional de Carajás por ano. Segundo propagandeia a Vale, foi com esse metal que se ergueu mais da metade de Xangai, na China – o principal importador de minério. E a companhia pretende dobrar a produção em quatro anos: em junho deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença prévia para o “maior projeto da história da Vale”, a mina S11D, com investimento de US$ 19,4 bilhões entre abertura de mina e obras de logística para escoar a produção.

John Lennon, recepcionista do hotel, usa a moto para ir do trabalho à faculdade de administração, o que diz ser melhor do que usar os ônibus precários para circular pelo complexo rodoviário assustador que funciona como malha urbana em Marabá – uma característica de muitas cidades que visitamos na viagem.

Entre Marabá e Novo Repartimento, também no Pará, ficam os únicos 63 quilômetros contínuos de asfalto dos 4.226 quilômetros da Transamazônica, que se não conseguiu “unir o Brasil”, como queriam os militares nos anos 70 e 80, mudou para a sempre a vida dos que viviam nos povoados e aldeias alcançados pelas escavadeiras.

Localizada no ponto da confluência de três rios – Araguaia, Itacaúnas e Tocantins –, o complexo rodoviário de Marabá ergue-se sobre os resquícios dos castanhais ocupados por fazendas nos anos 1950, transformando em trabalho forçado a coleta tradicional dos ouriços da castanha-do-pará de caboclos e índios. As pontes e os viadutos dividem os bairros que brotaram dos sucessivos ciclos das fazendas de gado e da mineração a partir de Marabá velha, à beira do Tocantins. No povoado, surgiam os bordéis e as vendas que abasteciam o garimpo nos afluentes dos rios, nos grotões e nas serras.

Foram os garimpeiros que descobriram o tesouro primeiro e, incentivados pelo governo da ditadura, retiraram com as próprias mãos 30 toneladas de ouro (número oficial – estima-se que pode ser muito mais) de Serra Pelada. Hoje, o tesouro está nas mãos de uma mineradora canadense, no município de Curionópolis, sinistramente batizado em homenagem ao major da ditadura que conquistou o direito de disciplinar o formigueiro humano e colher parte da riqueza depois de caçar e matar os últimos guerrilheiros do PCdoB no Araguaia em 1972.

A perda do território que concentrava a maior parte da riqueza mineral foi uma imposição que surgiu a partir do Projeto Grande Carajás – que, nos anos 80, implantou-se definitivamente nas terras da União, ordenado a partir do complexo mineral de exportação da Companhia Vale do Rio Doce.

Em 1987, dois anos depois de a primeira carga de minério de ferro partir da mina escavada na Serra de Carajás pelos trilhos da Estrada de Ferro Carajás e ser embarcada no Terminal de Ponta Madeira, em Itaqui, litoral do Maranhão, o território da Vale na Serra de Carajás passou a se chamar Parauapebas – hoje, o munícipio que tem o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) de Pará (R$ 5,6 bilhões), atrás apenas da capital, Belém.

Os royalties de mineração não chegaram a quem lhes abriu a porta, e hoje Marabá é a cidade mais violenta do Pará, e a terceira mais violenta do Brasil, com 120,5 homicídios por 100 mil pessoas, quatro vezes a taxa nacional, segundo o Mapa da Violência 2012.

A índia esquartejada

Marabá vive uma crise econômica com a baixa do mercado de ferro-gusa. A principal indústria local, baseada no minério de ferro, oferece poucos empregos e de baixa qualidade. O sonho de abrir uma siderúrgica, a Aço Laminados do Pará (Alpa), para verticalizar a produção, parecia próximo a se realizar quando, em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a inaugurar com grande pompa o canteiro de obras da “siderúrgica da Vale”. Em outubro, o projeto foi definitivamente engavetado pela mineradora. Como diz o comerciante Eliomar Freitas, que transferiu sua peixaria de Belém apostando no crescimento da cidade: “Depois de 30 anos tirando minério, em Marabá não tem uma fábrica de faca para o sujeito se matar”.

A cidade com nome de índia assistiu impotente ao progressivo esquartejamento de seu território, perdendo o direito também sobre os vales em que às pastagens griladas se uniram as doadas pelos militares para paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos – rodeadas por projetos estatais de colonização que sorteavam lotes de dez alqueires a agricultores familiares que perdiam a terra no Pará, Goiás, Bahia, Maranhão, Piauí.

À sombra das árvores centenárias, de nomes bonitos como maçaranduba, mogno, angico e a insuperável castanheira, coroada pelo ninho do gavião real, travou-se novamente o conflito pelas terras da União. Enquanto os índios e os coletores de castanha e jaborandi se espremiam na mata cortada pelos igarapés, as balas dos pistoleiros (muitos, ex-garimpeiros) derrubavam colonos e sem-terra que se multiplicavam no rastro dos canteiros de obras da rodovia PA-150, construída pela Vale durante a instalação do complexo de Carajás, na virada da década de 70 para 80, e hoje uma rodovia estadual.

Ao norte, margeando o Tocantins em direção a Belém, seguindo as linhas de transmissão de energia da Usina Hidrelétrica do Tucuruí, os municípios ganharam nomes como Nova Ipixuna, Goianésia, Tailândia, que hoje aparecem nas buscas do Google como endereço comercial de carvoarias e serrarias ou como foco dos relatórios internacionais de violações de direitos humanos. Foi a 70 quilômetros de Marabá – no Assentamento Agroextrativista de Piranheiras do Alto, em Nova Ipixuna –, que, no ano passado, ocorreu um dos crimes recentes de maior repercussão mundial: o assassinato de um casal de líderes comunitários por pistoleiros contratados por grileiros vizinhos, que queimavam carvão nos lotes dos assentados.

Ao sudoeste, no vale em que o Itacaúnas estende seu braço para formar o Parauapebas, ficam Curionópolis e Eldorado dos Carajás. Ali, 19 troncos de castanheira queimados, formando o mapa do Brasil, lembram as vítimas do massacre de sem-terra pela Polícia Militar de Parauapebas, ocorrido em 1996, durante um protesto em que exigiam as terras prometidas por sucessivos e fracassados projetos de reforma agrária – que deixaram um rastro de miséria, desmatamento e violência, do governo militar ao governo do PT.

É nesse ponto que a PA-150 desvia para o Sul em direção ao Eldorado real: Parauapebas e Carajás, as duas cidades que a Vale ergueu escavando a Floresta Nacional de Carajás. É para lá que vamos, com a intenção de descer um pouco mais ao sul para conhecer o novo projeto da Vale – este, sediado na pequenina Canaã dos Carajás, a 70 quilômetros de Parauapebas, prestes a completar 18 anos de idade.

De Marabá a Parauapebas, a cidade que hoje sedia o complexo minerador, a paisagem surpreende pela desolação: essa é a região mais desmatada do Pará. Nas pastagens quase vazias, as cabeças de boi se alternam às faixas de plantações de palmeiras de açaí e buriti – a mesma folha que cobre as casas de plástico preto, humanizadas pelas crianças que correm em direção ao banho no igarapé. Há 12.068 famílias assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos municípios de Marabá, Eldorado dos Carajás, Curionópolis e Parauapebas e três vezes esse número esperando terra em acampamentos, segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

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