Kassab deixa sem-teto ao relento e segue sem resolver situação de despejados no centro de SP

Prefeitura de São Paulo impede moradores expulsos de ocupação no centro de construírem barracos para se abrigarem do sol e da chuva

Moradores esperam sinalização de Gilberto Kassab sobre o futuro destino (Foto: ©Nelson Antoine/FolhaPress)

São Paulo – A cena beira o insólito. Ou extrapola: em um fogão colocado na calçada de uma avenida central da maior cidade do Brasil, uma senhora prepara o almoço. Arroz, feijão, batata, tudo vai surgindo em meio a um sol castigante que faz a temperatura passar facilmente dos 30 graus em meio ao mar de concreto que sufoca o ar. 

Ao lado do fogão estão amontoados colchões, sofás, estantes, geladeiras, televisores, roupas, malas. A cena, que, na quinta-feira (2), já parecia exótica, ganhou contornos ainda mais incomuns – e mais cruéis – nesta sexta (3), quando a Prefeitura de São Paulo decidiu remover os barracos improvisados sob os quais moraram, durante menos de 24 horas, algumas dezenas de famílias. 

Assim como no dia anterior, dormir foi verbo pouco conjugado no encontro das avenidas Ipiranga e São João, no centro, a um Vale de Anhangabaú de distância do gabinete do prefeito Gilberto Kassab. A madrugada não chegara ao fim quando a Guarda Civil Metropolitana chegou para forçar os sem-teto a ficarem literalmente sem qualquer teto a lhe cobrir as cabeças. “O prefeito não tem nenhum interesse em ajudar. Não é o filho dele que está na rua, no sereno, no sol”, queixa-se Josineusa Tomás, de 29 anos, mãe de sete crianças – “de nove anos pra baixo”. O mais novo, de quatro meses, tenta abrir os olhos recém-vindos ao mundo debaixo de um sol inclemente mas não consegue. E se queixa este rapaz – como se queixa! – antes de aprender a falar já sabe sentir os efeitos da ação do poder público.

Mais de 200 famílias estão nessa situação desde que, na quinta, a prefeitura e o governo estadual deram cumprimento ao mandado judicial de reintegração de posse de um prédio em ruínas no encontro das avenidas Ipiranga e São João, residência durante três meses de integrantes da Frente de Luta por Moradia.

Na manhã da desocupação, eles atravessaram a avenida e montaram barracos improvisados para abrigar-se, e agora esperam, sob o sol, que seja oferecida uma solução. “Se não tiver uma saída até o fim da tarde, vamos colocar lonas de novo”, diz Osmar Borges, coordenador da entidade, enquanto um guarda civil impede Josineusa de esticar um lençol para proteger os sete filhos dos efeitos da luz solar – “montar barraca não pode”, avisa o representante da prefeitura. 

A administração Kassab diz que ofereceu albergues, proposta que foi recusada pelo movimento, já que nestas instalações as famílias teriam de ficar separadas. “Albergue não é política de habitação”, adverte Osmar. “É uma incoerência. Em vez de manter as famílias unidas, a prefeitura quer dissolvê-las.”

Mães e pais agora convivem também com a ameaça de perder a guarda das crianças, já que não têm um teto para abrigá-las. Enquanto isso, os moradores das ocupações vizinhas, também à espera de atendimento por algum programa habitacional, ajudam como podem: dando um lugar para descansar, para tomar banho, trazendo comida. “É difícil ficar aqui neste calor. É incômodo. As pessoas têm necessidade de água, de alimento”, diz a aposentada Ivani Aparecida da Silva, que há um ano se somou à luta por um teto. “Somos todos uma família com o mesmo objetivo.”

Iolanda Nascimento Ferreira, de outra das ocupações, também se mudou de mala e cuia – ou de agulha e bordado – para a calçada. “Já avisei que tô morando é aqui. E pronto.” Ela ajuda na vigília para garantir que sempre haja gente suficiente para resistir a alguma ordem de retirada da guarda das mães ou de repressão dos moradores. “Somos trabalhadores. Não somos bichos, como o prefeito pensa. Um país tão rico não olha para a população pobre.”

Os moradores aguardam uma sinalização da prefeitura sobre a remoção para um local para o qual possam ir todos, sem se separar. Enquanto isso, o Ministério Público Estadual tenta revogar a liminar que dá à administração municipal o direito de não prestar atendimento habitacional às famílias. Em nota emitida na quinta, a Secretaria de Habitação informou que não seria correto dar prioridade às famílias que ocuparam imóveis, dado que existe uma fila de um milhão de famílias inscritas em programas de moradia. “Se eles têm um milhão de cadastrados é porque não entregaram uma unidade habitacional. Se é assim, poderiam fornecer a lista com todas as famílias e há quanto tempo cada uma espera pelo atendimento”, critica Osmar. “As pessoas aqui estão em situação de risco, no meio da rua. A lei dá direito de prioridade a elas.”

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