Valet é ruim, mas todo mundo usa

Blitz prende oito manobristas na Vila Madalena, em São Paulo (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress) Muita gente soltou fogos ao tomar conhecimento da prisão de oito manobristas de empresas valet. Uma operação […]

Blitz prende oito manobristas na Vila Madalena, em São Paulo (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Muita gente soltou fogos ao tomar conhecimento da prisão de oito manobristas de empresas valet. Uma operação do Departamento de Investigações Sobre o Crime Organizado (Deic) na noite de ontem na Vila Madalena encontrou irregularidades no serviço. Apesar da promessa de deixar os veículos em um estacionamento com seguro, os carros eram deixados na rua, algumas vezes em locai proibidos. A operação contou com a participação de 65 policiais civis.

A revolta coletiva contra os serviços de valet é conhecida em São Paulo. Em qualquer que seja o bairro boêmio, o motorista sabe que encontrar um lugar para estacionar na rua ou uma vaga em estacionamento é quase impossível em noites movimentadas. Portanto, a única saída seria usar os serviços de valet. Assim, uma empresa se responsabiliza pelo estacionamento por preços normalmente abusivos.

Todos sabem, no entanto, que os carros não vão para lugares seguros, pelo simples fato de que não há estacionamentos disponíveis para satisfazer a demanda. O serviço é quase uma loteria. Alguns têm sorte de entregar o carro para o manobrista quando surge uma vaga, mas a maioria sabe que, se procurar, flagrará o próprio carro estacionado nas ruas das imediações.

Duas coisas chamam a atenção no caso. A primeira é a prisão dos manobristas. Provavelmente a decisão de prendê-los está correta tecnicamente, já que eram eles que estavam enganando os clientes. Mas ainda não há notícias – o que não quer dizer que não exista – sobre uma eventual investigação sobre os proprietários dos valets. Aqueles que trabalham à noite podem estar cometendo um crime, mas são instruídos pelos donos do negócio e não lucram com ele, portanto não podem ser considerados os responsáveis. Se os proprietários dos valets não forem punidos, é óbvio que nada vai mudar. Comemorar a prisão dos manobristas me parece um pouco precipitado.

A outra questão que se levanta é a transferência de responsabilidade do dono do carro para o valet. Claro que o serviço é oferecido, e que custa caro, mas qualquer um sabe do que se trata. Não estou aqui dando desculpas para os donos dos valets, mas cabe o questionamento. Se todos sabemos que não há vagas suficientes no entorno dos bairros boêmios para todos os carros, porque não tomar responsabilidade sobre o assunto?

Há diversas formas de evitar o problema. A mais simples é usar o táxi. Evidente que em São Paulo essa alternativa é complicada para muita gente. A cidade é territorialmente extensa e o serviço é caro. Com certeza, no entanto, há pessoas que moram nas imediações dos bares e casas noturnas que poderiam se beneficiar do táxi de madrugada. O serviço pode ser um pouco mais caro que o estacionamento, mas não há perigo de o carro ser largado na rua e nem de haver problemas com a Lei Seca. E, se usar o carro é inevitável, porque não deixá-lo em um bairro vizinho e usar o táxi para chegar até ele no final da noite?

É possível ainda organizar um esquema de caronas e, até, usar o transporte coletivo.  Parece piada de mau gosto, mas existem algumas linhas noturnas em São Paulo. Se a classe média usasse mais o serviço, certamente a oferta aumentaria. Aliás, pressionar o poder público para melhorar o transporte coletivo oferecido nas madrugadas seria uma ótima ideia. 

Em suma, os donos de carros precisam lembrar que detém a responsabilidade por cuidar de seu veículo. Em São Paulo, no entanto, a ‘carrodependência’ é tão grande que parece ser mais fácil usar um serviço sabidamente ruim – que, aliás, poderia muito bem não existir – do que deixar o veículo em casa ou pensar em alternativas inteligentes.