Fineza do samba une violão de Zé Paulo Becker e voz de Marcos Sacramento

Becker e Sacramento, a dupla que canta e toca nuances elegantes do samba em CD de produção impecável (©reprodução) “Vem, que é no ritmo do samba / Que a gente […]

Becker e Sacramento, a dupla que canta e toca nuances elegantes do samba em CD de produção impecável (©reprodução)

“Vem, que é no ritmo do samba / Que a gente cresce e aprende a caminhar / Moço com molejo e moça com cintura bamba / E quem é de fora até pára para admirar / É que vem de longe e vem no sangue o gen (sic) do samba / Quem é do Brasil nasce pra sambar”. Essa é a canção “abre alas” do ótimo álbum “Todo Mundo Quer Amar”, do cantor Marcos Sacramento e do violonista Zé Paulo Becker, arranjador e compositor de todas as faixas, junto com o mestre poeta Paulo César Pinheiro.

O cantor Marcos Sacramento iniciou a carreira em 1994, com o álbum “A modernidade da tradição”, que descreve bem o que realizou também os outros nove discos individuais lançados até agora – dar nova roupagem e interpretação aos clássicos do samba. Não é à toa que participou também de tributos a nomes como Ataulfo Alves, Cartola e Custódio Mesquita. Já o violonista Zé Paulo Becker é mestre no instrumento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e também é fundador e integrante do badalado Trio Madeira Brasil, especializado em choro instrumental.

A segunda faixa do álbum, “Remendo”, é um belo samba romântico, que descreve os sentimentos que brotam a partir do rompimento de um casal, mesmo assim a animada faixa seguinte, o samba cadenciado “Dois Lados”, que revaloriza o papel do amor na vida das pessoas: “Tem vez que só faz prender / Tem vez que é libertador / Pode só causar prazer / Pode só trazer a dor / Mas nada no mundo é melhor que o amor / Todo mundo quer amar / Ninguém quer a solidão”.

A cuíca de Paulino Dias ecoa doída e candente em “Coisa Fugaz”, que retoma a questão da desilusão amorosa na voz potente de Marcos Sacramento e no dedilhar do violão de Zé Paulo Becker: “Deixa esse amor pra trás / Não sofre, não chora, por sentimento enganador / Decepções são normais, / desilusões são banais”. Também vale a pena destacar a presença de Rogério Caetano, no violão sete cordas; Bernardo Aguiar, no pandeiro; Fabiano Segalote, no trombone; e José Arimatéa e Silvério Pontes, nos trompetes.

Muitas vezes, a relação amorosa termina simplesmente em função da incompatibilidade entre os dois envolvidos. Esse é o tema dos dois deliciosos sambas “Conformação”, que começa com um deslumbrante solo de clarinete de Rui Alvim; e “Temperamento”, marcado pelo sax alto de Humberto Araújo: “Você tem pra tudo um argumento / Isso foi minando a relação / Tanto papo em vão sumiu no vento / E silenciou meu coração”.

Uma das faixas mais bonitas é “De Madrugada”, marcada pelo acordeom de Bebê Kramer e pelo tamborim de Marcelinho Moreira: “Quando tem noite enluarada, / Eu pego no meu violão / Me sento na calçada / E fico tocando com a moçada / Tem muito samba da pesada / Que surge na recordação, ah”. Igualmente animada é “Coisa de Amador”: “Quem foi que não teve uma ilusão de amor / Quem foi que não fez alguém sofrer / Porém aquele que é bom entendedor / Aprende com o erro que causou / E tira o diploma de viver”.

Se na faixa anterior o modo de Marcos Sacramento cantar parece ter certa influência djavaniana, no samba-canção “Sem Rumo”, a principal referência parece ser Gonzaguinha. A canção conta com o preciosismo e a segurança do pianista Leandro Braga, e traz pelo menos um verso que parece definir o álbum como um todo: “sem ponto de partida não tem porto de chegar”. A mesma referência aparece na deliciosa “Sistema”.

A tradição do samba vem na elegante “Quem Ama”. Espírito que volta a aparecer no chorinho “Gota de Ouro” e na charmosa “No Clube Democráticos”, que faz referência aos tradicionalíssimos Clube Democráticos e Estudantina, ambos no centro do Rio, o primeiro famoso pelas domingueiras e a segunda marcada tradicionalmente pela gafieira.

Desse modo, misturando tradição com contemporaneidade e utilizando diversas formas para se retratar o amor, “Todo mundo quer amar” é um belo álbum, que sela a união de três feras da música do Rio de Janeiro – Marcos Sacramento, Zé Paulo Becker e Paulo César Pinheiro. Agora é torcer para que esse trio volte logo a render novos e saborosos frutos.

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