O auto-retrato do ‘intolerante’ Boni

O livro do ex-diretor da Globo contribui para entender a história da maior empresa de comunicação do país (©Reprodução) No final do ano passado, chegou às livrarias a autobiografia “O […]

O livro do ex-diretor da Globo contribui para entender a história da maior empresa de comunicação do país (©Reprodução)

No final do ano passado, chegou às livrarias a autobiografia “O Livro do Boni”, escrita por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que durante 31 anos ficou à frente da operação da Rede Globo de Televisão e foi um dos responsáveis por ajudar a transformá-la num dos grandes impérios das comunicações no mundo.

Ao lado dele, também foi importante a atuação de profissionais como Walter Clark e Daniel Filho, que já haviam contado suas visões da mesma história, respectivamente, nos livros “O Campeão de Audiência” e “O Circo Eletrônico – Fazendo TV no Brasil”.

Juntas, essas três obras criam um painel bastante completo da história da TV Globo. Não espere, porém, de nenhuma delas revelações bombásticas. Afinal, trata-se de uma visão oficial de três importantes dirigentes dessa megaempresa. De todo modo, são obras indispensáveis para quem estuda comunicação e também para quem se interessa pelo mundo dos negócios e pela cultura brasileira.

“O Livro do Boni” parece a peça que faltava nesse quebra-cabeça. A começar pelo fato de que o autor vai muito além da TV Globo e narra a importante passagem que ele teve por outras emissoras de rádio e televisão, e por agências de publicidade. Depois, porque ele parece ser bastante sincero em tudo o que relata.

Com o lema de que um erro só pode ser tolerado uma única vez, ele assume a intolerância como qualidade e retrata, sem pudores, o roubo de elenco que costumava ocorrer no início da televisão brasileira e o fato de que levou Regina Duarte para a TV Globo, fazendo-a largar no meio uma novela em que atuava na Excelsior, pelo fato de estar a vários meses sem receber. 

Boni também retrata momentos complicados e delicados, como a da edição do debate entre Lula e Collor em 1989; das informações truncadas do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), do Rio de Janeiro, durante as eleições para governador do estado em 1982, vencidas por Leonel Brizola; da relação com a empresa norte-americana Time-Life, sócia da TV Globo durante alguns anos; da convivência tumultuada e delicada com o governo militar e a censura praticada por ele; e das brigas com Walter Clark e Gloria Magadan, a autora cubana que veio fazer novela no Brasil. Sente-se falta de descrições da relação da TV Globo com os denominados governos democráticos.

De leitura saborosa, “O Livro do Boni” possui 460 páginas, em que desfilam o convívio do autor com nomes importantes da cultura brasileira como Chacrinha, Dercy Gonçalves, Janete Clair, Silvio Santos, Fausto Silva, Xuxa, Ayrton Senna, Pelé, Tarcísio Meira, Dias Gomes, Glória Menezes, Regina Duarte, Chico Anysio, Jô Soares e Marília Gabriela, entre tantos outros. Não faltam também muitas fotos e detalhes da criação de  programas marcantes, como “Globo Repórter”, “Fantástico” e “Jornal Nacional”. Com relação às minisséries e telenovelas, Boni lista e comenta as que mais o marcaram como profissional da televisão, mas também como telespectador.

Com relação ao sempre discutido “padrão Globo de qualidade”, Boni o atribui ao alto grau de exigência de todos os profissionais da emissora – comentando boa parte dos que assumiram o comando em diferentes momentos – e também ao público. “A mentalidade da tolerância zero se implantou na empresa de forma automática e não imposta. E tolerância zero não significa que tudo seja perfeito, mas que se busca a perfeição. Para mim, não há busca de perfeição quando se tem qualquer tipo de tolerância. É preciso querer 100% para conseguir 80 ou 90%. Sempre fui um intolerante: no rádio, na publicidade, nas emissoras em que trabalhei antes da Globo e, principalmente, na Globo”, garante.

E talvez tenha sido essa característica que o fez o profissional admirado e temido que é, e também que mais o aproximou de Walter Clark, Daniel Filho e, acima de todos, de Roberto Marinho.

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